11 setembro 2009

O tênis que você usa

Eu sei que não devia, mas eu lembrei da Silvia.
Ela queria ser única, autêntica. Estava cansada daquela vidinha mediana e cotidianamente frustrante que vivia. Queria se destacar. Não ser apenas mais uma no meio do comboio indo para qualquer lugar, lugar nenhum. E para mudar resolveu começar comprando um tênis. Um tênis novo, daqueles cheios de conceitos embutidos que ninguém entende. Com estampa, não poderia ser liso. Esse tênis que foi feito por alguém. O Seu Zé. Que teve uma ideia. Tinha o modelo pronto, mas podia inovar. Resolveu fazer uma costura diferente, que na sua opinião ficava bem melhor. Tinha visto isso numa revista de Moda da sua filha de quinze anos. Revista estrangeira, coisa completamente atual, quase 2.0, mesmo não sabendo direito o que significava isso. Enquanto sorria por sua genialidade, o Dr. Cláudio, dono da empresa, passou por ele. Cláudio, ou Dinho como os mais íntimos o chamavam. Ele tinha desenhado aquele tênis, com o próprio pulso, numa folha de papel qualquer e uma caneta azul. Não, me desculpe. Não era qualquer folha nem qualquer caneta. Era a caneta. Era linda, banhada a ouro. Um velho amigo seu que havia lhe dado, ou vendido, dependendo do ponto de vista, que para ele sinceramente não importava. Pois a caneta era feita a mão também, edição limitada. Única. Matt, o amigo. Já o conhecia de longa data, apesar de ser apenas um rapaz de trinta e poucos anos. E mesmo tão novo já era conhecido mundialmente por suas canetas banhadas a ouro, modelos feitos especialmente para quem fosse muito cheio da grana e lhe fizesse um pedido. Ele comprou. Queria ser único. A caneta feita por Matt. Um guri de trinta e poucos anos que adorava extrapolar em suas canetas. Era esse seu negócio, fazer de uma caneta, simples instrumento em uma obra de arte. Arte cara, afinal era única. Matt aprendeu a fazer canetas banhadas a ouro num curso em Viena. Um outro velho amigo seu que havia lhe indicado. Era caro, mas valia a pena. Pagou, e agora vende suas ideias. Diz ele que é autêntico pois suas canetas estão sempre seguindo as tendências da moda, dos renomados carinhas de Paris. Esses carinhas que pegam referências em tudo que já foi feito, para fazer algo novo e autêntico.
E foi pensando na Silvia, já de tênis novo, que enfim olhei para os meus tênis. Sorri.
Ufa!, não sou a única.

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