07 outubro 2012

saudade.

11 outubro 2011

terra

primeiro o tempo come os ossos
em seguida os retratos.

22 junho 2011

Círculo

Dançávamos Kids do MGMT em meio a todas aquelas pessoas que em frívolo julgamento aparentavam ser todas iguais, uma forma maniqueísta de ver caso tomemos a semelhança de suas roupas descoladamente alternativas e os cabelos levemente arrepiados enquanto dançavam, cantavam, estendendo as mãos para cima ao iniciar uma música nova enquanto as luzes chacoalhavam em um frenesi aquático. Nós também chacoalhávamos, não tanto em frenesi porém mais em uma sedução, visto que há uma diferença na dança da sedução do que naquela de apreciação dos sons. Quando se seduz, a cabeça move-se mais lentamente como se uma câmera cinematográfica desse close nos menores detalhes do pescoço, além de geralmente também se olhar para cima como se se invocasse alguma força misteriosa de dentro, talvez algo assim profundo..., a ponto de mexermo-nos lentamente como se não milimetricamente planejássemos cada passo, olhar, toque, palavra no ouvido que, mais do que nunca, sabemos que é dita qualquer bobagem sem o menor sentido senão o de colocarmos a boca no ouvido à espera de que o jogo da luxúria frua como a música que custa a sair do corpo, uma energia flutuante que faz os pés queimarem precisando sair do chão. Uma de suas palavras, contudo, quebrou meu estado de automaticismo, era qualquer coisa como:

- Envelheça comigo - uma mão no meu ombro e outro no meu braço do lado oposto. Pedi que repetisse, não sei se pelo enunciado soar fora de contexto ou se pela vontade de que colocasse a boca perto do pescoço novamente, sei que pedi e ouvi de novo as mesmas palavras. Um pouco de receio tive. Entretanto, controlei o temor e fui extrair o que podia, indaguei: "e como será sua velhice?". Rodeada de pessoas gentis, respondeu, talvez vivendo em uma casa com alguém que amasse, usufruindo daquilo que obtive na vida e nas tentativas de dar a volta em mim mesmo. Foi uma resposta boa, pensei na hora, tomando como inusitado aquele diálogo em meio às mesmices de sempre, as pessoas cantando, dançando e se encarando como cadelas no cio loucas para. Amargura um pouco ver recortes dos passos de lobos encarando seus carneiros que almejam com todas as forças se tornarem lobos por mais que nunca o possam, visto que, uma vez carneiro, sempre carneiro, a vivência de lobo é de algo deveras escura e misteriosa, não a ponto de instigar a descobrir, mas sobretudo naquele sentimento que nos move pela fuga.

Moveu-se pela pista e voltou com uma bebida, o álcool que degrada, instalando-nos mais perto daquilo que chamam de época branca cujo principal hábito será reclamar das músicas altas e sem qualidade dos jovens de hoje, jovens que não fazem nada além de frequentar os mesmos locais, ouvir as mesmas músicas e viver as mesmas sensações, acreditando saber da novidade. Bebeu um gole e perguntou-me outra vez, envelhece comigo? E respondi rápido que nem sei se quero amanhecer com você, quem dirá envelhecer

quem dirá saber de minha vida de depois
como se um baú todo cheia de roupas
onde as traças adoram se meter
formando buracos, armando barracos
sem se esquecer de meus velhos trapos
cujos pedaços em uma era já vesti
e guardo fotos como pequenos recordos
dos bichinhos que em mim já habitaram.

Habitou-me e eu em seu contrário. No meio da madrugada fui-me embora, pensando em que na semana que vem o mesmo lugar teria uma festa boa, e no outro final de semana também; aliás, todo o mês estava perfeito naquele lugar, os donos possuem uma boa visão de negócio...

 *


Vários anos se passaram. Nunca mais apreendi qualquer coisa que me fizesse recordar desta noite, até o dia em que, com meu Amor Maior, trocamos juras de eternidade e prometemos morrer juntos sem nos importarmos com as eventuais quedas de cabelo. A vida é uma sequência de ilusões, refleti.

