28 maio 2009

O apartamento antigo

Como eu adorava aquele apartamento. Como eu adorava aquelas paredes pintadas de bege claro, como eu adorava aquele carpete cinza. A cozinha de azulejos brancos e reluzentes, o banheiro com azulejos decorados com flores. Era um lugar tão espaçoso e tão meu.
Tinha elevador e 6 andares, em uma avenida movimentada. Eu era tão pequena, mas sentia que aquele lugar sempre pertencera a mim. Sempre fizera tão parte de mim.
Dizem que tudo que é bom acaba. E era a hora de sair dali, sair do meu apartamento amado. Como podiam fazer isso? Por que aquilo estava acontecendo? Diziam que seria preciso mais espaço. Tinha até gente que perguntava se eu teria ciúmes do irmãozinho que viria. Que irmão? Eu estava alheia a tudo aquilo. Precisava dos meus pais, claro, mas mais ainda daquele apartamento.
O novo apartamento estava localizado em uma área nobre da cidade. Era bonito e era maior do que o antigo. Mas parecia frio, e não digo frio de temperatura, mas frio de ambiente. Tudo era tão sofisticado, bem acabado... eu gostava da informalidade, da simplicidade, da cara de apartamento antigo que meu antigo lar tinha.
Vivi naquele apê chique e frio de ambiente por muitos anos, eu, meus pais e o irmão que aprendi a amar. Éramos - e somos - uma família feliz. Os filhos cresceram e, nada mais natural, quiseram buscar sua independência. Meu irmão e eu fomos pra universidade, começamos a trabalhar, a conquistar nossas pequenas coisas.
Procurei muito por um apartamento. Não precisava ter muitas coisas, podia ser de um só quarto, só um cantinho para poder chamar de meu. Foram meses juntando dinheiro, meses procurando. Mas tem coisas que são ironia do destino - se não são, não sei mais o que são.
Aquele antigo apartamento no qual morei estava desocupado. Creio que tenha ficado desocupado por muitos anos, não havia nenhuma mudança radical nele - se havia, eu não lembrava, depois de umas duas, três décadas. Eu, bem mais crescidinha, via que o apartamento espaçoso só seria espaçoso de fato para uma criança que está descobrindo o mundo (e os móveis, as paredes...) ao seu redor. No entanto, ao entrar na sala, uma nostalgia inexplicável tomou conta de mim, a ponto de me emocionar. Eu estava redescobrindo a sensação de ter um canto verdadeiramente meu.
Moro neste apartamento até hoje, sozinha, e recebo visitas de vez em quando. Meus pais lembram com saudade dos tempos em que viviam apenas eles e a filha única; e meu irmão gosta do lugar, mas nenhum dos três têm tamanho apreço por este imóvel como eu. Posso dizer que, apesar de não ter estado aqui por todos os anos de minha vida, este lugar tão especial e peculiar representa o mais incomum amor que já senti.

27 maio 2009

A Dialética do Tédio pt.III: Escolha sua frase de efeito preferida

1 - Escrevo por que mentiras faladas nem sempre convencem.
2 - Escrevo para trilhar os caminhos que um dia esqueci de tomar.
3 - Escrevo por que sou esquecido; se lembrasse, não escreveria.
4 - Escrevo por que não vivo; e se vivo, moro longe.
5 - Escrevo por que tenho saudade do que não vi.
6 - Escrevo para abrir as portas que para mim estão sempre fechadas.
7 - Escrevo por que não tenho nada a dizer.
8 - Escrevo por que tenho preguiça de ser.

