27 maio 2010

Do tempo

Lis diz:
É que eu não te contei um segredo
Dentro de mim mora outra
Que já está lá na frente

Quase formada, morando fora de casa, decidida, viajada
Pra ela não tem ruim, não
Faz tudo que quer e acha certo

Já superou o problema com comida, tirando as carnes (óbvio)
Faz dança, caminha no parque
Vê os amigos todos os fins de semana

E eu aqui, nesse marasmo
Querendo competir
Com minha própria fantasia

26 maio 2010

Te vejo acordar

Pela manhã, via como ela acordava lentamente, despreguiçando-se várias vezes, revirando a cama na busca de um sono já perdido. Não usava despertador, deixava que a luz do dia viesse acordar pela janela aberta, com um toque suave e um sussurro calmo "linda, já é dia...". Quase nunca repetia o pijama, dependendo do dia poderia dormir estampada de ursinhos e babados ou quase nua. Era de lua, a vestimenta noturna.
Sempre que olhava para aquele corpo aconchegado no cobertor macio, eu sentia prazeres intensos, inconfessáveis de tão puros. Ela era bela, clara e de cabelo escuro, tinha olhos profundos que carregavam as marcas do sono tardio. Acompanhando seus movimentos matutinos, me sentia completo, como um ser que busca na existência do outro, motivos para existir. Na realidade não era isso, era simplesmente bom ficar olhando ela acordar.
Nesta manhã, ela levantou um pouco depois das nove horas, vi quando se revirou uma e outra vez na cama, cobrindo a cabeça com o cobertor. Então começou a se esticar, estirar os músculos do corpo pra se livrar das garras do sono, levantava os braços brancos, punhos fechados. O cabelo todo bagunçado e a roupa meio revirada provavam a noite boa, hoje ela dormiu com uma regata branca e uma calça cinza, dessas de dormir. Seu corpo parecia aquecido, pele macia e descansada, como são as peles das moças ao despertar. Tocar em um corpo recém acordado é motivo de grande prazer, demonstra intimidade, abraçar alguém que acabou de acordar e ouvir assim de perto, os sussurros das primeiras palavras do dia, é simplesmente inexplicável.
Em seguida ela levantou e fechou a janela para poder se vestir. Acabou. O reflexo do espelho que vejo pela janela aberta, todos os dias, acabou. Esperarei o pijama de amanhã.

25 maio 2010

O Último dos Espelhos Mágicos

Foi quebrado e teve azar.
Sobreviveu mais sete anos,
aposentado por invalidez,
recebendo um salário mínimo.
Depois morreu.

21 maio 2010

Reflexão

Todos os caminhos me levam pra desgraça. Neste outono, mudei de rumo, adoeci. Queria poder saber um pouco de minha significância pro mundo, sendo que pra mim, não significo nada. Ou melhor, significo o nada, na sua inutilidade mais intensa de não saber nem o que dizer, preferir não dizer, pra não falar bobagem.

19 maio 2010

Eu só preciso de uma sala de espelhos

Vitória, não corre, eu ainda tenho tanto pra te dizer: sei que você não quer me dar seu tempo mas o tempo não é seu nem meu: o tempo é de todos então: dá-me tua mão e mergulha no impensado pensar que somos nós, já que não quero ver tuas mudanças, não quero tua aliança: quero ver tua esperança
Mas, Renato, se teu tempo que usas em mim e portanto meu se torna, se teu tempo fosse para ti usado, serias mais feliz porque te olharias e te reconhecerias e tornarias a olhar-te para o espelho: assim como fiz eu.


Via no espelho as raízes mortas de uma planta não-planejada,
planejada não para mim, mas para um futuro que deveria ser diferente
rente a um sonho do infinto. E estas raízes mortas meio vivas
vivas no meu ser, no meu inconsciente
ciente do perigo de uma possibilidade imperfeita
feita para não para mim, mas para nós, um em redor
(duma) dor para aprender.

