31 maio 2011

15 gatos e uma cozinha grande

- Se ganhar na loteria, te dou um apartamento.
- Mas o que te faz pensar que eu quero sair de onde moro?
- Não sei, tu vive a reclamar do teu irmão e das bagunças dele, achei que quisesse.
- É, isso me atrapalha. Mas fora isso, não é tão ruim assim. Sairia daqui apenas pra morar em uma casa com 15 gatos.
- Então, se eu ganhar na loteria, te dou uma casa com um gatil nos fundos. E uma cozinha grande, e uma sala de TV com acústica de cinema. E um ofurô.
- Mas porquê tudo isso?
- Quero que nossos amigos venham jantar na cozinha grande. Depois assistimos a filmes bons, bebendo vinho, e rindo na cara da vida.
- Como assim? Decidiu agora que vai morar comigo? Rindo na cara da vida, onde tu aprendeu essa expressão?
- No mesmo lugar onde tu aprendeu a ser a chata que questiona tudo.

Aquela dúzia de vacas

Meses sem se falar, anos sem se ver pessoalmente. Em tom de piada, ela envia a ele o link de um site que descrevia uma promoção cruel:
Visite todas as vacas da Cow Parade em PortoAlegre, fotografe, e envie para nós. Presentearemos todos que completarem essa tarefa com uma cesta de produtos da nossa linha de laticínios.
Era uma piada, ela enviou porque achou absurdo que alguém se daria ao trabalho de dar voltas pela cidade, durante dias, fotografando vacas. Ele tomou como um convite.
Como ela não sabia dizer não a ele, e sentia saudades da época que eram próximos, aceitou. Andaram durante toda tarde pela cidade, fotografaram muitas vacas da zona norte e do centro de Porto Alegre. Conversaram sobre todos os assuntos que ainda pudessem ter.
Antes que marcassem uma segunda tarde de perseguição às vacas, a promoção foi cancelada. De toda forma, não ganhariam o prêmio.









Ela apagava as fotos, com esperança de que o passeio durasse para sempre.

Hersheys.

Ao leite, crocante, ovomaltine.
De que adianta?
Com nozes, avelã ou passas.
Pra quê?
Branco, napolitano, amargo.
Amargo.
O único sabor que conheço.

Natália Penelas

Café da manhã

Depois de alguma discussão, decidiram que filme assistir.  Três horas depois da conversa, meia hora atrasado, ele aparece para busca-la, dizendo que a reunião se estendeu mais do que o esperado. Ela não se importou, entrou no carro e beijou o rosto dele como sempre fazia.
Chegaram correndo ao shopping, com medo de perder a sessão. Por sorte, quando entraram na sala, recém iniciava as propagandas antes do filme. Ele correu ao bar do cinema e voltou com seu refrigerante e uma barrinha de chocolate Suflair para ela. Ela desejou durante todo o filme que ele a abraçasse, segurasse sua mão, encostasse a cabeça em seu ombro, mas nada aconteceu.
O filme era ótimo, aquele último do Almodóvar que os amigos tanto comentavam, e eles saíram discutindo animadamente da sala do cinema.
A caminho da casa dela - a carona de volta, ele avisa que precisaria passar antes em sua empresa, porque havia esquecido umas compras por lá. Subiram juntos, ele queria que ela conhecesse onde trabalhava. Ela não sabia como se portar, se era certo ou não elogiar, mas mesmo não sabendo, deixou claro que havia gostado de conhecer o lugar. Ela não esperava mais por nenhum tipo de intimidade, apesar de secretamente desejar. Haviam decidido ser só amigos. Na verdade, ele havia decidido e ela acatou.
Depois de conhecer tudo, ele busca sacolas de supermercado na cozinha da sala comercial, e comenta:
 - Comprei isso para o teu café da manhã.

26 maio 2011

Chocolicias e Palavras




Palavra: Vicio
Vicio: Chocolate




@marceloinverso
Ferramenta: http://www.wordle.net

22 maio 2011

Tudo é tão feroz e doentio

Ninguém sabe o que é ter câncer.