26 maio 2009

Criança

12 de outubro de 1998, 7 anos.
Querido Diário! Hoje foi um dia muito legal, porque é o dia das crianças!!! Também é feriado. Minha mãe disse que o feriado é por causa de uma santa, mas pra mim é porque é dia das crianças. De manhã minha mãe me deu a Barbie Rapunzel que eu queria. Ela é muito linda! No almoço teve batata frita e de sobremesa sorvete de chocolate. De tarde e tia Ana veio aqui com a Gabi, que é minha prima. Daí ela me pegou pra gente ir na Redenção e no parque. Me diverti muito! Minha vó também me deu um presente. Ela me deu o cd novo da Sandy que eu queria. Foi o melhor dia das crianças de minha vida toda!!!!!
Até amanhã!
12 de outubro de 2006, 15 anos.
Dia perfeito! Ou pelo menos o final... De manhã, a mãe veio com os papos de "dia das crianças". Será que ela não percebe que eu não sou mais criança? Dã. Ela ainda me deu dinheiro, disse que achava melhor que eu escolhesse o meu presente... De qualquer modo, saí com as gurias de tarde e depois fomos pra casa do Júlio. Acabei ficando por lá, claro. Certamente, o melhor "dia das crianças", nem tão criança.
12 de outubro de 2007, 16 anos.
Acordar com alguém chorando nem sempre é bom, a não ser quando é ela. Hoje ainda mais. E pensar que há um ano atrás eu jamais imaginaria isso. Tantos problemas, tantas lágrimas, rejeição, abandono... Mas eu jamais a abandonaria, jamais a mataria, nem adiantaria ele implorar mais! Mesmo tão pequena já ganhou tantos presentes! Só a minha mãe deu uns quantos! De repente, voltei a ter que comemorar dia das crianças, hoje é o primeiro dela. Pelo menos ainda não está pedindo Barbie. Hoje não sou mais eu que ganho presentes... só em maio.
OBS: fiz esse texto antes de ler o da Andi... coisas que acontecem!!

23 maio 2009

linha-vida e o dia 12/10

Manuela, 8 anos. Meiga, inteligente, acostumada a acompanhar os pais em tudo e a viver com conforto. Passear no shopping é um hábito para ela. Comer McLanche Feliz, olhar as vitrines... Às vezes, andava pelos corredores com um brinquedo ou uma roupa novos. Manu curtia sua infância daquele jeito. Seus pais eram bons para ela e bem-intencionados, claro, mas trabalhavam tanto que a diversão mais "ao alcance" que podiam proporcionar para a filha era essa. Até mesmo em viagens ela era quase deixada de lado, quase tratada como adulta. Ela estava e não estava com seus pais. Sentia-se sozinha. "Como, uma guria que tem tudo do bom e do melhor?"
...
Manuela, 15 anos. Sonha em fazer intercâmbio e não aceita mais a companhia dos pais superprotetores que jamais tiveram tempo para brincar com ela. Quer sua independência, embora não saiba como obtê-la e ainda seja imatura, apesar de (como todo bom jovem da idade) achar o contrário. Vive num universo paralelo, num canto só seu: seu computador, suas músicas, sua cama, suas paredes rabiscadas, suas coisas, seus desabafos no papel. Não tinha problema. Estava acostumada com a solidão. Principalmente a interna.
...
Manuela, 25 anos. Vive um dia marcante, daqueles que mudam a vida radicalmente. Pensa no seu passado de frequentadora assídua de shopping: as pessoas tão diferentes e tão iguais; os vendedores aborrecidos pelo trabalho exaustivo. Pensa nos pais, que não vê há tanto tempo. Tem saudade deles, mas ainda guarda um pouco de mágoa. Pensa em reconciliação. Pensa em mudar de vida, mas não sabe se conseguirá mudar seus valores burgueses. Pensa nos últimos meses, tão turbulentos e confusos. Pensa no agora, na serenidade que invade sua alma.
Pensa em Pedro, o serzinho que carrega em seu colo. É 12 de outubro e o bebê tem poucas horas. A jovem mãe quer que seu filho tenha o melhor futuro que uma mãe pode desejar, mas que não repita a infância de Manuela. Pedrinho merece uma infância livre, na qual ele possa tomar banhos de sol e banhos de chuva, na qual ele possa correr, cair da bicicleta, subir em árvore, brincar de esconde-esconde. Manuela se enche de esperanças e planos. Mesmo ela já tendo passado da infância há muito tempo, sabe que aquele dia 12 de outubro é o seu dia. O dia de aprender a ser feliz de verdade.

22 maio 2009

Por favor, avisem.

Que os apaixonados não me levem a mal, mas eu não acredito no amor. Isso aí, meus amigos: depois de 18 anos sem namorados e levando algumas rasteiras na vida, cheguei a esta brilhante – e conveniente – conclusão. O amor não pode existir.
Dizem que ele é cego, e que pode até mesmo demorar um pouquinho pra te encontrar. Mentira. Mesmo sem enxergar, ele já teria me achado há tempos. Eu gritei, esperneei, quase peguei ele pela mão e ensinei o caminho. Não adianta. Ninguém consegue dominar uma coisa que não existe.
Esqueçam tudo o que já disseram pra vocês sobre ele. Eu sei, um dia aquela prima mais velha contou como amava o namorado e queria ficar com ele pra sempre. Agora pulem uns dois meses no tempo. Ela chorava bastante, né? Afinal, eles terminaram. Eles quem? O casal, não os amores. Esses últimos nem chegaram a acontecer.
Em todo o caso, se algum de vocês tiver notícias dele, faça o favor de me avisar. Não sou cabeça-dura, sei aceitar que estou errada. É comum ouvirmos falar sobre o amor. Vai ver eu que sou estranha.