Eu tinha um sonho.
E nesse sonho eu era tão feliz.
Não no cotidiano pensado de cada dia.
Mas no viver inexato em que eu sentiria
as noites minhas.

Eu tinha um plano.
E nele estava eu bem sozinha.
(Padeceu em meio a um confessar
De novos planos).

Eu tinha um sonho.
E foi tão bom.
Pena que nele eu não
te incluía.

música espelhada

Muito de mim, mas não tudo, eu vejo no meu reflexo. Ervas daninhas, vozes-Amálias, corpos que sofrem, pagam... E que, no final, gostam disso tudo. No espelho, sinto um pouco da memória que ainda não perdi. Vejo o amor, a troca entre duas almas, dois anjos da guarda - o outro, na frente do espelho, pode ser que seja hipotético, não importa. No fundo dos meus olhos, vejo a força de povos sofridos à beira do rio. Dou um olhar descrente para o vidro e recebo um olhar mais atento, mais esperançoso. Positivo, como boa parte das referências completas destas breves linhas.


Inspirado na (e - por que não? - dedicado à) arte de António Variações.

18 maio 2010

O dia em que saí do quase

Estranhamente o sentimento era de alívio, apesar da decisão não ser sua, e isso lhe impressionara. Respirou fundo, se sentiu viva. Solitária, mas viva, independente, podia agora fazer o que quisesse sem depender do consentimento, dos horários, da rotina, da opinião desse outro alguém que há tanto tempo habitava sua vida.

Voltou para casa, se sentou no sofá e foi conversar com a mãe, falar de filmes, livros, de como fora o dia – o que tanto gostavam de fazer e se repetia por todas as noites – tudo isso como se nada tivesse acontecido. O início de sua vida de conquistas, uma após a outra, era este. Sabia e precisava caminhar sozinha, sentia necessidade disso, sem temer mais o futuro, que agora dependia apenas de sua vontade e não da decisão dele sobre que rumo tomar. Chegava de incertezas quanto à durabilidade daquela história, daquele amor. Ele mesmo lhe dissera que quando se há dúvidas sobre alguma coisa é porque já se deve então colocar-se um fim nesta. Bastava, então, de quases, de proximidades, de metades! O que agora virara sua busca incansável são as conclusões, a convicção, a sensação de completude.


Fora preciso, no entanto, perder metade de si para sentir-se inteira.



meu espelho

- Mas não era para ser assim.
- Mas não era para ser assim.

- Quando vão começar a ensinar que o mundo não vale tanto esforço?
- Quando vão começar a ensinar que o mundo não vale tanto esforço?

- E os outros?
- E os outros?

- Eles estão sentindo isso também?
- Eles estão sentindo isso também?

- Meu tio disse para eu viver a minha vida. Só a minha vida.
- Meu tio disse para eu viver a minha vida. Só a minha vida.

- Eu só não sei bem como se faz.
- Eu só não sei bem como se faz.

- Eu não sou independente.
- Eu não sou independente.

- Eu não tenho dinheiro.
- Eu não tenho dinheiro.

- Eu aprendi algumas coisas, é verdade, mas há tantas outras ainda.
- Eu aprendi algumas coisas, é verdade, mas há tantas outras ainda.

- Às vezes eu queria conseguir abstrair tudo.
- Às vezes eu queria conseguir abstrair tudo.

- Tudo.
- Tudo.

- Ou sumir.
- Ou sumir.

- Quando chove.
- Quando chove.

- Tem uma arma no fundo do armário lá em casa.
- Tem uma arma no fundo do armário lá em casa.

- E daí?
- E daí?

16 maio 2010

Espelho Retorcido

Espelho espelho meu
Há alguém, mais feliz do que eu?