20 junho 2011

Muita felicidade

Começaremos nossa empresa juntos, jovens e promissores. E eu vou dar pulinhos de felicidade a achar que a vida finalmente entrou no rumo, que aos 24 anos eu sou uma pessoa segura e que trabalho no que gosto. E vamos fazer muitas festas e cultivar nosso grupo de amigos, viajar juntos e perceber que tudo é belo e que maravilha ter toda a vida pela frente.
Somos parecidos nisso, não gostamos de regras nem de médicos. Mas o que pra ti vai ser uma opção, pra mim vai ser uma cruz. A pele vai se modificar, os momentos de dor e fraqueza vão se intensificar, e não vou mais conseguir botar a culpa na umidade ou no excesso de trabalho. Então alguém muito chato me obrigará a ir ao médico e tudo vai ficar claro. Porque a vida não tem nada de maravilhoso, nem de romântico, ela acontece enquanto tu sonha e acaba logo, muito rápido quando se é um grande sonhador. Vai ser tarde, vou me martirizar por nunca ter notado, por nunca ter procurado saber e eles vão dizer que a batalha é difícil, que se tivesse descoberto antes... E eu nunca vou chegar a viver aquela velhice tranqüila e matreira. Vou morrer de câncer tão rápido que só vocês irão se lembrar de mim.

Poeira

Fragmento

Pela lente observo o passo,
                            [O moço passa...]

E o descompasso do moço.
                            [Inerme o tempo]

Retratos do passado.
                            [A todo o momento]


19 junho 2011

O mundo dentro de uma caixa - Parte 01

Depois de insistentes 30 minutos de pedidos, gritos, carinhos e bufadas, dei ouvidos à minha mãe. Saí do sofá e lá fui eu arrumar meu armário/guarda-roupas/guarda-aquelas-coisas-que-não-cabem-na-gaveta.
Quando abri a primeira porta fui surpreendida por um ataque rasante de um objeto voador. Era um playmobil muito a fim de sair de onde estava. Veio com tudo na direção do meu olho, como kamikase com ânsia de não chegar o fim.
Era um playmobil antigo, daqueles que nem mexiam as mãos. Se você já teve um playmobil sabe do que eu to falando. Se não sabe quem eles são, eu preciso te dizer que playmobil são os brinquedos mais incríveis do mundo.
Porque playmobil é um bonquinho gorducho, com cabelo de tupi com franja, que só mexe o braço pra cima ou pra baixo, e as pernas, sentado ou de pé. E mesmo com seus movimentos super limitados, eles conseguiam ser piratas, médicos, pescadores, esportistas, marinheiros, donos de circo, amantes, amigos, irmãos.
Me faziam perder noites à sua espera na chegada do Natal. Me faziam esquecer do tempo descobrindo suas histórias. Me tornavam parte de suas aventuras. A gente ia pra lua, pra floresta, pra esquina da minha casa, pra todos os lugares que eu sempre quis ir e nunca tive companhia.
Bom, isso tudo acontecia pelo menos na minha cabeça de 7 anos, na época em que eles não se atiravam de uma caixa de papelão velha de cima do armário/guarda-roupas/guarda-aquelas-coisas-mais-incríveis-de-nossa-história-que-nos-deixamos-esquecer.

O mundo dentro de uma caixa - Parte 02

Uma semana depois de ter desistido de arrumar meu guarda-roupas para catar o restante dos playmobils, me deparei novamente com um par de portas fechadas à minha espera.
Não era preguiça, não era só falta de tempo. Eu não queria arrumá-lo porque sabia que lá dentro, atrás das roupas que não servem mais, havia uma caixa embalada por um papel brega da década passada, com retalhos de lembranças transcritas em papel de carta.
E ela não estava lá por acaso. Estava atrás da pilha de roupas velhas, no canto onde o campo de visão não alcança, mas o suficientemente perto pra não se tornar esquecida.
De histórias de amor e desgastes de histórias. De todas aquelas coisas que já foram presente e constância. Tentava ignorá-la e todo seu conteúdo.
Na verdade ela havia se tornado intocável, na expectativa que o tempo a empoeirasse, e com a poeira, ofuscasse todos os vestígios ali contidos. Esperava que a poeira que vem com o tempo levasse consigo todas aquelas lembranças.

14 junho 2011

Das mágoas e pedras

Por desejar muito chorar, entrei em conflitos nos últimos dias.

Quando criança, qualquer tristeza era motivo de choro, e qualquer choro limpava a alma. Chorava até cansar, até doer a cabeça, até pesar os olhos, até esgotar todo sentimento ruim. Até esquecer e voltar a sorrir.

