18 dezembro 2009

história sob um ângulo incomum

Oi! Eu sou um objeto inanimado e vou contar uma história louca. É, louca, tipo as histórias de um tal Clube da Escrita que tem na Fabico. Parece que mudou o nome, agora é Chá das Cinco. Volta e meia, eu observo os registros feitos na parede, com giz e canetas coloridas. O Chá/Clube é um deles, no meio de tantos outros que minha memória de objeto inanimado não deixa lembrar.
Eu observo as paredes riscadas, veja bem, quando eu posso e quando o ângulo é favorável. Sempre que querem me usar, me colocam de costas para a entrada principal do Diretório. Acho isso meio chato. O pior mesmo é o que fazem comigo depois, mas essa situação já tem tanto tempo que o mais sensato seria eu me acostumar a essa situação.
Sou branca e tenho várias irmãs, coloridonas. É, acho que agora me entreguei. Sou uma bola de sinuca, a que sempre é usada primeiro para tacar e espalhar as outras. Meio chata essa vida, mas pelo menos os humanos se divertem. Acho até que eles se divertem mais quando aprontam comigo, quando me encaçapam por acidente ou quando me atiram com o taco pra fora da mesa. Não entendo como fazem isso, a Física deve explicar. Ou não...
Apesar de tudo, não posso reclamar, porque meu "lar", eu e minhas irmãs somos elementos importantes naquela sala. Tem horas em que ficamos em paz, amontoadinhas naquelas espécies de redes que ficam nos cantos. Mas, quando entramos em ação, é legal porque parece ser sempre um momento alegre, de conversas e risadas.
Creio que ninguém nunca tenha me perdido por algum momento naquela sala. Pelo que eu observo na área verde, ninguém perdeu ainda minhas irmãs. Elas têm números... Dizem as regras que cada jogador (ou dupla de jogadores) deve encaçapar apenas as pares, enquanto o(s) adversário(s) encaçapa(m) as ímpares, ou vice-versa. Se não me confundi, deve ser isso. Enfim...
Eu vivo quase que totalmente no meu mundinho, não sei dizer ao certo se existem outras coisas inanimadas que são perdidas todos os dias naquela sala enorme e colorida. Quanto aos humanos, acho que todos eles são meio perdidos, dentro e fora do Dacom. Não tem problema. Certamente eles se encontram lá na mesa marrom e verde, de alguma forma.

Saudade:

aquele sentimento que, por mais que ele não se manifeste, estará ali, incansável, escondido e pronto a nos invadir em um momento de distração.

Etapas

Sonha. Idealiza. Planeja. Junta dinheiro. Faz uma varredura por sites de imobiliárias. Faz contatos. Prepara-se para encarar a enorme burocracia. Assina a papelada. Aguarda a liberação. Moradia nova.
Pesquisa mais, agora em sites de lojas de móveis e eletrodomésticos. Trena em mãos, verifica medidas e decide a mobília. Mais gastos, sempre eles. Pessoas desconhecidas montando coisas.
Analisa contas - o salário vai dar conta de condomínio, luz, água, gás? Lista de compras. Aventuras e desventuras na cozinha, árduas limpezas, insetos non-gratos.
O canto próprio, que tanta gente demora pra conquistar... E existem os que conquistam sozinhos, de forma independente, depois de tantos sacrifícios.
Pode parecer que não, mas enfrentar tamanha disposição e tamanho estresse requer coragem, muita coragem.

13 dezembro 2009

Disfarce

Paulo era um viciado em adrenalina desde garoto. Começou a andar de skate ainda pequeno. Com 10 anos ele já fazia as manobras mais arriscadas, e com 13 as rampas de seis metros já estavam perdendo a graça.
Na adolescência começou a surfar, mas não surfava em qualquer praia, queria as maiores ondas, e viajou o mundo inteiro atrás delas. Uma vez ele chegou a ir para o hospital, tinha ficado três minutos submerso e estava inconsciente. Voltou a surfar uma semana depois de receber alta.
Praticava todos os tipos de esportes radicais, pulava de pára-quedas em um fim de semana e de bungee jump no outro. Durante a semana ele dava aulas de vôo com asa-delta, até trocar de emprego porque esse já tinha ficado monótono.
E não parava por aí, ele também adorava animais perigosos. Alimentou tubarões na Austrália e adorou a temporada que passou na África cuidando de guepardos e leões. Seu animal de estimação era uma sucuri de quatro metros, que dormia ao lado de sua cama.
Paulo era famoso, principalmente graças às suas façanhas como pular das cataratas do Iguaçu em um barril. Alguns o chamavam de doido, outros de corajoso, e muitos não se importavam. Um dia um repórter lhe perguntou:
-Qual a sensação de fazer tudo isso?
-É maravilhoso, eu me sinto livre!
-E você não tem medo?
-Não.
Foi aí que um dia, inesperadamente, ele morreu. Os jornais sensacionalistas publicaram a manchete no dia seguinte: Paulo ficou preso em um elevador que enguiçou e teve um ataque cardíaco fulminante. Era claustrofóbico.
A coragem é o melhor disfarce do verdadeiro medo.