Tive dois níqueis, mas fui roubado
Duas moedas de mais valia
Tê-las comigo, era só o que eu queria
Um guarda-chuvas queria ter comprado

E de gotas tristes ter fugido.
Do amor, e seu gosto venenoso,
E do cupido, em seu plano ardiloso
Preferia eu, ter morrido

Nem só de amor o mundo é feito.
A depressão derruba e dá risada.
Ter esperança é meu pior defeito.

Achei vinte niqueis, logo na ida.
A frustração pode ser recompensada,
Redescobrindo o amor em nossa vida


Abrindo os olhos, vi o espelho retorcido
Abri meu coração, e tudo foi resolvido.

09 maio 2010

Quase emprego

Olha, quando eu saí do quase já nem lembrava porque tinha ido parar lá. A Judite, irmã do marido da minha prima de segundo grau foi quem inventou tudo, eu nem sabia no que estava me envolvendo. Ela era a mulher dos contatos, comunicativa, otimista, loira, peituda e intrometida. Não que ela fosse má pessoa, era só... A Judite.
Talvez você não esteja familiarizado com esse tipo de pessoa, por acaso já conviveu com alguém assim? Ainda não consegue visualizar o tipo de pessoa que era a Judite? É, isso que dá escrever, se eu mostrasse uma foto talvez pudesse ajudar, mas acho que a foto da Judite não transmite o que ela realmente é, teria que ser uma foto muito boa, feita por um profissional qualificado, ou com uma boa câmera. A minha é meio velha, digital, mas sem frescuras. Eu adoro fotografia, longe de mim criticar as novas tecnologias, mas é uma loucura ver gente com uma baita câmera tirando foto pra botar no Orkut...
Agora lembrei, a Judite tem Orkut! Sim, é bem mais fácil conhecer ela por lá, porque dá pra saber dos gostos da pessoa, e dos amigos também. Vai que você conhece a Judite e nem sabe? Se bem que o Orkut é muito superficial, e não dá pra ver, realmente ver como ela é.
Assim, a Judite gosta muito de gente, ela fala tocando nas pessoas, sabe? Segurando o braço, o ombro. Ela encosta, ela toca, ela quer sentir a outra pessoa, por isso quando fala parece que tá entrando assim, dentro dos nossos olhos, de tão intenso e próximo que é o olhar dela.
Isso não é tão incomum assim, sempre tem alguém mais intimista no grupo de conhecidos das pessoas, os mais tímidos não gostam desse tipo de pessoa, “é muita aproximação”. Mas vai falar isso pra Judite! Ela representa a aproximação...
Bom, nem tanto assim, porque eu acho que ela não se aproxima de verdade, assim, de verdade verdade, de ninguém. Se fosse assim ela não teria se separado mais de quatro vezes. É, ela é muito ativa, não pára quieta!
Foi um antigo namorado dela que me ligou pra conversar, disse que ela tinha passado meu número pra ele. Renan, eu me lembro dele, um careca, alto e meio musculoso. Não era feio, mas ela não gostava porque ele lambia a orelha dela. Eu também não gosto dessa coisa de lamber a orelha. Dizem que é bom porque a orelha é um órgão sexual, mas eu não acho. Orelha é uma coisa meio suja, com gosto ruim... Não que eu já tenha lambido a orelha de alguém. Como se eu pudesse também, meu último namorado não deixava nem eu mexer no cabelo dele pra não bagunçar, imagina lamber a orelha! Pois bem, Renan, o lambedor de orelhas, me ligou pra ver se eu estava interessada. Não na lambida, mas em um trabalho.
Ele trabalha em uma firma de computação. Nunca sei o que uma pessoa faz quando me diz que trabalha em uma firma de computação. Aliás, alguém sabe o que uma pessoa que trabalha em uma firma de computação faz, durante 8 horas, lá? Enfim, ele “trabalha” lá. Eu não conseguia entender o que poderia ter de trabalho pra mim, porque eu mal sei usar o computador, além das funções básicas. Mas ele me chamou, disse que a louca da Judite tinha me indicado pra um cargo lá no trabalho de computação dele e como nenhuma vaga pro meu perfil estava disponível ele me passou pra um contato em outra empresa.
Eu não sabia se aceitava ou não, “é história da Judite!” minha irmã dizia, mas eu achava que algo podia dar certo, e fiquei de ligar pra lá. Passou uma semana e eu ainda não sabia se ligava ou não. Era uma editora, pelo que o lambedor tinha dito. Eu não poderia trabalhar em uma editora, sou muito burra pra isso. O meu ex me disse que eu não sei ler mais que Sidney Sheldon e que eu era muito burra, por isso que ele foi embora. Mas a minha prima de segundo grau me garantiu que não tinha que ser muito inteligente pra conseguir a vaga... Foi aí que eu liguei...

