26 setembro 2010

Conversas Alheias

Todo santo dia, pego o ônibus, coloco o tocador de emepetrês nos ouvidos e mando bala no volume. Fico ali, admirando a paisagem, pensando asneiras e cantarolando refrãos, ou nos dias de cansaço, tirando soneca.

Introduzi essa rotina na minha vida depois que inventaram o emetrês e os celulares com auto-falantes, que também tocam emepetrês, maldita tecnologia. Ou maldito inventor do funk carioca, que é tocado nesses malditos celulares, diariamente, nos coletivos da cidade.

Pois bem, para não escutar canções escrotas de pessoas escrotas, sendo escutadas por outras pessoas escrotas, tampo meus tímpanos para o mundo e fico dentro da minha cabeça.

Só que hoje a bateria do meu tocador acabou, logo depois que embarquei. Pensei que era o começo do martírio, que longos vinte minutos seriam realmente longos. Engano meu, o ônibus estava meio vazio e os escrotos não se encontravam por ali, a paz reinava naquele lugar. Como era dia de cansaço, encostei o melão no vidro, fechei os olhos e esperei o soninho chegar.

Quando comecei a cochilar, a entrar no mundo de Morfeu e seus sonhos, escutei vozes ao fundo e voltei. Um papo animado rolava atrás de mim, o papo me animou também, fazia um bom tempo que eu não escutava conversas alheias no ônibus. Papo vai, papo vem, eu ali fingindo que dormia, a menina com voz mais aguda sussurrou, alto o suficiente para meus ouvidos:

- Ainda tô com teu gosto na boca.

No que a outra respondeu:

- Hoje tem mais, sua putinha gostosa...

25 setembro 2010

brilho eterno de uma mente sem lembranças

O arrependimento é sempre - sempre - a esperança de que as coisas sejam diferentes. Porque não vão ser. Há tempos se sabe que não. Há bem mais do que se gostaria. Então por quê? É igual. A mesma ausência. O mesmo abandono. Do nada. E não se sabe por quê. Nas vezes em que se tenta. Ser feliz. Fazer feliz. Qual é o problema? Por que acaba igual? Por que fazem a mesma coisa? E dói tanto. É uma coisa no fundo, não se sabe explicar, e deixa você com um vazio tão grande e você não sabe o que fazer com as mãos e então você só chora, chora, chora. Porque parece que chorando até os olhos arderem e até dar dor de cabeça e até acabar com metade da caixa da lenços aquela dor vai diminuir. Mas não vai. E talvez o problema maior não seja a dor, mas o fato de não se saber por que ela existe. E no meio do desespero você se pergunta e fica tentando achar motivos e explicações que você não tem, por mais que você queira. Aí você vai dormir e quando acorda no outro dia parece que passou, e você tenta de verdade pôr qualquer ordem na sua vida e focar em qualquer coisa que não seja o que vai cutucar aquela dor, mas não passou. Continua do mesmo jeito. E quando você chega em casa e fica sozinho tudo volta outra vez. A dor, o choro, o desespero. Você tenta saber por quê, mas não dianta. Você tenta falar, mas não adianta. Você tenta escrever, mas não adianta. Nada faz passar. Nada tira aquilo dali. Nem mesmo tempo, porque se fosse assim as pessoas não pensariam no passado quando isso só fosse trazer sofrimento. Mas elas pensam. Todo o mundo pensa. E não passa. Só dói, dói, dói. É quando tudo o que se gostaria era de poder voltar pra casa - pra casa, de verdade - e ficar lá pra sempre. Porque lá se está seguro. Pode continuar doendo pro resto da vida, mas se está em segurança. Mas não se pode voltar sempre. E aí dói mais ainda. Só aumenta. A dor, o choro, o desespero, a desilusão, a saudade. É sempre igual. E não passa. Nem isso nem raiva que se sente de si mesmo por deixar que façam isso. E por acreditar que vai ser diferente. Porque não vai.