Você não pode deter a iminente tomada de pânico após ouvir o diagnóstico. A morte é algo que provém do irracional, então todas as palavras que com ela caminham trazem a nós a perda de controle, além da incerteza sobre nossa real relevância neste mundo. Foi absolutamente detestável a aparente comoção do médico, escondendo um enraizado desleixo, ao mostrar-me os exames. Crescimento de células jovens, é preciso de um tratamento imediato, comunique a sua família, por favor, você precisará de apoio, não será fácil a partir de agora, é uma doença que costuma acometer os novos tanto mais quanto os velhos. Como foi detestável a sua autoridade medicinal, asséptica; de bigode branco me encarando jovem; quantas mortes ele já testemunhou? e deve estar matutando se durarei ou não, como hei de ser sem meus cabelos, se capaz de extrair um profundo sentido com a aproximação da Bela.

Mesas de vidro sempre me deixam deveras nervoso, toda a exposição das pernas em uma sedução fantástica, a maneira de cruzá-las e colocar a postura, o modo de apresentar-se perante um desconhecido, encaixando braços, as mãos juntas ou uma em cada perna. Ao saber-me com câncer, detestei ainda mais a minha desnudação para um velho de bigode branco. Ele se tem com o poder, visto que é quem conhece do meu corpo sem nunca o ter visto, sabe da minha postura porque conhece centenas de outras que já passaram por sua sala do nono andar e, mais do que tudo, sabe do meu fim porque sabe da minha vida. Meu corpo me trai e me mostra a um qualquer, ele é um qualquer, doutor asséptico e prepotente, com bigode e avental brancos, a mesa envidrada e a estante de madeira de reflorestamento cheia de livros médicos e do Moacyr Scliar, provavelmente alguém em quem se espelhou enquanto estudante. Naquele consultório em uma tarde chuvosa de maio eu pude ter nojo do mundo, porém muito mais do doutor à minha frente: na cadeira dura eu fazia o papel de um doente terminal. Só isso que eu era, todo o resto atirado às favas; jovem, universitário, tenho pai e mãe e um irmão do qual nunca fui amigo... eu cheio de amigos que me confortam e me agregam, sentindo o nexo da vida a partir dos meus sentidos que me passam a perna, coitados e infiéis, me traindo e me matando com a multiplicação de células blásticas que pouco a pouco vão me tomando a medula óssea, matando e matando e matando; a partir de agora a morte no cangote.

Vontade de sair dali e me atirar no chão da sala e chorar até ficar em uma pose miserável, uma mão sustentando o corpo e a outra apertando o peito, o pranto tão grande que o choro mal sai, a boca só abre e resta o silêncio da passividade em relação a tudo o que abraça, cachorros que me lambem e fazem ruídos que lembram miados e eu juro que tudo o que queria era voltar ao momento em que abria uma barrinha de chocolate antes de entrar no consultório branco, asséptico, alegre ao degustar a gordura e o cacau na embalagem colorida da vaquinha que dá leite, tudo é tão sagaz e doentio, efêmera a minha fala que, não posso postergar, tenho certeza de que não ficará, minha existência fadada à memória dos outros. Nunca gostei de depender de alguém além de mim mesmo e agora é comigo que não posso contar. Será que o cobrador do ônibus que pego dará falta por mim quando eu morrer? Talvez devesse dar um presente para que se rememore, é egoísta, sim, mas o que é a natureza, não exijo que se lembre de minha pessoa, meus traços e maneira com que punha a cabeça na janela, só que rememore daqui a um, cinco anos, que um jovem desconhecido um dia deu-me uma barra de chocolate e foi tão educado, como há pessoas boas no mundo. Que ele ainda mantenha esperança no mundo porque a minha vai fadar e fadar com a existência.

Acho que não duro muito, o tom de voz usado pelo doutor não me deu muita esperança. Espero pelo menos que isso não seja fruto de uma personalidade doentia que se agrada em testar maneiras com que desconhecidos recepcionam a morte, talvez ele tenha um caderninho com nomes daqueles que sobreviveram, quem há de saber? Tantas vezes que disse a a palavra câncer mas nunca soube efetivamente o que é, jamais experimentou a degradação da carne e do ser, a angústia da espera, da certeza de algo que chegará mas não se sabe quando. Quando pequeno, impacientavam-me muito os dias anteriores à viagem de férias, qual a praia a ser escolhida, a ansiedade em fazer a mala e escolher o que levar para o outro lugar. Hoje, mais velho e com mais paciência, fico outra vez à espera da viagem sem saber o que colocar na mala. Angústia que raiva e dilacera, como eu queria voltar a degustar o chocolate da mesma maneira com que degustava dias atrás...

