01 dezembro 2009

Satolep noooooite...

...no meio de uma guerra civil.
Fim de junho, uma certa indecisão na vida, uma angústia inexplicável. Ilana, por hábito, liga o computador, senta-se e fica ali, o olhar fixo e sem vida. Não estava em Satolep, ops, em Pelotas; tampouco numa guerra civil. Estava numa luta interna para descobrir a que ela mesma tinha vindo.
Ilana P. era uma escritora que uns poderiam julgá-la por fracassada, mas outros, conhecendo-a melhor, diriam que não passava de uma moça esperançosa e idealista. Morava sozinha e considerava-se sortuda por contar com a ajuda financeira da avó. Seu apartamento minúsculo era um tanto sombrio e rodeado de recortes, páginas escritas, folders de centros culturais. Tudo era inspiração para Ilana, até mesmo a avó, única pessoa realmente próxima de sua vida. E claro, Vitor R.
O Vitor R. de Ilana P. não era o cantor e escritor que ela conhecia e admirava bastante. Vitor Renato foi um ex-vizinho de Ilana, envolvido com teatro amador, artes plásticas, nem ela lembrava direito. Escreveu contos, poemas, cartas, qualquer material confessando, declarando toda sua admiração, sua vontade de conhecê-lo melhor. Não era uma paixão, e sim alguma presença de espírito que Vitor tinha e que era muito diferente do mundo de Ilana, a ponto dela imaginar como seria o mundo dele, como ela viveria esse universo, caso ela viesse a integrá-lo.
Quase sem perceber, Ilana abriu o editor de texto na desktop. Pensou por alguns instantes e imaginou Vitor (o Renato) como alguém muito distante de seu passado, mas que pudesse tomar a iniciativa e aproximar-se. De ex-vizinho misterioso ligado às artes, Vitor Renato transformou-se em mendigo solitário em uma cidade grande e fria.
Ilana escrevia a história como se alguém ditasse as palavras para ela. O mendigo andarilho e sem esperanças avista uma moça do outro lado da praça. Ela caminha apressada e completamente coberta de roupas e acessórios quentes, carregando uma mala com alguns broches antigos. Impaciente, quase atropela as pessoas à sua frente e um dos broches desprende-se do tecido da mala. Ele sai correndo, despertando desconfiança em todos. recupera o broche e tenta devolvê-lo à sua dona.
- Olha pra mim!
Ela se assusta, mas vê a mão estendida com o broche perdido e agradece pelo gesto. Um pouco sem jeito, a moça dá meia volta e retoma seu caminho, não sem antes pensar:
- Não há nada mais triste que um homem morrendo de frio.

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