29 junho 2010

Morri, e agora?

As crianças brincam no outro lado da rua, na pracinha, correndo pelos pátios da escola, nos jardins das casas, nos quintais dos condomínios, no açude da vila.

Os universitários estressados com os trabalhos e provas vão se divertir na noite em busca de um “descanso” para a cabeça, sob efeito alcoólico, da cobrança da faculdade.

As mães donas de casa trabalham: em casa, cuidando dos filhos, cozinhando para o marido, fazendo a faxina semanal.

As mães que trabalham fora de casa trabalham e retornam: daí cuidam da casa, dos filhos, cozinham para o marido, fazem a faxina semanal.

Os cães correm pelos pátios, entram em suas casinhas para fugir da chuva, comem, rolam na grama, comem de novo, dormem presos em suas coleiras.

Os prédios aparecem na cidade, de repente, sem que se dêem conta, vão desbotando com o tempo, são repintados, alguns são demolidos, outros não, permanecem lá por anos.

A cidade permanece suja, imunda, os garis limpam-na de madrugada (tentam), varrem e varrem, e no outro dia, tudo igual.

As Camilas nascem, crescem, vão para a escola, aprendem a tocar algum instrumento ou entram para o coral, menstruam, se interessam pelos meninos, sonham com um grande amor, depois já não sonham mais, vão para faculdade, trabalham em lojas, ou fazem algum curso, sonham com homens novamente, algumas casam, outras não, têm filhos, outras não, buscam alguma solução para amenizar as rugas e deixar menos evidente a passagem do tempo, mas como todo ser-vivo, envelhecem e morrem.

As tecnologias evoluem, mudam, fazem tudo parecer efêmero e descartável, como a vida. Continuam sendo acessórios desejáveis e cada vez mais indispensáveis (menos acessórios, mais essenciais), acentuando a desigualdade social.

A terra gira em torno de seu eixo, demorando mais ou menos 24 horas, também ao redor do sol, aproximadamente 365 dias, (mais aquelas 6 horas que compõem o ano bissexto) definindo as estações do ano e ficando cada vez mais quente pela maldita depredação do meio ambiente que, apesar de se falar cada vez mais disso e de se criar um número cada vez maior de pessoas engajadas e realmente com uma vontade de virar este quadro, a situação só piora.

Tudo continua igual, concluo, ninguém sentiu falta, não fiz diferença.

27 junho 2010

querer é poder?

Era chegada a hora. Pensou em escrever algo marcante de sua vida. Poderia ser sobre suas viagens realizadas, sobre as ruas de paralelepípedos por onde andou, sobre as comidas que experimentou - sentiu-se mal com algumas, é verdade. Tinha tantas coisas a escrever! Os artistas de rua, os castelos de pedra, as casas antigas, os prédios pequenos, o mar, ah, como era lindo e cristalino, aquele mar. Poderia escrever também sobre as pessoas, diferentes etnias, gentes de todos os lugares. Diversidade, um belo tema.



Mas suas viagens já datavam de muitos anos, e ele já era um senhor idoso... Conhecia as limitações de sua memória. E, naquele momento em que mais desejou escrever, também sentiu a maior das frustrações e o maior dos brancos.

22 junho 2010

Esquecimento

Beijei quem não devia,
comprei o que não queria,
briguei na hora errada,
não pensei no que fazia.
Trabalhei querendo descansar,
comi querendo vomitar,
saí da cama querendo ficar,
corri querendo andar.

Esqueci de mim,
deu um branco de quem eu era.

20 junho 2010

Deu Branco?

Madrugada, algum lugar do mundo, chuva fina cai lá fora, ela acorda sacudindo o marido:

- Amor, escutou um barulho no quarto das crianças? Acho que a Juliete tossiu.
- Nêga, tu tá bem? Não temos crianças...
- Oswaldo! Como assim não temos crianças? Elas são o que então? Cachorrinhos? Vai lá ver se a Juliete tossiu.
- Temos realmente crianças? Já volto...

Passados dez minutos...

- Annn... Eles estão dormindo. E qual é mesmo o nome do menino?
- É Hudson. Tu tá brincando né?
- Claro amor. Te liga. Acha que é possível alguém acordar no meio da noite desmemoriado?
- Hehe... abobado. Vem dormir. Boa noite.
- Boa noite... Te amo...
- Também...
- Annn... Linda, temos cachorrinhos?

18 junho 2010

Nova York e Solidão

Nova York e solidão: são como sinônimos porque um remete ao outro, ao menos para quem mora em NY. Mas quem não mora lá sabe que a solidão é algo que acompanha em todos os lugares, sejam grandes cidades ou pequenos vilarejos. A diferença é que nas metrópoles há grande e real necessidade de esconder tal sentimento - porque quem é bem-resolvido não fica triste, mas sempre feliz. Ele ficava às vezes triste às vezes feliz, e nas vezes em que não se enquadravam nas vezes da felicidade, ele atuava: inaugurando todo o dia uma nova peça de teatro para qualquer novo espectador (fosse de Manhattan ou Nova Delhi - apesar de não conhecer ninguém de Nova Delhi). Em Nova York há solidão, tanto quanto em Nova Delhi. E nas ilhas também. Em certas ilhas há vulcões em erupção. Ele era um vulcão a explodir, sempre pronto, sempre a postos

A postos de uma nova máscara
máscara de uma ida
farsa de tua sobrevida.
Solidão corrói,
ainda mais
sem ser repartida.