24 setembro 2010

Erniei

Descobri que ao olhar pra ti
Naqueles três segundos que falei,
Tu sabes, aquele
Teu rosto torna-se amarelo e gasto
Tu és o rei da Bélgica
Bélico.
Que se apossua de senhoras meninas
[de pouca vida,
Cheias de vontade e subjetividade.
Loucuras invasivas,
E eu mudo-me de lugar
*oleósos os cabelos
e tanto irrita o quanto me movo
tudo para parecer a rainha da Espanha,
Joana, aquela de Bandeira,
louca e efêmera.
Com tanta gana de ser possuída
Pelo amarelo da face gasta
e imunda de sexo.
"Minha bela" não serei,
E nem me terás, tudo o que queres
Mesmo que tão Bélico sejas,
Não é do meu agrado fazer-te algum mal
Rei bósnico, com sua pulseira dourada
Fale mais gravemente para eu poder tirar,
O amarelado dos meus lençóis doentes
E o arranhar dos pêlos,
Pêlos da face que me olham e eu juro que ouço falar,
Falar e que me tiram pra dançar
Nos sonhos mais eróticos que eu pudesse imaginar.
E como eu queria me entranhar no casaco de minha irmã
Para degustar do mau gosto monárquico.
E se por ventura não puder continuar,
É porque o rei bósnico começou a tagarelar,
E seu cheiro de iodo me lembrou de novo,
O hombre de boina.
Já que parece moderno e tão ambíguo,
Eu lhe digo que sempre falo dos mesmos,
Que tanto temo estarem de mau humor ou com pressa
Para encontrar seu esquilo de estimação,
Que deve estar esperando na carroça.

a mulher, o professor, o nerd e o perneta.


Júlia Fraguas

20 setembro 2010

Na hora certa

No banco de trás:

- Pra quem tu tá dizendo oi, meu filho?
- Pra ele ali.
- Pro moço da moto?
- É.
- Mas ele não vai te ouvir daqui...
- Vai sim, eu conheço ele.
- E da onde que tu conhece ele?
- Ahn...da casa dele!
- Tu já foi na casa dele?
- Já!
- Quando?
- Ah...eu não fui não...(risos)
- (risos) Então de onde tu conhece ele?
- Ah, eu sou o Pedro Duarte e conheço todo mundo!


Do lado, um carro passando:
"...131, nosso voto é assim, sou do Rio Grande, sou Paulo Paim..."

*como será que nascem os políticos?*

15 setembro 2010

O importante é tocar.

Conversas não dizem nada, e sim o toque, o encostar-se às coxas, a mão no cabelo, o beijo no rosto,
e o roçar da barba, palavras jamais vão substituir o movimento, a sintonia, o ato, seja ele qual for.
A surpresa de encontrar-se num lugar inesperado, mesmo que tenha sido forçado.
Aquela coisa magnética de perguntar o que tu estás fazendo aqui, aquele beijo no rosto que a vontade verdadeira era de ser no pescoço,
e fica aquele caroço, aquela ânsia de que depois vai ser tornar esperança, esperança de se encontrar em outro lugar, em outro cenário,
que lembram canários cantando, ou a lareira acesa, cheiro de café e suor, que está saindo pelas costas, o outro não vê, mas está ali o tempo inteiro,
perguntando se deve descer, se entregar ou não.
A conversa só serve pra o passar, porque qualquer conversa sempre tende a mesma coisa, pro mesmo caminho. Definitivamente todos os caminhos são iguais,
sempre levam pro mesmo destino, o tocar, o ser, o juntar das palavras são tão automáticos e a única coisa a fazer é torcer pra que da boca saia algo convincente, pra realizar a única vontade que o ser humano realmente deseja.

Júlia Fraguas

13 setembro 2010

You told me to wash and clean my ears

Tem uma joaninha no meu ouvido, ela
disse que o mundo é mágico
mas que ali
por dentro de onde ele tá
é mais ainda.

Eu disse que ela parasse de falar, mas ela respondeu que era só esquizofrenia.


* O título é um trecho de Mississipi Goddam, da Nina Simone.

12 setembro 2010

Ouço conversas desvairadas
Apelos, planos e pessoas passando vergonha.
Enquanto se espera, enquanto se anda
Cada um faz a sua fama
Contando suas mentiras,
E ignorando os fatos
Que os fazem tão desinteressantes
Porquinhos alienados,
Achando sua vida o máximo.
Nunca admitindo suas perdas
E sempre se glorificando,
Há tanta besteira para se ouvir nessas
Conversas alheias

Enquanto escrevo o lixo me cerca ,
Vozes rasgadas de pelo ódio dessa gente chata,
E como reclamam de suas vidas medíocres,
Dos planos fracassados e utopias imundas.


Júlia Fraguas