Frio

Respirou fundo. Sentiu o ar frio entrar pelo nariz, passar pela garganta e alargar suas costelas, enchendo os pulmões.
Respirava fundo todas as vezes agora, esperando para ver quando seria seu último suspiro.
Em seguida sentiu o ar quente saindo pela boca, esvaziando o seu corpo, levando o calor que lhe restava nas entranhas.
Olhou para o lado, viu o pote. A vista já estava embaçada. Quantas tinha tomado? 10? 20? 30 cápsulas? Desistiu de lembrar-se, o importante é que tomara o suficiente.
Olhou para a janela, o sol machucou seus olhos, mas continuou olhando pra fora, para toda a imensidão que não veria novamente. A neve caía lenta, calma, tranqüila...
Respirou novamente, o frio ficava mais intenso, sentiu um calafrio, começava pelas costas das mãos, subia os braços e as costas ao mesmo tempo, até a nuca. Tremia. Temia.
As manchas de tinta em suas mãos, de cada uma das cartas escritas. Cada uma era uma tentativa de explicar o que todos considerariam inexplicável.
Alguns flocos de neve entraram pela janela aberta. Tentou tocá-los, mas a vista embaçada não lhe permitiu.
Mais uma lufada de ar frio invadiu seu quarto e em seguida seus pulmões, mais um arrepio, e mais uma expiração quente levando um pouco de alma.
Sentia dor de cabeça agora, tontura. Ficou feliz, era um sinal de que tinha feito tudo certo.
Acomodou-se melhor na cama, puxou o cobertor, o frio agora era insuportável. Sentia que estava congelando de dentro para fora.
Respirou fundo novamente, com todas as forças, buscava ar, mesmo que fosse o ar gelado e cortante daquele inverno. Encheu os pulmões, alargou as costelas e expirou o que lhe sobrava de ar quente daquele corpo, da sua alma.
Enfim, o último suspiro.

De onde vem o Fofão?

