01 janeiro 2011

Um programa sobre o Rei Artur

A idéia brilhante ocorreu a ela depois de horas de reunião em seu estágio, em uma emissora de TV. As palavras saíam sem controle de sua caneta - já que ela não poderia falar antes de seus superiores, durante a reunião. Há tempos já não conseguia mais prestar atenção nas palavras dos chefes, porque a última música do MC Keine não parava de repetir em sua mente.

A cacofonia "revolta volátil, revoltavolátil, revol tavola til" na letra do funk a fez lembrar da távola famosa, que reavivou as mémórias de Merlin, Uther, Igraine, Morgana, Guinevere e do Rei Artur.

A idéia de um programa de TV novo, com uma visão menos idolatrada do primeiro Rei celta e sua corte era exatamente o que ela e seus colegas queriam produzir. Libertar sua mãe, suas avós, tias, amigas do martírio das novelas era um sonho de infância.

O alto orçamento, a falta de profissionais e a preguiça tornariam o projeto impossível - ao menos até que as verbas da TV da universidade fossem aumentadas e os chefes responsáveis pelas reuniões intermináveis fossem demitidos.

Adolf Hitler estava sentado no trem em direção a Berlim, onde se encontraria com seus companheiros do Partido Socialista dos Trabalhadores Alemães – NAZI. Fazia pouco tempo que engressara ao partido, mas já sentia que a ele pertencia há anos. Ali, descobrira que seu dom estava na fala - gostava de discursar nos comícios - e não no desenho, ou mais especificamente na arquitetura, como até então acreditava. Começou a aceitar essa idéia e isso fazia com que se conformasse com a atual reprovação no exame da Academia de Belas Artes. Esse era seu novo fascínio e era nisso que pensava quando algo lhe despertou.

Era mais uma manhã em que os trabalhadores amontoavam-se dentro dos vagões para se deslocar até as fábricas. No meio da multidão, um homem pedia passagem para as pessoas tentando chegar até a porta do trem antes que ela fechasse. As pessoas, mal-humoradas, trancavam o caminho do rapaz e, ao vê-lo de perfil, Hitler percebeu que o conhecia. Era Rudolf, o vizinho da casa ao lado onde crescera. Ao reconhecê-lo, Adolf quase gritou alto para que não abrissem caminho àquele judeu. Mas não faria isso, era homem de poucas palavras, falava apenas quando necessário e sabia que este ainda não era o momento.



o senhor da revelação

O senhor Fidel Castro, líder da Revolução Cubana, teve de adiar em duas semanas seu encontro com o presidente Lula em razão de "compromissos mais urgentes", nas palavras dele próprio. Homem de poucas palavras, Fidel fez mistério sobre seus motivos. Houve enorme especulação. Jornais, rádios e emissoras de TV de Cuba e do Brasil apontaram inúmeras hipóteses: Fidel estaria em viagem romântica com uma amante incógnita, em um encontro confidencial com o Papa, teria dito a seus assessores que Lula é um chato e que adiassem o encontro o mais que pudessem, estaria envolvido com a campanha da coleção primavera/verão de uma rede de lojas de Cuba ou ainda que teria formado uma banda com o irmão Raul e estaria viagando em turnê. Muito se disse, mas nada foi confirmado. Nenhuma informação vazou das entranhas cubanas. Quando o encontro finalmente aconteceu, Lula não agüentou a curiosidade - e o mundo ficou sabendo, pasmo, que Fidel adiou seu encontro com o presidente do Brasil por causa de suas aulas de fotografia. "Era o dia de revelação no laboratório", justificou ele. E continuou: "Até o início da revolução em Cuba foi adiado porque eu machuquei o dedo e tive que ir fazer um curativo. Não sei porque esse barulho todo agora."

Inocência tinha cinco anos. Aquela idade curiosa, em que se quer saber de tudo, em que sempre se quer mais, em que sempre se espera mais. Inocência ainda não sabia ler, não tinha livros, mas queria uma história todas as noites. Os pais se lamentavam. Não compravam livros, a menina nem sabia ler, mas tinham que inventar ou lembrar uma história todo dia, sempre uma novela na hora de dormir. Pinóquio, Chapeuzinho Vermelho, Cinderela, Cavalo Baio, aquela coisa. E estava ela lá, mais uma vez, esperando a historinha com aquela carinha de criança. De criança cheia de expectativas. Tinha sido um dia longo, cansativo. Problemas pra resolver, contratos pra assinar e as pessoas para atender. O pai estava estressado. Queria dormir.

“Pai, me conta uma história!”, soou a voz de Inocência.

“Conta, conta, conta, conta”, quando ele apareceu à porta do quarto de paredes lilás.