20 maio 2009

Isto é um email

Linda, sabe q te amo mais q tudo, tu é a mulher da minha vida, sou completamente louco por ti. Me lembro como se fosse hoje o perfume que tu tava usando no dia q a gnte se viu pela primeira vez, lembro da tua gargalhada qndo ouviu minha cantada estapafúrdia logo no começo da festa e lembro tbm do teu beijo no final da noite, doce e suculento. Assim foi nosso primeiro bju e assim foi cada bju teu ateh hoje.
As vzs me pego olhando pro horizonte, completamente apaixonado por ti, pensando no nosso futuro, nos filhos q qro ter cntigo (espero q eles tenham teu sorriso, o mais lindo do universo), nas viagens q faremos, no nosso dia-a-dia qndo morarmos juntos...
Eu te venero, te qero, te amo.
Mas naum tenha mais aqela crise de ciúmes qe tu teve hoje, por favor, era só um filme, eu nunca vou conhecer a Scarlet Johansson de verdade, ela mora nos Estados Unidos, é rica, na verdade nem sei se ela existe mesmo, acho q eh computadorizada. Para de fiasco por nada amor, só fiz um comentário bobo sobre os seios dela...
Vamos voltar, cansei de brigas bobas, nosso amor já é maduro, é pra sempre, mas não sei mais como te provar q é a única pra mim, tentei de tudo.
Eu e Tu : 4ever
P.S. Saiba q essas palavras q te disse agora, pra Scarlet eu nunca escreverei.

17 maio 2009

Oi, tem moeda?

Vermelho.
Tem moeda? Tá. Tem moeda? Brigado. Tem moeda? Tem moeda?
Verde.
Cinco moeda. A mãe me manda pegá bastante, mas me dá uma coisa. Eu disse pra ela. Ela disse pra eu pará de sê esvergonhada. Acho que é isso. Eu nem sei falá direito. Esses dias vi um cara que pedia que nem eu, só que ele não tinha uma perna, e ele tava segurando um papel com umas coisa escrita. Daí ele nem falava, só levantava o papel. Ia sê mais fácil assim. Não gosto de falá, me dá uma coisa na barriga, um nervoso. A Júlia sempre consegue mais. Ela faz mais cara de triste, fala meio chorando. Às vezes consegue até dinheiro de papel.
Vermelho.
Oi, tio, tem moeda? Brigada. Moeda? Tem uma moeda? Aham. É. Tá, pode sê um pão. Tá. Brigada. Tem moeda?
Verde.
Gosto quando dão comida. Quase nem como aqui. Não posso gastar as moeda, é tudo pro pai da Júlia. A Júlia é minha irmã. Mas o pai da Júlia não é meu pai. A mãe é mãe das duas. O meu pai eu não sei. A mãe nem fala dele. O ruim é que quando dão pão, não dão moeda junto. Tem gente que não gosta de dá moeda, eles diz: não vô te dá pra ti ficá se drogando! Mas eu nem sei. Sempre dei moeda pra mãe. Uma vez só gastei num chocolate. Daí a Júlia contou e eu apanhei do pai dela. Aquele idiota... Eu queria usá um papel que nem o cara sem perna que eu vi. Só que nem tenho papel, nem coisa de escrevê e nem sei escrevê. Nem a Júlia. Senão ela fazia pra mim.
Vermelho.
Oi, tem moeda? Oi, tem moeda? Brigada. Tem moeda? É pra comprá leite e comida. Brigada. Tem moeda? Então, me dá uma bolacha? Brigada.
Verde.
Acho que vô pedi pra Ana fazê o papel. Ela já foi na escola. Acho que não vai mais, mas deve sabê as letra. Ah! Tem também aquela moça, a Lisa, que mora ali na rua. Só que eu nunca vejo ela... Ela dá aula numa escola e tem aula de noite. Diz que ela faz faculdade, que vai sê rica um dia. Eu que tinha que sê rica. Mas parece que pra sê rica tem que fazê faculdade. Eu nem sei... Só queria escrevê num papel pra não precisá ficá falando. Quem sabe eu tenho que pará de sê esvergonhada mesmo...
Vermelho.
Oi, tem moeda?