-Odeio quando São Pedro tem mijadeira!!
-Sua delicadeza e finura me comovem Frederico...
Já era sete da noite, e a chuva que tinha começado às 4 horas ainda não havia dado trégua. Frederico, Pafúncia, Francisco Eduardo, Carlotina e Adamastor estavam presos na FABICO, mais precisamente no DACOM.
Frederico, Carlotina e Francisco Eduardo estavam terminando a partida de sinuca. Adamastor e Pafúncia estavam fofoc... digo, discutindo sobre um dos momentos de confraternização da faculdade.
-HÁ!!! Podem me idolatrar agora!! Ganhei dos dois!! – Frederico tinha acabado de ganhar na sinuca.
- Bah, desculpa Francisco Eduardo... – desculpou-se Carlotina.
- Nem esquenta, eu não joguei muito bem, não foi culpa tua - respondeu Francisco Eduardo, que culpava Carlotina e achava que teria sido melhor se tivesse jogado sozinho.
Adamastor então perguntou:
-Gente, vocês sabem qual é a história do Fofão?
-Como assim Adamastor? – perguntou Pafúncia
-Sei lá, de onde ele veio, por exemplo? Quando chegou a Fabico? Como eram suas mãos?
-Bom... Ele devia ser de alguma loja né? Manequim só se encontra em loja – Filosofou Carlotina.
- Ou ele surgiu numa noite fria e chuvosa, aparecendo na porta da frente da FABICO, como uma lembrança de nossos vetepassados! – Fantasiou Francisco Eduardo.
- Para com isso Francisco Eduardo, até parece! - Chiou Pafúncia
E a luz caiu na FABICO! O grito de Pafúncia e Carlotina ecoou nos corredores, só não foi mais alto que o de Frederico e Francisco Eduardo. Um breu absoluto se instalou ali, com o luar coberto pelas espessas nuvens do temporal. Até que Adamastor acendeu uma vela.
-Por que tu tinha uma vela na mochila? – Desconfiou Carlotina.
- São os mistérios da vida... – Respondeu Adamastor, que às vezes fazia macumbas.
-Tomara que fique assim até amanhã, pra não ter aula... – Comemorou Francisco Eduardo
- E como a gente vai pra casa sabichão? – Ironizou Pafúncia
- Que saco! Eu tenho que terminar um trabalho pra amanhã! – preocupou-se Frederico, que tinha que começar um trabalho para amanhã.
De repente um vento forte e frio invadiu o DACOM, os cinco se aproximaram, assustados, e a luz voltou em seguida.
-O FOFÃO SUMIU!! – Gritou Francisco Eduardo
- Como sumiu, ele deve ter caído em algum lugar com aquele vento – respondeu Pafúncia.
Procuraram por todos os cantos, e nem sinal do Fofão, foi então que Adamastor encontrou uma mensagem no lugar onde estava Fofão antes:
“B-I-S-C-O-I-T-O, menos quatro sobra ..........”
-Como assim? – Assustou-se Pafúncia
- Sobra oito!! Tira o B-I-S-C, sobra oito!
-Será que tem a ver com o oitavo andar? – Indagou Carlotina
Os cinco sabiam que era para lá que deveriam ir, mas nenhum tinha coragem de dar o primeiro passo. Até que Adamastor decidiu que não iria mais ficar ali, e resolveu chamar o elevador. Quando a porta se abriu perguntou quem mais iria com ele, e um a um, todos entraram. Apertaram o botão do oitavo andar.
Quando passou do quinto andar o elevador começou a tremer, e quando finalmente chegou ao oitavo começou a subir e descer rapidamente!!
-O QUE TÁ ACONTECENDO? – Gritou Frederico
-AI MEU SÃO CRISPIM, EU JURO QUE NUNCA MAIS TE DOU FAROFA VENCIDA!!! – prometeu Adamastor
-EU SABIA QUE FAZER COMUNICAÇÃO ACABARIA COM A MINHA VIDA!! MAS NÃO PENSEI QUE SERIA TÃO CEDOOOO!!! – desabafou Pafúncia
Francisco Eduardo sentou e chorou, e Carlotina tentava parar o elevador de qualquer jeito, mas não conseguiu...
Era mais uma manhã calma no dia seguinte, e todos comentavam sobre a chuva que tinha feito o elevador entrar em pane na noite anterior. A FABICO tinha sido o único lugar onde a luz havia acabado.
Quando chegaram ao DACOM os estudantes repararam que o Fofão não estava no seu lugar de sempre:
-Que bizarro! Quem será que pôs o Fofão em cima da mesa de sinuca? – Estranhou Clementina
-Sei lá, vamos tirar ele daí logo. Ah! Eu não consegui encontrar o Frederico hoje, tu viu ele por aí? – Disse Astrogildo.
-Não, a última vez que eu o vi foi ontem à tarde... Por quê?
-Nada não, é que eu tava fazendo um trabalho com ele. – Respondeu Astrogildo, que deixou pro Frederico fazer o trabalho deles.
Os dois colocaram o Fofão no lugar.
- Parece que os olhos do Fofão estão diferentes, mais brilhantes... – Observou Clementina.
- É coisa da tua cabeça Clementina. Vamos logo que eu tenho que achar o Frederico.
E os dois foram embora. Fofão estava no seu lugar de novo, com um estranho brilho no olhar, como se estivesse só esperando. Esperando pela próxima tempestade.

Surpreendo

Para o Governo: no RS:2053739773 em MT: 2012378-7. Para a UFRGS: 180765. Para minha mãe: bibi. Para o meu pai: baixinha. Para minha irmã: Cíntinha. Para minhas amigas: cici (ocasionalmente ci).
Sou indecisa, ansiosa, sempre acho que vai dar alguma coisa errada. Rio das piadas mais xexelentas (o que um tomate disse pro outro?) até as tiradas irônicas que quase ninguém entende. Aprendi a me adaptar desde cedo às situações e lugares diferentes. Costumo surpreender as pessoas, porque todos têm uma tendência a pressupor coisas ao meu respeito, talvez pelo meu tamanho, pela minha voz, pelo meu jeito. Sou forte com aquilo que seria normal eu ser fraca, e sou fraca nos momentos em que seria fácil ser forte. Pro bem ou pro mal, surpreendo.
Esses dias recebi um e-mail da minha tia, sobre o carro que eu deveria ter, que resume bem a situação: “Eu te vejo saindo, de salto, batom e seda, de um imundo e insuspeitável Jipe”.