Mas não consegui o emprego. Tinha que escrever o nome de cinco livros extrangeiros e falar um pouco da história. Mas não podia repetir... Quando eu disse que não sabia o que escrever e que por isso ia desistir da vaga, o moço me disse: “que pena, com esses contatos que você tem, quase conseguiu o emprego...”

Papai Rex e a cachorrinha Morango

Era uma vez uma família de cachorrinhos azuis. Eles viviam felizes e unidos na Floresta da fada Keka. O Papai Rex era muito calmo e atencioso para com sua família. A Mamãe Lupita adorava fazer o lanchinho dos seus três filhotinhos.
Os irmãos Buba, Pingo e Margarida passavam o dia inteiro correndo e brincando pela floresta, junto com seus amiguinhos.
Um dia Papai Rex saiu para o seu trabalho e conheceu uma cachorrinha vermelha chamada Morango, que vivia na floresta ao lado. Eles conversaram durante muitas horas. O dia chegou ao fim e Papai Rex voltou para casa muito contente.
No dia seguinte eles se encontraram de novo. Papai Rex percebeu que quando estava com Morango, seu coração batia mais forte. De repente, ele sentiu uma vontade muito grande de dar um abraço em Morango assim como dava em Mamãe Lupita. Eles ficaram abraçados pelo resto do dia e depois Papai Rex retornou para seu lar.
Durante muito tempo Papai Rex ia até a casa de Morango todos os dias para conversar e abraçar ela. Certo dia, Papai Rex percebeu que queria passar todo o tempo com Morango. Então, ele voltou para casa pela última vez para contar para Mamãe Lupita que tinha se apaixonado por uma outra cachorrinha e que estava indo morar com ela. Mamãe Lupita tomou um susto e ficou muito triste porque amava muito o Papai Rex. Ele deu um beijo em seus três filhotinhas e foi embora. Mamãe Lupita ficou triste por alguns dias, mas depois percebeu que a felicidade do Papai Rex era muito importante e resolveu buscar sua felicidade também.

(Cíntia P., Lis e Priscilla)

O outro jardim

Era uma vez um jardim mágico, onde viviam flores falantes. O casal mais falante de todos era o Gira-sol e a Gira-lua. Em toda primavera seu amor desabrochava. Nem mesmo no inverno, o seu amor se escondia. Nele, Gira-sol e Gira-lua se encolhiam até que o Sol aquecesse a Terra e seus corações. Nessa época, espalhavam com seu pólen a felicidade que iluminava todo seu jardim.
Num dia Gira-lua amanheceu rabugenta com o Gira-sol. Ele, muito magoado foi passear em outro jardim. Ventava forte, e seu Gira-sol sentiu um perfume no ar. Subiu até a colina e encontrou, Crisantemá, a melhor amiga de Gira-lua. Vendo as belas pétalas do Gira-sol ela se balançou mais ainda para que o vento levasse seu perfume a ele. Gira-sol ficou extasiado. De repente perdeu os sentidos. O vento mudou de direção e levou todo seu pólen para Crisantemá. Alguns momentos depois, Gira-lua apareceu, vendo Gira-sol sem pólen e sua melhor amiga com pólen que não era seu, ficou furiosa. Descontrolada arrancou todas as pétalas do Gira-sol, em seguida gritando:
- A cada pétala que nascer você se lembrará de mim. Bem me quer, mal me quer. Mas não te quererei.
Gira-lua nunca mais pensou no seu ex-marido. Gira-sol viveu infeliz até sua última pétala.