“Era uma vez uma menina muito esperta e curiosa. Mas ela incomodou quem não devia, quando não devia e então o velho do saco a levou para bem longe.”

“E aí pai, e depois? O que aconteceu?”

“Nada. Esse é o final, Inocência.”

Juliana e Priscila

- Ó gentil cavaleiro que tão sublime e perigosa descoberta me provocastes. Teu suor e sangue me despertam compaixão, tua valentia...

- Ó generosa donzela, acaso não sabeis que o que sentis em nada se assemelha a compaixão? De minha parte ao menos posso dizer-te, eu que só tenho causado dor e sofrimento, que só sei causar a morte, cavaleiro negro sem crença nem rei, vejo nascer por ti devoção sem par.

- Tua coragem me causa arrepio, tua espada afiada destrói famílias assim como meu coração. Só viverei mais um dia se te puder ensinar a amar.

- Minha vida é matar, mas teus olhos me fizeram descobrir a esperança de uma vida onde a armadura seja o carinho de uma família e a espada seja a força da paixão.

- Vais então dizer-me estas palavras tão belas, dar-me esperança, alimentar um sentimento que a tanto custo tento abafar, mas que resiste a pleno e já me sufoca. Oh! Não faças isso, que me contento com a solidão da vida, te vendo partir a cada nova batalha, sofrendo calada, morrendo um pouco a cada vez que recebo notícias da frente de batalha.

- Teu rosto não me sai do pensamento. Tua boca molhada vive a aparecer nos mais inesperados momentos. Sinto o peso do aço nas mãos e o quente do sangue no peito. Sonhei tanto com o dia em que os campos de batalha fossem distantes, mas hei de morrer sonhando. E morrer sonhando contigo. Pensei numa casa florida. Pensei em meninas de saias e em teu cheiro de flor do campo. Receio que isso fique no ar. Pois meu corpo não mais padecerá. Mas meu espírito por ti esperará.

Bibiana e Patrícia

Duelo Platino

Havia luta. Uma luta apaixonada.

Vejo as roupas deles empapadas de sangue.

Havia amor. Um amor raivoso.

Vejo as roupas deles empapadas de suor.

Cada golpe deixa marcas. Marcas no corpo, na carne do inimigo.

Quem é o inimigo? Não sei.

Os olhares curiosos não tomam partido.

Ele sente o último ataque, de joelhos pede um beijo.

Ela aceita o contragolpe.

Enfim, no tango, venceram. O duelo contra o próprio medo.

Said e Avelino

Este assento número 12 nunca me deu sorte mesmo. Se bem que esta paisagem de mato rasteiro sempre me lembra das tardes de infância no interior. Naquela época não tínhamos preocupações. Nossas tardes eram preenchidas com aventuras, nossa curiosidade nos permitia explorar o campo. Eu e meus primos adorávamos brincar de empinar pipa. A pipa da Dorotéia era a canarinho e o Fred sempre achava que a dele era mais bonita. Era mentira, a minha era a o “Grande Dragão Vermelho” cortando o céu azul.

A melhor parte das tardes era quando desbravávamos o celeiro. Já tínhamos encontrado vários objetos esquisitos no feno dos cavalos, porém nunca algo como naquele dia.

A vovó, como sempre, já estava fazendo o bolo de fubá, e o cheiro de café tão convidativo nos chamava a adentrar a casa e provar um pedaço do delicioso bolo.

Naquele dia, tardamos a entrar. O que estava por entre o feno foi algo fora do comum. Ali jazia um corpo nu com um machado cravado no crânio.

Daniela e Marcelo

Hoje é o meu dia, mas à noite eu quase não dormi. Imaginava elas vindo, com seus corpos vermelhos, desejando a minha carne e o meu espírito. Só assim eu posso ser um homem. Imaginava também como seria o contato da minha pele com elas, as sensações que subiriam pela minha espinha, até eu ficar anestesiado. Tremia só de pensar. Mas então eu lembrava que todo homem deve passar por isso, e que comigo não ia ser diferente.

A festa começou com a fogueira que foi acesa assim que o sol, aquela mancha sangrenta no horizonte, se pôs. Os outros homens me olhavam desafiadoramente. E elas já estavam lá também, inquietas, mas vigilantes. Os seus movimentos eram compassados pela batida do tambor. Ninguém era inocente ali. Todos sabiam o que tinha que ser feito. Confesso que senti medo, mesmo tendo sempre esperado por isso. Medo daquele tipo quando a serpente te espreita, o momento que antecede o bote, quando tudo fica quieto e parado, suspenso no ar, é inevitável e você sabe disso. Que acabe logo então! Que eu seja entregue a elas!

As saúvas, o sangue, a dor.

Agora não sou mais criança.

Natascha e Alessandra