19 maio 2011

o prédio mais alto

Fico pensando na aproximação. Se a gente chegasse mais perto. Encostasse as mãos e falasse do que não fosse programado - do que não fosse esperado que nós falássemos. Ele é alto, vê as pessoas de cima. Como será? Não será como subir no terraço do prédio mais alto. Mas a distância - a mesma? Entre nós. É programado. Nossas palavras, os sons que nós emitimos chegando aos ouvidos do outro, os lábios abrindo e fechando, as línguas mexendo-se na boca, os olhos passeando como sentissem medo de se encontrar e ali permanecer, os movimentos calculados que dão certo pra ele e errado pra mim. Mas é programado. O coração batendo rápido era mentira, imaginação. E acreditar na imaginação torna-se a verdade imaginária. Também são verdades. Mas o coração batendo era mentira. Visto por uma fresta, entre as portas e as janelas. E a pele morena e as roupas pretas. Passeando de longe logo ali. Eu fico pensando nos encontros. Se a gente criasse uma relação diferente, em que o que nós somos programados para fazer não existisse. Se a gente dissesse. E ouvisse o mesmo som de uma noite. Se a gente tocasse. E sentisse a mesma textura que emana das vozes graves suaves. Não saímos da linha por um instante. E se saímos - eu não sei. Como seria? Prazer. Como chocolate.

17 maio 2011

As coisas que eu mais amo na vida!

As coisas que eu mais amo na vida são café e chocolate. Poderia dizer que é a cafeína, por ser o mínimo múltiplo comum entre eles, mas não me parece tão poético.

Claro que meus prazeres não acabam aí. Vivo uma ânsia diária insassiável por conhecimento, que me consome a cada nova descoberta, nunca cessa, nunca me satisfaço.

‘’Sem fastio, com fome de tudo’’. Tendências consumistas? O que for, são os três ‘’cês’’ como alimento de organismo e de alma. Meus três vícios.

Pensando nisso, descobri que meus dias têm sido à procura dos meus pequenos prazeres enquanto deles me alimento. O café e o chocolate, comprovadamente estimulantes, tiram o meu sono, eu anseio conteúdo, logo, vou atrás de novidades sobre música/cinema/pessoas/livros/festas/moda/qualquer coisa que me interesse, regado a mais café e (quem dera, antes fosse) mais chocolate.

Os três, diariamente, num círculo vicioso, numa rotina incansável.O que soa irônico, para quem odeia rotinas, essa é a única que consigo manter, a única que eu suporto, e é aí que se encontra a mais sublime designação de amor.

A conclusão dentre tantos cafés, chocolates e conhecimento – ou a busca por (isso que eu nem citei os chás) é a de que pareço uma louca velha mal-comida e que nesta vida me falta um Cadu.

do meu direito de ouvir

Ela ficava lá falando. Nunca vi ninguém com tanta coisa pra dizer. E enquanto falava balançava a pele pendente abaixo do queixo. Os cabelos de aspecto velho, gasto, o nariz redondo vermelho, as roupas estranhas - nada incomodava mais no quadro daquela mulher do que ouvi-la falando. As frases sempre no mesmo tom, discorrendo sobre acertos e erros, repetindo tudo outra vez de novo. E as piadas nem eram engraçadas. Será que ela não se dava conta? Será que ninguém se dava conta? Ah, meu Deus. Era muito chato. Ficar ouvindo. E ela falando. A cara de eu já sei tudo. Ouvir é coisa boa. Ouvir é coisa boa por excelência. E naqueles casos. Tornava-se extenuantemente maçante. Era injusto que ela estragasse. Aquela mulher que parecia ter nascido para infortunar.
Uma bola de pêlos. Enfiei uma bola de pêlos na boca dela. E ela se calou. E eu pude voltar a ouvir.

16 maio 2011

Charlie

Imagina um gato sapeca. Amarelo, vira-lata, adora correr pela casa, quebra vasos, come plantas, morde sapatos, coisas de gato louco.