(Andiara, Marcel e Marcelo)

O vôo do Sr. Borboleta

Era uma vez um casal de borboletas, que viviam voando entre as flores. Naquele jardim não existia casal mais feliz.
Mas em um de seus passeios, Dona Borboleta machucou sua asinha no espinho de uma rosa. No dia seguinte ela não pode acompanhar o Sr. Borboleta.
Durante seu passeio solitário, o Sr. Borboleta se perdeu e foi parar no jardim vizinho. Ao voar sem rumo ele se encantou por algo diferente de tudo que ele já tinha visto. Era grande, colorido e que dançava no ar. O Sr. Borboleta ficou horas observando tamanha beleza.
Em sua casinha, a Dona Borboleta estava preocupada pois já tinha anoitecido e seu marido ainda não tinha voltado do passeio.
- Por onde andará meu querido marido? Será que ele não está voando com outra borboleta de asas mais coloridas?
Dona Borboleta adormeceu com o seu coração triste. Acordou com uma surpresa. O Sr. Borboleta estava preparando o café da manhã e disse:
- Venha, acorde, vamos rápido! Quero lhe mostrar a coisa mais maravilhosa que já vi.
Sem pensar, Dona Borboleta sai a voar com o Sr. Borboleta e se encanta ao ver um magnífico, colorido e grande catavento que girava no jardim vizinho. Os dois ficam até o anoitecer admirando aquela beleza e voltam para seu lar felizes para sempre.

(Avelino, Daniela e Natascha - e Luise)

Conversas de pai e filho

- Tu não pode fazer isso! Entendeu?
Silêncio.

- Ah, me deixa beber guri. Eu sei muito bem me cuidar. Tu que deveria começar a prestar atenção nas coisas que tu anda fazendo...
Silêncio.

- Tu tá que nem tua mãe, falando as coisas pela metade. Seja direto e pergunta se eu posso te dar uma carona, invés de perguntar se eu vou sair.
Silêncio.

- Faz isso agora pra mim.
- Por quê?
- Não faz perguntas e me obedece de uma vez!
Silêncio.

- Que exibido, pendurando todas as medalhas na parede.
- Não sou exibido, tenho orgulho do que consegui fazer na vida. É saudável ter auto-estima e se orgulhar das conquistas.
Silêncio.

...

- Tu deveria ter mais humildade e aceitar quando eu digo que tu não sabe nada da vida, porque tu é muito novo e não sabe da metade das coisas da vida.
- Pai, tu é um idiota.

07 maio 2010

quase tudo


Não lembro o primeiro dia em que alguém me perguntou o que eu queria ser quando eu crescesse.  Também não lembro o que eu respondi. Deve ter sido alguma profissão nobre - acho que todas são, por mais que não pareçam. Mas lembro dos episódios seguintes a esse pequeno diálogo. Lembro de passar horas e horas pensando e mudando de idéia constantemente. Eu já não sabia mais o que eu queria. Ou sabia, mas os caminhos eram tantos que me deixavam assim, em dúvida.
Parecia aquela situação clássica de vestibular, a indecisão e as várias opções pra se escolher. Uma profissão pro resto da vida. Lá estava eu. Eu tinha minhas aptidões no colégio, claro, mas sempre fui daquelas pessoas maravilhadas com tudo, com qualquer experiência. Um passeio no museu era sempre uma realização. Num estádio de futebol, idem.
Nunca levei a sério o teatro como modo de vida até aquela quinta-feira, quando, andando por uma rua tranquila, passei por um galpão onde um grupo ensaiava. Novamente, fiquei impressionada, mas ainda mais com o fato de que aquelas pessoas ensaiando apresentavam, aos meus olhos, algo que era uma mera diversão, entretenimento. Não era. Cara de pau, entrei no galpão e observei aquelas pessoas, que não levaram muito tempo até me notar. Mais cara de pau ainda, pedi, quase implorei para participar. Acho que, por pena, eles deixaram.
Desde então, vivo dias muito diferentes uns dos outros. Dias cheios de trabalho. Ser princesa egípcia e ser maltrapilha contemporânea, entre tantas outras facetas, sendo honesta, não tem nada de fácil ou de glamouroso. Mas não posso negar que me encontrei no que hoje é a minha ocupação. Ela corresponde, certamente, a tudo que eu fui e tudo o que eu gostaria de ser, mas quase consegui de verdade.

