30 abril 2011

Minhas sinceras desculpas.

Um desabafo daqueles
que só ficam na mesa de bar.

Ta, eu vou falar a verdade. Te conheci foi por acaso. Na primeira vez que te vi nem te dei bola. Tu tava lá, como sempre esteve, mas sério, não fazia diferença nenhuma na minha vida. Talvez tivesse lá seu valor, mas era sempre figurante de uma ou outra vez passando de passagem. Nunca te quis. É sério.
Mas aí tu resolveu que ia ser mais pra mim. Que ia ficar presente, mesmo sem eu querer ou esperar. Porque afinal, em todas as coisas que eu queria fazer, tu de alguma forma tava lá. Tu acha que não te saquei? Ta, ta. Na verdade no começo não, confesso. Mas depois...
Primeiro chegou como quem não quer nada. Tava ali, só me cuidando. Naquela época, eu ingênua nem reconheci. Desculpa, mas tu não passava de uma desculpinha de férias de inverno. Te via quando ia lá no Iguatemi com o T7 jogar fliperama com meu irmão, muitas vezes no feriado da páscoa. Geralmente minha tia esquecia que sexta-feira-santa-não-se-come-carne e fazia suas pizzas maravilhosas de calabresa. Desculpa mesmo, mas entre uma pizza-maravilhosa-de-calabresa-depois-de-muito-street-fighter-no-fliperama tu não era nada.
Mas depois, né, acho que tu sentiu minha falta. Ou acho que era inevitável que nossa relação começasse a ter um valor a mais. Quer dizer, ter um valor, alguma ligação além de pizzas-de-calabresa e T7s na páscoa. E aí você fez questão de aparecer mesmo, sem delongas. Só de pensar em você me dava calafrios. Medo mesmo. É, confesso, tu me dava medo. Medo e ansiedade. Uma incerteza cretina. Começou aparecendo de vez enquando durante a noite e depois se tornou pensamento constante até o maldito vestibular. E desculpa te falar, mas de novo tu não era a ocasião primeira. Você era pretesto. Tava ali porque tava, não porque eu quis que você tivesse. Mas você não desistiu. Não. Tu foi lá e conseguiu o que queria. Ganhou minha atenção. E quando vi meu nome no listão você se tornou certeza. A minha certeza. Pelo penos a certeza da presença constante.
Tu sabia que eu tive que largar tudo por causa de ti? Tu, toda cheia de si e continuou como se não fosse nada.
Me jogou seu encanto, me mostrou coisas lindas. E bah! tanta coisa que a gente pode fazer juntas, e sempre com a absoluta certeza de quem pode mais. Férias-de-inverno o ano inteiro.
Simplesmente não consegui resistir. Me ganhou. Ganhou de verdade. Prestei atenção em ti. Te saquei. E o que mais me irrita, é que hoje é impossível não gostar de ti. Veio como quem não quer nada e hoje faz parte de tudo que faço. Sempre ali, aqui. Sempre. Faz eu acordar às cinco e meia da madrugada só pra ir te ver. Faz eu pegar um trem lotado de gente com cara de sono só pra ficar contigo. Só pra ser do teu jeito.
Depois da indiferença, do medo, ansiedade, paixão, hoje você ainda me divide. Faz eu ter que optar por Pop Cult ou Laika. Por comida congelada ou arroz-com-carne-e-maionesa-da-mamãe. Por amigos de infância ou colegas fabicanos. Inevitavelmente. Consciente da tua importância.
E o mais foda de tudo isso, é que eu deixo. Tu me ganhou, te falei. Ganhou mesmo. Hoje faço as coisas pra ti e tu ta incluída nos meus planos futuros.
Porto Alegre, me desculpa, mas agora mesmo tu não querendo, sou eu que não vou mais te deixar.

29 abril 2011

[casa]

Está-se. Um lugar. Fechado, protegido, resguardado dos males do mundo exterior. Os males? Não há intervenção. Incomodação. Apenas se está. Deitado. Lendo. Um filme. Escrevendo. O telhado. Olhando pela janela. O pátio. O imaginário, as memórias, o passado, a presença de tudo solta no ar: em qualquer lugar, a qualquer hora. O melhor lugar para dormir e o lugar onde se tem insônia. É um lar. Mas já não é mais. Ainda é? E a vida. Mas a vida já não está mais lá. Ainda está? Uma casa é um paradoxo. No ar. Tudo no ar. Saudade. Saudade? Muita. Não. Sim. Tudo. Junto.
Lar. Doce lar. Doce? Lar?
Lar, doce lar.

26 abril 2011

Porto Alegre, 21 de abril de 2011, Mundo

Linha T1 Direta, sentido Sul/Norte.

Louco, preto, fedorento e esfarrapado, entra no ônibus e passa por baixo da roleta.