EFRICA

A EFRICA era uma feira que acontecia em Passo Fundo todos os anos. Tinha lojas, exposições, animais, e o que mais me interessava em 1994: brinquedos!
Fomos bem felizes eu, meus pais, e minha irmã. Tudo muito bem, tudo muito bom, até que eu resolvi que queria ir num brinquedo (se não me engano um carrossel). Meus pais falaram que iríamos ali mais tarde e seguimos em frente. Mas eu não desisti da idéia, e com toda a independência e impetuosidade dos meus três aninhos de idade fui sozinha. Aproveitei um momento em que eles se distraíram e fui direto pro brinquedo que eu tinha deixado para trás.
Chegando lá, quem diria, precisava de dinheiro pra ir! Ninguém tinha me avisado desse detalhe, como eu vi que minhas eficazes técnicas de persuasão (vulgo: cara de dengo e biquinho) não dariam certo, eu resolvi voltar para os meus pais. Obviamente não os encontrei mais.
Então eu voltei numa das exposições de animais que tínhamos visitado antes. Chegando lá eu vi que tinha uma jibóia que eu não tinha visto antes, fui direto na caixa onde ela estava, meus pais que esperassem mais um pouquinho. Depois de ficar um tempo e perder a paciência com um bicho que nem fazia barulho eu fui falar com um tio dali:
-Tio! Oi tio! Aqui embaixo!
-Oi guriazinha, o que foi?
-É que eu não acho meu pai nem minha mãe.
-Qual o seu nome?
-Cíntia.
-E qual é o nome deles?
-Da minha mãe é Zeoni e do meu pai é João Carlos.
“Zeoni e João Carlos, sua filha Cíntia os aguarda no centro de informações” Foi a primeira vez que eu fiquei meio espantada, porque o cara tava falando ali na minha frente, mas eu ouvia a voz dele por todos os lados, acho que assim começou minha mania de perseguição...
Então me levaram para uma casinha lá da feira, e uma moça me levou para uma salinha com uma maca e umas poltronas, onde eu me sentei. Me ofereceu umas bolachas e eu aceitei. Estava bem distraída, saboreando minha bolachinha Maria quando olhei pra janela e vi minha mãe chegando! Fiquei bem feliz e abanei pra ela! Mas ela tava com uma cara... Nem me respondeu. Minha irmã vinha logo atrás dela, com uma cara pior ainda. Eu não entendi porque, eu tava bem feliz de termos nos reencontrado.
Depois disso, por mais que eu insistisse, nós nunca mais fomos à EFRICA.

01 dezembro 2009

Satolep noooooite...

...no meio de uma guerra civil.
Fim de junho, uma certa indecisão na vida, uma angústia inexplicável. Ilana, por hábito, liga o computador, senta-se e fica ali, o olhar fixo e sem vida. Não estava em Satolep, ops, em Pelotas; tampouco numa guerra civil. Estava numa luta interna para descobrir a que ela mesma tinha vindo.
Ilana P. era uma escritora que uns poderiam julgá-la por fracassada, mas outros, conhecendo-a melhor, diriam que não passava de uma moça esperançosa e idealista. Morava sozinha e considerava-se sortuda por contar com a ajuda financeira da avó. Seu apartamento minúsculo era um tanto sombrio e rodeado de recortes, páginas escritas, folders de centros culturais. Tudo era inspiração para Ilana, até mesmo a avó, única pessoa realmente próxima de sua vida. E claro, Vitor R.
O Vitor R. de Ilana P. não era o cantor e escritor que ela conhecia e admirava bastante. Vitor Renato foi um ex-vizinho de Ilana, envolvido com teatro amador, artes plásticas, nem ela lembrava direito. Escreveu contos, poemas, cartas, qualquer material confessando, declarando toda sua admiração, sua vontade de conhecê-lo melhor. Não era uma paixão, e sim alguma presença de espírito que Vitor tinha e que era muito diferente do mundo de Ilana, a ponto dela imaginar como seria o mundo dele, como ela viveria esse universo, caso ela viesse a integrá-lo.
Quase sem perceber, Ilana abriu o editor de texto na desktop. Pensou por alguns instantes e imaginou Vitor (o Renato) como alguém muito distante de seu passado, mas que pudesse tomar a iniciativa e aproximar-se. De ex-vizinho misterioso ligado às artes, Vitor Renato transformou-se em mendigo solitário em uma cidade grande e fria.
Ilana escrevia a história como se alguém ditasse as palavras para ela. O mendigo andarilho e sem esperanças avista uma moça do outro lado da praça. Ela caminha apressada e completamente coberta de roupas e acessórios quentes, carregando uma mala com alguns broches antigos. Impaciente, quase atropela as pessoas à sua frente e um dos broches desprende-se do tecido da mala. Ele sai correndo, despertando desconfiança em todos. recupera o broche e tenta devolvê-lo à sua dona.
- Olha pra mim!
Ela se assusta, mas vê a mão estendida com o broche perdido e agradece pelo gesto. Um pouco sem jeito, a moça dá meia volta e retoma seu caminho, não sem antes pensar:
- Não há nada mais triste que um homem morrendo de frio.