13 maio 2009

Interrogação

Existe o risco de dizer que nunca escreverei sobre o incerto - no entanto, talvez seja uma contradição, levando em conta tudo o que eu já escrevi. Sou esperançosa, acredito em energias e em pessoas positivas. Acredito na realização de sonhos. Acredito na fé. (Não questiono meu lado ingênuo e utópico - não adiantaria.)
Ainda hoje, vários episódios de minha vida rendem a mim muitos momentos reflexivos. E se não tivéssemos dificuldades financeiras que nos levassem a sair da zona leste? E se minha mãe não ficasse doente a ponto de precisar de um transplante? E se eu estudasse em outro colégio que não o dos padres, seria eu mais feliz? E se eu tivesse mais certeza do que eu queria na hora do primeiro vestibular? Ou então, pelo menos, na hora do segundo?
São vários "e se...?" que me levam a imaginar o que eu faria, como e com quem eu me relacionaria, como pensaria, como viveria. Mas são situações imaginadas. No fundo, sou sonhadora a ponto de formular hipóteses, mas realista a ponto de não conseguir me aprofundar nelas. A ponto de não conseguir escrever o que não está intrinsecamente ligado a mim. Coisas que vivi, presenciei, vi, ouvi, li, gostei, detestei e tantas outras sensações: talvez eu dependa delas para escrever... Será?

12 maio 2009

Música para seus ouvidos

Até meus nove anos fui como a maioria das crianças, um garoto arteiro. Subia em árvores enormes, jogava bola no meio da rua, desmontava meus carrinhos de fricção para ver como era por dentro, jogava pedra nos gatos da vizinhança, queimava formigas com lupa, enfim, fazia tudo aquilo que as mães não gostavam. Minha mãe ralhava comigo, me dava uns beliscões e até algumas palmadas quando eu passava do limite, mas nossa relação era a melhor possível, eu era o companheiro dela, eu a protegia, eu cuidava da minha mãe e ela cuidava de mim.
Foi no dia que completei nove anos que minha mãe morreu. Foi atropelada quando voltava do supermercado de manhã cedo, ela trazia as compras para minha festinha. Foi o dia mais triste da minha vida. Como éramos só nos dois tive que ir morar com meu pai.
Meu pai nunca foi presente em minha vida, eu o via umas duas vezes por ano, ele tinha outra esposa, outros filhos, morava em outro estado e a mãe sempre disse que ele trabalhava muito. Quando a gente falava por telefone, o que também era raro, ele sempre dizia que me amava e que estava com saudades. Nunca senti muita falta dele, minha mãe supria todas minhas necessidades de carinho e amor.
Com duas semanas na casa nova eu já tinha noção do que me esperava. O pai saía para o trabalho bem cedo e voltava só na hora da novela, Os irmãos como eram mais velhos estudavam de manhã e ajudavam o pai na oficina de tarde, minha madrasta cuidava da casa e agora também cuidava de mim. No começo ela me dava algumas chineladas, eu chorava de raiva, pois não fazia nada que merecesse apanhar, passado um mês usava um cinto velho para meu castigo, eu segurava o choro até explodir, até que um dia ela encontrou aquele relho na garagem e eu nunca mais chorei, rezava em meus pensamentos para ela cansar de me bater.
No começo ela inventava algumas desculpa para me dar as surras, desde o copo quebrado até o tênis guardado fora do lugar, do bocejo na mesa até uma resposta que ela não gostou de escutar. Depois ela já nem se dava ao trabalho de me explicar porque eu ia apanhar.
Já era uma rotina, depois do almoço eu ia para o quarto estudar e ela ia lavar a louça. Quando eu escutava o fechar da torneira era esperar dez minutos e ela vinha. Trancava a porta e começava a sua diversão, dizia que se eu contasse algo ela me mataria. O relho esfolava minhas pernas, lanhava minhas costas, a dor era insuportável e eu procurava em seus olhos algum motivo para aquilo, nunca descobri, mas acho que o barulho do estalar do couro na minha pele era música para seus ouvidos.