Cobrador, funcionário, branco, uniformizado, tenta impedir com gritos e pontapés.

Ônibus para.

Motorista, macho, branco, cabelo penteado, agarra o louco fedido pelo braço e força sua saída.

Todos calados.

Menos o louco e o motorista.

E a senhora, que se levanta dizendo que tal atitude era desumana.

E o cobrador, respondendo que desumanos são os passageiros que ligam para as empresas de ônibus reclamando que pessoas mal cheirosas têm entrada livre e gratuita nos coletivos da cidade. Que desumano era como o chefe dele dava esporro após as ligações. Que desumano é o sistema que os obriga a viver aquela situação. Sistema que criou o louco, que criou o chefe, que criou a obrigação.

Todos calados.

Menos o louco.

25 abril 2011

Minhas casas

Quando conheço alguém, aquele alguém que fico no mínimo 3hs conversando, é certo que, em algum momento, vou imaginar o interior do lugar em que a pessoa vive. Não sei desde quando tenho isso, mas já faz parte de mim.

Para uma pessoa muito alegre, viva, imaginei uma casa de dois andares, bem arejada e cheia de barulho: música, pessoas conversando, bichos de estimação de um lado para o outro.

Para outra, metódica e rotineira, imaginei as paredes brancas, o piso feito de lage (também branca), e todas as coisas em seus devidos lugares: livros em uma estante organizada, sofás milimetricamente alinhados.

Para uma terceira pessoa, que era expansiva e gostava de chamar a atenção, imaginei apenas seu quarto: um cômodo grande, com escrivaninha e armário, e paredes de cores diferentes do branco. Uma cama de casal até.

Há ainda aqueles que eu não consigo ter certeza de como seriam suas casas, pela complexidade de cada um.

O engraçado é que a imaginação e a realidade coincidiram uma ou duas vezes. Nas outras, achava tão estranho que a verdadeira casa não fosse a que eu tinha imaginado, porque...era tão dela! Aquele era o lugar perfeito para aquela pessoa, como se ela merecesse aquilo.

Hoje, acho que o que eu vejo é a casa que cada um é. Acolhedora ou organizada ou clara ou escura ou quieta ou barulhenta. Ou nada disso. As casas surgem daquilo que cada um me transmite.

Daí fico me perguntando: que casa os outros vêem em mim?

Um portinho alegre

Depois de dias, ou meses, em alto-mar, aquela era a primeira visão que tinham da nova vida: um portinho simples, feito de madeira, que ia ao largo de uma parte da costa. Com seus barquinhos de papel e seus barcões de metal, e as tralhas e parafernalhas típicas desse lugar. O que mais chamava a atenção eram as pessoas. Andavam de um lado para o outro, uns descarregando, outros carregando, muitos na feira (era uma linda manhã de sol). Cada um sendo único, mas todos com o mesmo sorriso alegre, como se da mesma família.

Um lugar acolhedor.

20 abril 2011

Minha Casa

Fora, as pessoas se perguntam: "— Aqueles vultos que vemos, são os móveis da casa?" Não acreditam na idéia de haver uma casa onde não haja móveis. Com suposições confusas, definem que os vultos que vêem, é todo o tipo de móvel que uma casa deve ter. No cantinho é o sofá, mais ao fundo é a cadeira. "­— Ah que graça de quadro!" Eles falam. Belo espelho, e tapetinho simpático. Outros gostam bastante dos azulejos ganhos em alguma festividade cristã. Lá dentro guarda seu guarda-roupa e sua sapateira. Também, sua mesa e sua cama. Tudo que é visto de fora não passa de vulto. Formas que parecem outras formas. As pessoas não conseguem ver não-formas. Elas têm e precisam ver formas. Definidas. Nítidas. Não surpreende saber que esse ar de mistério é explicado de maneira tão banal. Ao invés de irem atrás do que se esconde atrás das cortinas, elas se contentam em iludir-se criando falsas respostas, julgamentos precipitados.

É difícil organizar a minha casa. Os bilhetinhos de anotação estão espalhados por todos os cantos. As louças sim ficam guardadas. Afinal de contas essas ferramentas são muito uteis no dia-a-dia. Assim como a escova de dente. Manter o sorriso falso é cansativo, mas tem que estar em bom estado para funcionar. Afora isso, todo o resto é desorganizado. A parte divertida é que só eu entendo essa desorganização. Antes não passava de suposição, mas se até hoje ninguém conseguiu compreender como funciona a organização da minha casa, sem eu ter que ficar constantemente explicando, logo, tenho a certeza que essa desorganização só eu entendo. Após entrarem, e aprenderem como a organizo, é que as pessoas confortam-se como se estivessem no seu próprio lar.