Pensa também em um gato carinhoso. Branco, pelo longo e macio de angorá, te segue pela casa, pede cafuné e dorme enrolado nos pés da cama.

Agora imagina esses dois gatos em um só. Adiciona a ele uma adorável patinha com curativo.

Esse é o Charlie.

pretinho

eu saio de casa as 7 e 15 e ele tá lá, com seu pêlo mudando de preto pra uma cor de cabelocompridoqueimadodosol
eu chego em casa as 10 da noite e ele vem correndo de longe, com aquele passinho manco, e lambe a minha mão como se tivesse gosto de açucar
eu me preocupo se ele vai ter comida amanhã
eu ficou extremamnete feliz quando vejo outra mão sendo lambida
eu gosto muito quando um potinho d'água pousa na frente de um portão
ele, se fosse gente, seria daquelas pessoas que se dá bem com todo mundo
ele corre atrás das motos que passam na rua
nos dias de chuva prefiro não vê-lo, assim penso que ele tá abrigado e sequinho
ele usou uma roupa que era bem menor que ele, vermelha
ele rola na areia com outro que precisa tanto de carinho como ele
ele chora quando tem um amigo indo pra lá e eu indo pra cá, chora pela escolha que tem que fazer
ele me acompanha até a parada
ele tenta entrar no meu quintal
agradeço porque tem gente que gosta dele tanto como eu
ele já não aparece mais todo o dia como antes
agora, quando me vê, ele vira a cabeça pra ver quem sou eu
ele tá ficando um adulto que tem que se virar
agora sou eu que quase choro quando ele não lambe a minha mão
aquele cachorro me despertou um sentimento tão bom
eu agora é quem fico triste porque vou sozinha pra parada
aquele pretinho

Furby

     Suas orelhinhas pontudas estariam dispostas a me ouvir sempre que necessário. Aqueles olhos, redondos e brilhantes, duas bolinhas de gude, me fitavam de forma tão vívida que pareciam entender as angústias de uma menininha de 7 anos. Ele não só me ouvia e entendia, como falava. Eu poderia ouvi-lo e seguir seus conselhos. O seu corpinho era redondo, peludo e tão pequeno, mas eu sabia que havia grandeza em seu interior. Grandeza difícil de encontrar em muita gente por aí. Naquele momento eu soube que nos daríamos muito bem - e ele seria meu melhor amigo.
     Mas havia uma vitrine nos separando e a mão da minha mãe me levando para longe daquela loja de brinquedos, porque "imagina comprar um bichinho daqueles, ele é tão feinho, tu quer mesmo ter esse Furby no teu quarto?" Não adiantava tentar convencê-la: eu sabia que nunca o teria comigo. O que restou foi torcer para que alguma outra menina o levasse para casa e fosse sua melhor amiga. Assim como eu teria sido.

14 maio 2011

Oh, mundo cruel./Meow, é isso aí.

Olhos azuis e olhos verdes.
Pêlos brancos e pêlos pretos. Curtos e longos.
Patas sujas de lama e sangue de preás.
Rabos cheios dos famosos pega-pega e também de carrapichos.
Miados agudos que não irritam nem um pouco.
Línguas ásperas que pedem comida e dão carinho.
Garras que não têm ciência de sua agudeza.
Ronrons tão fortes quanto o motor de um caminhão.
Peitos subindo e descendo lentamente enquanto eles dormem na minha cama.

Quatro pequenos anjos que surgiram na minha vida.
Graças a pivetes sem coração.

Natália Penelas

10 maio 2011

Vani, a heroína da noite que não sabia voar


A bola de pêlos...
Que vai e que rola
Dançando pelo corpo suado
Que desce e se embola
Neste abraço todo farto e caricato.
Vani, a heroína designada para ser
E crer na bondade alheia e citadina...

A cidade é deveras perdida.
O prédio lhe parece demasiado cinza
Mesmo com as janelas baixinhas,
Comparadas aos sonhos de menina
Que desce e que chora
Olhando para a lua
Nem diálogos e nem rezas bravas,
Só o brilho que agua
Agua a alma e escalpa sua vontade
A vontade de mexer na sociedade.
Triste saber de tudo isso:
Do riso que entorta, da amargura já incrustada
Na casca de maçã morta.

