04 maio 2009

Fritar o iceberg

O ritual era o mesmo: ela entrava na sala, soltava a bolsa em cima da mesa e puxava dela umas folhas desorganizadas de uma forma organizada. No quadro ela colocava o tema da aula. Era sempre assim. Eu nessa hora já estava com os olhos arregalados, o coração oprimido e com um iceberg na barriga. Droga, isso também era sempre assim. A professora de redação não era uma má pessoa. O medo que eu sentia, não vinha dela, mas vinha de encontrar aquela guria cheia de desilusões, angustias, incertezas e expectativas. Eu odiava me sentir assim... Tão humana... Tão vulnerável.

Escrever sempre foi uma dificuldade. Na corrida maluca que acontecia dentro de mim, a coragem sempre chegava em segundo, terceiro... penúltimo lugar. O Mutley não podia fazer coisa alguma, o jeito era pegar a caneta, dar o texto à tapa e escrever qualquer coisa que agradasse a mulher. E isso nunca acontecia... Eu sempre escrevia algo que não tinha fundamento com o tema, sempre falava de tudo e não dizia nada.

Por muito tempo eu achei que não sabia escrever, que não gostava de escrever. Na verdade verdadeira, eu não gostava era de olhar para aquela guria que é igual a todo mundo, aquela guria que é humana, que gosta de churros e vê filme de mulherzinha.

Escrever agora é uma questão de autoconhecimento, de fritar o iceberg que existe dentro de mim. Entrar na sala da minha consciência, soltar a imaginação na mesa e puxar de lá tudo que lá dentro estiver, sem pudor, sem medo, fazer uma catarse de idéias. Escrever agora é uma questão de ser humana e vulnerável às coisas boas da escrita.

Cintia Pavão

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