Aquele breu aparente do lado de fora é triste. Elas desconhecem as paredes coloridas da minha casa. Por exemplo, no meu quarto as paredes são verdes. Verde cor de praia limpa. A sala tem as paredes bege claro e roxo. O branco não é bom porque o inquilino já é meio branco, daí ofusca os olhos e os corações. O banheiro tem uma cor que agora eu não consigo lembrar o nome. O importante que ela é sim, colorida. Gosto de saber que as pessoas de fora não captam essas tonalidades, só os que entram na minha casa. Descobrem de forma muito surpreendente que tem cores muito bonitas dentro. Diferente do que se achava. Mas nunca digo a história destas paredes. Cores, essas, que foram pintadas com o suor, sangue e lágrimas de minha vida toda.

Apenas por esse singelo motivo que, para os passantes e os velocistas, é impossível que na minha casa haja móveis e tampouco aquelas paredes colorê. Não é difícil acreditar que mesmo vizinhos próximos achem minha casa feia. Não... De forma alguma eu culpo os lixeiros, nem os carteiros. Nem os entregadores de gás ou as gatas e ratos e raposas, crianças e velhos ou serviçais. Jamais. Para eles minha casa sempre será feia. Não tenho motivos para me importar com essas opiniões. Meus amigos todos já entraram na minha casa simpática e singela. Eu sei que em suas mentes e seus corações, minha casinha sempre será aconchegante, e muito bonita. Até as cores e móveis, mesmo sendo estranhos e incongruentes, tendo uma beleza exótica, são um dos lugares do mundo em que eles gostam de estar. Isso me ruboriza e fascina.

Onde se encontra a minha casinha? Não que seja fácil encontrar, mas se quiserem saber eu digo. Na avenida do espaço, na rua do universo, condomínio liberdade, apartamento 812, caixa postal atemporal. Ela existe em um lugar de difícil acesso, que nunca é lembrado. Onde não tem crianças brincando ainda, mas um dia terá. E um dia também será tombada pela inevitável entropia. Diz ela, que tudo se quebra para ser construído novamente de forma mais forte (resistente).

Podem até não gostar, mas os inquilinos gostam. O tempo todo eles fazem festa. E sempre me incomodando. Só dão trabalho esses bobos. Apesar de que, algumas vezes, já vi um deles bem triste ouvindo Bon Jovi outro dia. Ainda assim, a parte que mais intriga é que moro sozinho. Afinal, quem, além da minha alma e dos meus sentimentos, conseguiria conviver comigo?

Minha casa é meu abrigo. Meu castelo, meu domínio. É a fronteira do infinito. Impõe-se no tempo presente. Num lugar que é bonito, até o vento, me é contente. 

Minha casa é minha vida. Minha mente.


16 abril 2011

Carrego Porto Alegre em mim

E espera repousar
E no fundo que eu diga sim
Porém não vou dizer assim
Queria mas não posso falar
Mais por não ter um certo lar
Mas ninguém tem efetivamente um lar...
Só o mesmo céu e as estrelas
E como eu queria que Porto Alegre em mim crescesse
E como eu queria que eu crescesse...
No fundo só um menino desejando brincar
E dançar nas ruas da pequena Capital
Tudo teatral e melodrama
Todos choram. Todos amorosos e simpáticos
Como se Deusinho desatasse o bom-humor
E como gosto de pessoas e sua dor
Às vezes dá vontade do abraço
Só pra carregar a Porto Alegre no meu peito
Tristeza é longe e a razão parece mais
Hoje não represento mais o "eu". Hoje sou todos
Sou a Capital e todas as suas luzes
A piada boba, o namoro na TV
O casal no parque, a velha chorando no cinema
Hoje sou ninguém
Posto isso sou todos
Só posso escrever pra desinchar
E verter de mim as pessoas que me fazem
E como eu queria que as pessoas desfizessem
O mal que as atormenta até o final
No fundo só esperam que eu diga o sim
E eu queria dizer sim...
Queria mas não tenho um certo lar...

porto-alegrense

Moro numa casa sem janelas.
Morto numa casa sem janelas.
Janelas numa casa de mortos.
Moro numa casa de mortos.
Com janelas.
Até aqui a gente já se perdeu.
Trocaram os caminhos.
Cidades duas.
Duas cidades.
Você não é o mesmo. Morreu ao longo do caminho.
"É como aquela música dos Titãs, eu sou de lugar nenhum."
Bem-vindo à casa.