Hoje em dia, sinto um acúmulo de decepções, mágoas e frustrações que pesam feito pedras. Recentemente me peguei tentando forçar o choro, numa vontade enorme de expelir a dor, porque era o que acontecia antes. Não consegui.

Com a idade percebi que nossas mágoas são mais profundas e complexas, mas ao mesmo tempo, são mais fáceis de serem encaradas porque nos acostumados – aliás, o grande segredo da vida, o ato de se acostumar. E, quando finalmente consigo chorar, poucas são as lágrimas, e elas já não lavam mais nem fazem esquecer. Não podendo tirar as pedras de mim, carrego-as como história.

Daí, num dia recente, eu me deparei com mais um desses episódios que sucedem as fases boas da vida. Os dias ruins, os dias chuvosos, as vacas magras - como queiram - estavam por vir. Nada mais cotidiano. A grande diferença, desta vez, estava em mim. Foi uma decepção, não menos dolorosa que as outras, mas que aconteceu sem surpresa alguma. Eu já esperava. Ou melhor, aprendi a não esperar muito da vida e das pessoas.

Então aqui estou eu escrevendo, mais uma vez, por uma mágoa sem lágrimas que não passa, só se esconde. E esperando que ela também se solidifique através do fator - outrora o choro - que mais me castiga porque mais demora a reagir, o tempo.

13 junho 2011

pa papa pa pa

"Na hora de bamo já se fumo!"
Ele costumava dizer, alegre, antes de pegar o carro. Às vezes ao levantar da poltrona. A seqüência era invariavelmente a mesma. Sentava no banco do motorista puxando as pernas das calças um pouco para cima. Olhava-se no retrovisor e penteava os cabelos para trás com o pente que carregava sempre no bolso das camisas. Nunca tinha um fio fora do lugar. Botava os óculos, ligava o rádio, aquelas músicas de vô, e nós saíamos. Ele tinha pelo carro um zelo que eu jamais vi em outra pessoa. Não tinha pressa. Dirigia com calma. Sabia que não havia necessidade de correr, onde quer que se tivesse de chegar, ele chegaria. E assim era quando me buscava ou levava em casa. E tantas outras vezes quando me levou ao dentista ou me buscou nas aulas de inglês. Quando me buscava no colégio, quando eu ainda era criança, ele ficava parado ao lado do portão. A chave pendurada na calça. As mãos nos bolsos ou os braços cruzados. De pé. Sempre alto, mais alto. Meu vô foi o único homem com aparência e postura frágeis ao mesmo tempo que fortes. Não sei dizer se ele era forte na fragilidade ou frágil na força. Penso que os dois. Acordava cedo todos os dias, mesmo no inverno. Tratava e soltava as vacas. E no fim do dia as trazia de volta. Cuidava de todo o terreno. Lembro-me dele tamborilando os dedos no braço da poltrona que era a dele. O som do bater dos dedos sobre o couro. O som do esfregar dos dedos uns nos outros enquanto subiam e desciam tamborilando a poltrona. Como se fosse ontem. A pele lisinha e gelada de velho que eu esticava para cima, brincado e querendo que a minha fizesse a mesma coisa. Ele forrava o carrinho de mão com cobertores e passeava comigo nele no pátio. Ficava ao lado quando eu andava na Sucata, a égua preta que foi a única por lá. Ele cochilava vendo as novelas do fim da tarde. E a poltrona hoje mudou de lugar. Mas é como se ele ainda estivesse lá. Como se eu fosse passar pela cozinha, entrar na sala e vê-lo lá, tamborilando os dedos. Quando pega na minha mão enquanto eu durmo e me diz pra não chorar. É como se ele ainda estivesse lá, esperando a gente chegar pro churrasco domingo. Tamborilando os dedos na poltrona.

12 junho 2011

A guerra.

Ouvidos atentos a eminência de passos.
Qualquer ruído seria esclarecedor. Prova de choque.
Olhei para o relógio. Apontava perigo.
Olhei para os dois lados em busca de inimigos. Mesmo aqueles que se pareciam fora de rota. Muito suspeitos.
Se demonstrassem interesse, sairia correndo. Não era fuga, era vitória.
As armas: sabonete e toalha.

Tomar banho às 22h numa casa de estudantes não é fácil.