10 maio 2009

Jamais

Voltei para casa inconformada. Durante o caminho, segurei o choro e não disse uma palavra. Era um silêncio inquietante, porque na verdade eu tinha muitas coisas a dizer. O discurso estava pronto na minha cabeça: eu teria de escrevê-lo no papel para não esquecer cada linha, vírgula ou ponto final. Nada poderia se perder, pois eu não estava disposta a fazer isso mais de uma vez – embora essa idéia surgisse na minha cabeça todos os dias. Seria uma conversa sem direito de respostas, uma maneira de tirar da garganta tudo o que estava ali guardado há muito tempo. Ao ficar cara a cara com o papel, porém, me dei conta do que estava prestes a fazer. Parei. Eu sabia que quando escrevemos, mesmo que só para nós mesmos, eternizamos momentos. Sempre que quisermos lembrar do que aconteceu, lá estarão as palavrinhas enfileiradas para nos lembrar. E quer saber, sinceramente? Quando o assunto é você, eu prefiro me esquecer.

04 maio 2009

Fritar o iceberg

O ritual era o mesmo: ela entrava na sala, soltava a bolsa em cima da mesa e puxava dela umas folhas desorganizadas de uma forma organizada. No quadro ela colocava o tema da aula. Era sempre assim. Eu nessa hora já estava com os olhos arregalados, o coração oprimido e com um iceberg na barriga. Droga, isso também era sempre assim. A professora de redação não era uma má pessoa. O medo que eu sentia, não vinha dela, mas vinha de encontrar aquela guria cheia de desilusões, angustias, incertezas e expectativas. Eu odiava me sentir assim... Tão humana... Tão vulnerável.

Escrever sempre foi uma dificuldade. Na corrida maluca que acontecia dentro de mim, a coragem sempre chegava em segundo, terceiro... penúltimo lugar. O Mutley não podia fazer coisa alguma, o jeito era pegar a caneta, dar o texto à tapa e escrever qualquer coisa que agradasse a mulher. E isso nunca acontecia... Eu sempre escrevia algo que não tinha fundamento com o tema, sempre falava de tudo e não dizia nada.

Por muito tempo eu achei que não sabia escrever, que não gostava de escrever. Na verdade verdadeira, eu não gostava era de olhar para aquela guria que é igual a todo mundo, aquela guria que é humana, que gosta de churros e vê filme de mulherzinha.

Escrever agora é uma questão de autoconhecimento, de fritar o iceberg que existe dentro de mim. Entrar na sala da minha consciência, soltar a imaginação na mesa e puxar de lá tudo que lá dentro estiver, sem pudor, sem medo, fazer uma catarse de idéias. Escrever agora é uma questão de ser humana e vulnerável às coisas boas da escrita.

Cintia Pavão

gracias totales.

Y cuando el mundo enmudece
y las promesas engañan
nos revolcamos en el jardín por donde nadie pasa
del fuego vino el diluvio
la nave vuelve a partir
y mi alimento son las cenizas de una noche larga.

Os versos intensos eram aqueles que a Moça mais queria desabafar. Ela sentia que as coisas ainda não estavam esclarecidas e que aquilo não poderia continuar para sempre. Se a Moça dirigisse, poderia ela seguir seu(s) caminho(s) pelas ruas caóticas e sujas cantando em voz audível para ela mesma.

No entanto, só o mp3 a confortaria naquele momento, com um punhado de músicas com muita energia de uma banda que fez e teve a sua história. Para a Moça, bastava. Ela ainda não dominava direito as músicas e seus significados (e o espanhol dela não era tão razoável como julgava), mas sua dificuldade não era aprender letras.

(algumas dezenas de horas depois...)

En el comienzo fue un big-bang y fue caliente
revolver, revolver...
sobre los títulos vi caer tu nombre
y reaccioné, reaccioné.

A tal reação da Moça não foi nada feliz. Sempre (?) custará a ela viver como ela vivia no começo big-bang. No entanto, ela entende os motivos e sim, quer que os problemas sejam resolvidos longe dela. O bem e o carinho daquele que mudou muita coisa na vida da Moça são o que ela mais deseja. Nem que seja carinho de amigo, mas enfim, duradouro.