14 abril 2011

vou-me embora

vou-me embora desta casa.
te enrolei por muito tempo.
me menti por mais ainda.
aqui não sou de verdade.
não assumo opinião.
não alimento as vontades.
vivo a esfregar teu chão.
vou-me embora deste vício.
sem moral e compaixão.
fiz de tudo que é errado.
me tornei um belo cagão.
vou-me embora pra me achar.
e não me perder jamais.
vou-me embora pra Porto Alegre.
e lá pretendo ter paz.

outono

acorda
esfria
chove
chora
molha
empoça
enlameia
venta
seca
descabela
rebela
reinventa
levanta
encanta
dança
ilumina
esquenta
ameniza
alivia
suspira
sorri
e sonha
antes de dormir.


(Meu coração é Porto Alegre)

12 abril 2011

Despretencioso

[Contextualizando:

- Isso foi criado (mesmo!) dentro de um ônibus. Inspirado em momentos antes, ainda na parada de ônibus. Numa sexta-feira chuviscosa. Pouco após meio-dia. A parada fica perto de uma escola, e algumas crianças ainda estavam ali, tomando chuvisco na mente, à toa. Afinal, era sexta-feira. E eis...que no meio da parada...Um senhor, muito parecido com aqueles peruanos que aparecem no meio do centro da cidade para apresentar as músicas de sua cultura. Mas, esse homem tinha estilo. Cabelo rabo-de-cavalo...e uma viola. De nylon. À tira-colo. Quando cheguei, ele estava tocando, despretensiosamente. E eu, muito admirado como sempre com os artistas de rua e principalmente com quem faz musica, fixei o olhar e curti o som. Fiquei do lado dele. Entre um dedilhado e outro... Ele começou a tocar o clássico do Dire Straits: "Sultans Of Swing". E comecei a viajar na vibe do cara... Á minha frente, pessoas... Transeuntes despretensiosos fugidios à chuva com seus guarda-chuvas. Mais à frente, o movimento caótico dos ônibus e carros. Ainda mais à frente... As gotas de chuva. E tudo isso numa paisagem cor de chumbo das nuvens... Ahhh, e o som... E eu viajando... Pensando na cidade... Olhando as gurias (tão... mas tão lindinhas) passando pra cá e pra lá... Pensando em como Porto Alegre é encantadora. Despretensiosamente, encantadora.]


Mas é nessa poesia que resguardo
A beleza da cidade
Que faz as vezes de um quadro
No olhar vívido, da multiplicidade

Onde cantam alegrias
Que a memória i'nda guarda
N'um bocó de poesias
Construída em cada quadra

A caneta que não cansa,
No papel que quase acaba.
Onde faz juras de lembrança,
E não para de mima-la

Neste ônibus tardio
o violeiro se despede,
Num dedilhar que não se mede,
E desse som que me arrepio.

Meu chão

Corta meus pulsos. Me atira no inferno, me tira do abismo. Consome meu fogo, queima minhas mentiras, corrói por dentro e por fora. Faz da aversão confusão de contato: me toca, me bate, me beija. Faz disso teu único resgate, minha única saída. Queira isso tanto quanto eu. Me precisa. Me diga não. Esclarece essa linha difusa, me passa as coordenadas, as trilhas, me atropele como um trem. Só não esquece de me dar a mão, de me segurar no momento mais triste, mais tenso, na dor mais profunda. Segura minha mão. Pode fazer o que quiser comigo: mendigo, cachorro, vão, ilusão, fim de semana... Só me dá a mão quando eu não encontrar mais nada além desse maldito chão que não treme, que não muda, que não diz nada.
O barulho do tráfego dos carros não me deixa dormir;
A iluminação pública que entra pela janela do meu quarto não me deixa dormir;
Pilhas de trabalhos da faculdade, esperando serem concluídos, não me deixam dormir;
A ansiedade pela espera do dia seguinte, em que vou rever meus amigos, não me deixa dormir;
As gritarias e risadas dos bêbados dos bares às noites de sábado não me deixam dormir;
A emoção despertada pela peça de teatro assistida na Redenção no último domingo não me deixa dormir;
O violão e as cantorias desafinadas nas quintas-feiras não deixam os meus vizinhos dormir;
A minha cabeça girando, efeito da última bebedeira com os amigos, não me deixa dormir.

A Porto alegre, que nunca me cansa, não me deixa dormir.

07 abril 2011

Bailarina

A gente se enlaça
Nas costas dessa vida
Do tempo ao avesso
Baila que nem lamparina
Da mulher que eu quis
E do homem que amei
E costura nostalgia em vasilhas
Bailarina corre por essas ruas
E se alonga nesses parques
E espera que seja sempre assim
E eu quero que seja sempre assim...
Essa lembrança fresca de domingo chuva
Um boteco boêmio, meu amor...
Gente triste, senhor...
E nossos corações ardentes ao caminhar
Comendo e suspirando as epifanias
De uma cousa toda cheia de pombas...
E risos de tanto vender
Repousar em Porto Alegre
Dores de outros passos...
Tudo é tão doente e dolorido.

Júlia Fraguas