Tudo não passa da paz dos descontentes...
O intimismo, a resignação,
A lua que amorfa, como se com ela se estende
À ira dos sexos
Dos nexos
Nexos causais e modais
Você precisa empregá-los bem
Dizer que quer voar e flanar pela noite
E espalhar a loucura no céu.

Como uma mosquinha tonta, que bate na janela
A heroína voa
Ao chão.

07 maio 2011

Nos fundos da casa, espontâneamente, ao fim da tarde...

A bola de pelos, mimi, lambia o bola de pelos, lélé.


Fin.

04 maio 2011

era um[a] casa[l] muito engraçad@:

uma pequena odisséia doméstica em 3 atos

Ato 1 - I wanna live alone

Acho melhor eu ficar aqui e você sair.

Sim, eu quero morar sozinha, vai ser melhor para você e para mim, se ver todo dia é foda, não sei como lidar com isso, só sei que não quero a vida dos meus pais e nem a dos meus avós. Eu quero morar sozinha e ir te visitar nos finais de semana! Já pensou que legal? Eu te convido para jantar aqui, tu me convidas para ir assistir um filme aí, ia ser massa, a gente ia curtir muito, nosso namoro ia durar pra sempre. Não sei se para sempre, mas por um tempo, com certeza mais tempo do que se a gente continuar nessa casa junto. E depois, eu vou mesmo comprar aqueles tapetes e cortininhas de cerejinha, eu sei que tu não gostas deles, que tu achas muito brega. Eu quero morar sozinha e fazer as coisas do meu jeito.

Ato 2you could have it so much better

Obrigada por depositar o valor do aluguel na minha conta, mas porra, você levou até a tampinha que encaixava no ralo do tanque. Precisava fazer isso? Espero sinceramente que não sirva na sua nova pia ou sei lá o que.

Ato 3come on home / can´t stop feeling

Hoje abri a porta do quartinho da bagunça, na verdade, nem dá mais pra chamar assim, tá tão arrumado, porque não tem mais quase nada nele. A bicicleta, os patins, os engradados de cerveja, tudo foi embora. Que vazio. Faz até eco. A cama tá arrumada, porque eu durmo agora no sofá-cama assistindo TV de madrugada até minha cabeça sair fora do ar, com sorte não derrubo mais uma garrafa de vinho e mancho outro cobertor. A cama. Que vazia. Faz até eco.

Alessandra Boos

03 maio 2011

Conversas de bar

Uma casa com janelas e portas abertas, grandes, quadradas. As madeiras antigas das janelas são tingidas de azul. A casa, aconchegante, templo de histórias de família, tem arquitetura antiga, mas ainda assim mantém-se com ares contemporâneos.
Há hera em algumas de suas paredes brancas, escondendo as rachaduras como rastros do passado, mas não a deixando menos bonita. Do contrário, a minha curiosidade aumenta a cada nova fresta encontrada.
Não há grades, nem muros. O quintal é grande, e abrangeria muitas pessoas. Cheio de árvores e densas sombras por elas produzidas, possui um frescor de primavera.
Uma casa bela, que te convida a entrar, mesmo não sabendo muito bem a quem pertence e que história guarda.

E aqui, do outro lado da rua, a outra casa escura e cerrada a comtemplá-la.

01 maio 2011

Maio

Não sei se é este vento na janela
Ou a janela com o vento e a noite
Ou se é maio e o vento na janela da noite...
Mas me faz muita falta o espaço de minha casa
E a família e meu cheiro nas cobertas

O ser vazio ocupa muito de nosso corpo
Nosso corpo é algo que ocupa grande parte do mundo
Ausência é um estado muito mesquinho a instalar
Porque derruba paredes sem erguê-las de novo
E você fica sozinho a ver estrelas no céu
Só contando a hora de acordar

Faz frio em maio e não há qualquer parede
Ou algum limite para demarcar-me em mim...

Ninguém sabe o que é largar o futuro
Nas mãos de uma cousa toda louca e animalesca
Como se viesse e fosse embora
Muito antes de se despedir

Muitos sabem o que é não ter teto
E morrer no frio
Ninguém sabe o que é não ter paredes
E falar e falar e falar...

Ausência é gritar e não ter paredes para ressoar.