vida-quase

Outro dia nós estávamos na praia. Praia pequena e vazia, fora de temporada. Nós andávamos pelas ruas no domingo e aquilo tudo mais parecia um cenário antigo de filme abandonado. As lojas, mercados, restaurantes - tudo fechado, largado até o próximo verão.
Em uma esquina, uma bandeira do Inter balançava imponente com o vento. Mais adiante, uma do Grêmio pendurada na janela. Os poucos sinais de vida humana presente na principal rua da praia.
Nós caminhávamos e não se ouvia nenhum som além do que vinha de nós mesmos e do mar - as ondas quebrando na beira da praia a uma quadra de nós. E enquanto nós íamos de mãos dadas e a passos lentos em direção à praia perguntei-me quantas pessoas no mundo nunca terão a oportunidade de conhecer essa sensação. Andar por quanto tempo se desejar andar e só ouvir a si mesmo e à natureza.
A vida como ela deveria ser.
E aqui, onde a vida real acontece, eu sempre quis saber quando conheceria a vida de verdade.
A vida real e a vida de verdade.
Eu quase conheço: 'se nós pudéssemos só calar a boca por um segundo'.

O dia em que saí do quase

Todo guri sonha ser jogador de futebol, em ser levado nos braços da torcida, em conquistar a glória eterna dentro dos campos. Eu não. Eu sempre soube do meu potencial de bosta, por isso meu sonho era menor, eu só queria fazer um gol no campeonato do colégio, na frente de todo mundo.

Como os outros também sabiam do nível de intimidade que eu tinha com a bola, esse sonho era dos bem difíceis de alcançar. Só consegui participar de um campeonato na quarta série (eu vinha tentando desde o jardim de infância), quando fiquei maior que os outros e me tornei um grande zagueiro. Grande porque era alto e gordo, não pela técnica.

Como fazer um gol participando do jogo é bem mais fácil do que assistindo da arquibancada, pensei que o sonho estava perto de ser concretizado. Puro engano. Um zagueiro alto e gordo é lento, por isso não ataca, pois não voltaria a tempo de defender o contragolpe inimigo. Ou seja, longe do ataque, longe do gol.

E assim foi minha vida futebolística no ensino fundamental, sem gols. Até havia superado a barreira do peso e da lerdeza lá pela oitava série, o que me deixava ir para a grande área tentar algumas cabeçadas nos escanteios, mas mesmo sendo alto, o gol não saía.

No ensino médio me rebelei, se eu continuasse nos times principais das turmas, seria reserva, goleiro ou no máximo zagueiro, aquele que não faz gol. Resolvi então, fundar times alternativos, onde ninguém tinha a manha da bola, e quem tinha usava óculos fundo de garrafa, era hippie ou era louco. Foi a melhor idéia da minha vida. Nos times alternativos eu atacava quando bem entendia, chutava de qualquer lugar e era sempre o titular. Eu sentia o gol próximo de mim, ou não, afinal como um bom time alternativo, o meu era ruim. Foram goleadas históricas e vexames inesquecíveis. E o meu gol? Eu até chutava a bola em direção a goleira, mas nunca entrava, era bola fora, trave, goleiro, chute fraco, torto, credo! Não tinha jeito.