03 maio 2009

E porque não falar dos porcos

Epidemia, pandemia, nível cinco, seis, tanto faz. Eu vejo a música como uma epidemia, uma epidemia que ainda não acabou e que não tem previsão de vacinas nem de antídotos. Essa epidemia que se espalha como espirro dentro de elevador e tosse em sala de aula.
Acredito que no início esse vírus da música começou com alguém que estava cansado do silêncio, que viu e ouviu no som das pequenas coisas algo que podia ser belo. Ouviu o que ainda não tinha som, e transformou-o em melodia. Podia ser triste, feliz, dramática ou qualquer coisa, mas que tinha ritmo. O ritmo podia ser rápido, lento, com batuque, sem batuque, com cordas, sem cordas. Mas melodia, ritmo, algo que mexesse com a alma, que a transformasse, que a enchesse de coisas. Coisas boas, ruins, mas enchesse. Que suprisse certos silêncios, que a tratasse bem. Algo com que pudesse se expressar, para falar de si, das coisas, do mundo, ou só pra falar. Mas falar, transmitir. Assim como o virus, passar de um por um até que todos pudessem compartilhá-la. Essa epidemia que foi crescendo com reagge, rock, pop, indie, grouge e todas as categorias e subcategorias que você pensar, e principalmente, quiser.
E aí fico pensando no que virou a música hoje em dia. Se ela é feita mais para encher a alma ou o bolso de quem a cria. E olha que Guy Debord já falava da tal Sociedade do Espetáculo há tempos atrás. Acho que muito se perdeu nessa modificação do vírus música. Perdeu o que sempre acreditei ser o principal, a expressão das pessoas, e ainda, a intenção destas. Sempre vi a música como forma de expressão, por isso não condeno o funk e essas músicas que tanto fazem sucesso no youtube. Não iremos e talvez, (já explico meu talvez) não podemos comparar Bethoven (e agora ele se revira no túmulo) com "cada um no seu quadrado" em termos técnicos e de conhecimento, mas os dois estão no mesmo patamar (e agora que caiam raios da minha cabeça) na questão da expressão. E é isso que me consola ao ouvir as músicas que tocam nas rádios hoje em dia (na maioria delas), a musiquinha que rima com bonitinha e assim vai. Ambas querem dizer algo. Eu sei que estou pensando positivo, tentando achar alguma coisa útil que possa ser considerada na música "Cada um no seu quadrado" por exemplo, mas as duas queriam falar alguma coisa, se expressar, falar a quem quisesse ouvir, seja em forma de sinfonia muito bem estudada, ou em vídeo-tosco-que-da-ibope no youtube.
Hoje as novas epidemias que surgem semanalmente se baseiam na imagem, nas roupas, acessórios, maquiagens, cabelos esquisitos (e quanto mais esquisitos melhor!), músicas que sejam diferentes, ritmos quebrados, com referência em grandes astros do passado, mas que no fim não tem nada a ver uma coisa com a outra. Na grande maioria é isso, é uma Sociedade do Espetáculo que Debord já falava, é o show mais do que a música (será que Bethoven precisaria de um canal do youtube para se tornar conhecido?).
A conclusão que chego depois desse meu apontamento conturbado, é que os tempos mudaram sim, e as formas de expressões estão muito mais ligadas à imagem, seja ela visual e até sonora, do quanto mais, melhor. Quanto mais justo (falo das calças), quanto mais bizarro (falo dos cabelos), quanto mais barulhento (falo da bateria e das guitarras), quanto mais tecnológico (falo dos efeitos sonoros), quanto mais tudo (falo do esganiçado), mais será vendido, mais será aceito pelos pré e pós adolescentes. Este público que leva uma geração nas costas, que cria ideias, que faz história, e que principalmente, que tanto se expressa.
No fim espero que esta epidemia continue, porque se é mais difícil criar qualquer coisa comparável aos grandes monstros sagrados da música, hoje em dia é mais difícil criar algo que seja diferente, que inove, pois esse é o objetivo das novas bandas que se criam na garagem da tia do vizinho, e que depois caem direto para a internet, inovar, ser diferente, independente do quão ridículo você precisa ser para que isso aconteça. Se antes a música enchia nossa alma pela sua melodia, pelo seu ritmo, que pelo menos hoje ela encha nossa vida com um pouco mais de risos, seja com um vídeo no youtube, seja olhando o vestuário de quem as canta ou seja pela sua criação em si, de uma melodia ritmada com os barulhos de uma nova sociedade do espetáculo.


01 maio 2009

Motivo

Gosto muito daquelas fotografias em que o foco paira apenas sobre um pedacinho, enquanto o mundo inteiro em volta parece estar alheio àquele momento. É como reencontrar um amigo que não vemos há muito tempo, ou finalmente conhecer aquela pessoa por quem sempre esperamos. Nessas horas, o que acontece ao redor não tem importância – o que vale mesmo está ali, muito perto.
Curioso é pensar que, apesar de especiais, estas lembranças acabarão indo embora da nossa memória. Não como fuga, mas como ordem natural da vida. Boas ou ruins, apaixonantes ou enraivecedoras, nossas experiências são como professores: deixam suas lições e se vão...
Por isso escrevo. Para não perder momentos que um dia foram meus, e hoje são do mundo.