Então o dia em que saí do quase chegou, depois de doze anos de espera eu fiz o gol. Estávamos participando do último campeonato de 2002, era meu terceiro ano de ensino médio, o derradeiro ano de colégio. Era ali ou nunca mais.

Entrei em campo bufando, era jogo mata-mata, contra uns caras otários e bons de bola (desculpe pela redundância). Passados cinco minutos e o placar ainda estava no zero, o time adversário pressionava e nós contra-atacávamos. Um jogo parelho, ríspido, elétrico. Escanteio pra nós, alguém cobrou pra dentro da área com força, a bola espirrou e sobrou na minha frente, na minha canhota, chutei.

Gol.

Na frente de todo mundo.

No campeonato do colégio.

Contra os otários.

Naquele momento, eu realizava um sonho, o meu.


Gosto do teu complicado

Masoquismo                                               Conselho

Quase morto por você                               Faça assim:
Quase morto sem lhe ver                          resguarde teu momento ao sinal
Numa genialidade admirável                  [do universo
                                                                            captado por palavras,
Gosto de lidar com o nosso complicado      ensejado por quem traz
(é você que)                                                                                       

me faz,
só o que eu quero é mais e mais.

 
Quase-dependência de afirmações
Meio insensatas.
Só para o cotidiano insensível
(O irresistível, o inalcançável
Que é o conviver de todo o dia.)
Ontem foi o meu quase-dia
Epifania. Escute meu conselho:
Não ouve o silêncio
Que nem sempre
É seu amigo.

Quase

- Eu sei de tudo isso que tu falou. Eu já sô grande. Mas é que sempre quando tu sai e fecha a porta, me dá uma dor na barriga. Daí eu tapo a minha cabeça pra ver se passa, mas não adianta!
- Que bom que tu já sabes. Só que ao invés de ficar no teu quarto, tu foges para dormir comigo e com teu pai.
- Mas é que lá vocês dois podem me proteger.
- Proteger do quê, meu filho?
- Do escuro.
- Não precisa ter medo do escuro, ele não faz mal.
- Mas eu não tenho medo, eu sô um guri. Eu só não gosto de dormir sozinho e no escuro. É só isso, entendeu?
- Então, e se eu deixar a luz do abajur ligada?
- Não mãe, ele faz uma sombra grande na parede.
- Se colocarmos uma música bem tranquila, acho que tu consegues dormir melhor.
- Não gosto de dormir com música. Me dá mais dor na barriga.
- Quem sabe, então, se eu ficar aqui do teu lado?
- Mãe, eu não sou mais criança. Não precisa ficar aqui comigo!
- Está bem. Pelo que eu estou vendo, o Sr 'adulto' pode dormir sozinho essa noite.
- É... Vou dormir sozinho hoje, já sô grande.
- Boa noite, então. Durma bem.
- Boa noite mãe.



- Mãe. Manhê. Ô mãe!
- Hum. Que foi meu filho?
- Posso dormir aqui com vocês, só hoje?

06 maio 2010

A minha 9º Sinfonia



Rolam Boatos que Ludwig van Beethoven compôs a 9º sinfonia em homenagem a tudo que ele deveria ter feito, e não fez.. Dizem, que havia pensado incontaveis vezes em se matar, só não o fez por amor à arte. Certa vez disse: "Parecia-me impossível deixar o mundo antes de ter dado a ele tudo o que ainda germinava em mim".

Não sou, nem nunca serei como beethoven.
Talvez apenas nos sonhos de uma amada imortal.
Não sou musicista também, mas reconheço.
- A vida, o maior palco em que ja estive
Sou apenas um escritor que tenta
Compôr o poema perfeito em homenagem a ela.
Que porá fim às angustias de um coração gelado.
Aquelas palavras que ela não conhece de mim.
Sairei do quase...Sairei do quase...