Toma posse o presidente Obama, mas isso não faz diferença, porque solidão não sai por decretos, não adquire novos tetos - está sempre ali. Ele era uma pessoa solitária, mas a solidão lhe fazia companhia: e isso por si só tão logo lhe bastava. Basta a monotonia, viva toda a alegria. Foi visitar a Estátua da Liberdade para trocar de vida - fingir ser turista. Porém antes de pegar a fila, parou, porque de turistas todos temos um pouco, ficando só de passagem nessa estranha e viva vida. Além de turistas, também prisioneiros: duma rotina que nos segue como fantasma atrás dum alimento que nem nós sabemos. Então ele parou e depois sentou pensou que deveria voltar - a algo que não sabia mas lhe fazia bem: rotina. Que previne inseguranças e não lhe traz nada de errado. Lançou-se ao lago quando poderia ser rio: calmo quando seria agiado: parado quando em movimento.

Movimento nos sistemas
de possibilidades improváveis
mas que graças a algo
não o são.
Sem um porquê
aparentemente inexplicável.
Sem um sentido
quando não se é pra tê-lo.

Mas assim ele fez. Quando poderia lançar-se ao mar, lançou-se ao lago, limitiado mas ainda conhecido. Muitas águas rolaram, muitas águas rolariam:
pena que todas já tão conhecidas.
Voltou para casa e para uma vida que, sem Ele saber, nunca transcorreria qualquer grande emoção.
Viveu em paz para sempre.

15 junho 2010

de rua

Minha vida é diferente da sua. É, pode apostar. Eu sei que você não acredita, porque tem seus próprios problemas e, afinal de contas, quem não os tem? Não se preocupe, eu conheço bem as pessoas e os mecanismos que regem seus atos e seus pensamentos e não hei de julgar ninguém por subestimação. Sei que, para cada um, a própria vida é maior que as demais. E como pensar de outro modo? Dar-se conta de que a nossa vida é só uma no meio das outras e que ela nada tem de importante e relevante pode ser fatal. Mas não para mim. Eu disse que minha vida é diferente. Eu vivo em lugares diferentes - dia por dia. Posso voar sem ter asas. Tenho todo o conhecimento à minha disposição de graça e a qualquer hora. Tenho idéias e as escrevo na ilusão de que não se percam - mas eu as tenho. Vejo longe. Vejo dentro desse organismo que chamamos de cidade. Minha cama nunca é a mesma da noite anterior. Só minhas roupas se mantêm. Carrego a vida em uma mochila velha ao redor de um lugar que eu nunca conhecerei por inteiro - embora possa conhecê-lo sem sair da calçada. Minhas mãos tocam paredes e troncos de árvores e bancos de praça que milhões de outras já tocaram, e isso me põe em contato com aqueles que nunca conhecerei. Tenho inteligência e capacidade para muito mais, para quem sabe ser rico, mas escolhi o outro lado. Assim, as pessoas passam por mim e fingem não me ver. Algumas sentem pena, em seus caminhos de volta para casa, enquanto divagam sobre a desigualdade do mundo, mas sem saber que aquele a sentir pena sou eu. Pena da pequenez. Da falta de visão em vidas que, não fosse isso, seriam tão promissoras. Você agora pensa em quanto sou imbecil e arrogante, talvez. Mas eu repito: não hei de julgá-lo. Porque você e outros tantos seus semelhantes são a prova de que eu necessito. São meu meio de saber que estou certo. E vocês passam por mim todos os dias. Provam-me todos os dias a veridicidade do que penso sem dizer uma palavra, sem dar um passo fora da linha imaginária que seguem. Eu morri para você. E morri também para o mundo e para as outras pessoas, mas continuo vivendo. E, no dia em que eu morrer de verdade, eu ainda continuarei vivendo.

11 junho 2010

Mau da Pinga

 Xiiiiiiiii...

....
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Hickup!
Essa caipirinha....me deixa tonto...confuso...e me dá ummm........


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Hickup!

09 junho 2010

Só sei que a morte é certa.

E confusa.

Afinal, há vida ou não há? Existem espíritos bons e maus, que nos influenciam de alguma forma? Ou, depois do corpo decomposto / incinerado / qualquer outro destino, nada mais permanecerá, nem alma?

Não há mais tempo de voltar atrás para reparar os erros, embora aqueles que acreditam em reencarnação dirão que sim, é possível, mas em outro corpo, quem sabe em outro século. Outra realidade.

Estou nesse universo paralelo e ainda não sei o que definir. Deixei, ou melhor, tive que deixar tudo, abrir mão de tudo e eu, que sempre fui uma pessoa convicta em minhas atitudes e falas, agora me vejo em um emaranhado de muitas dúvidas e poucas certezas.

Tudo me parece mais uma corda bamba, uma roda-viva. Apenas tenho medo de que, quando eu encontrar a luz, seja tarde demais.

08 junho 2010

Meu viver é morte

Morri. E agora?
Vivo a minha morte como antes minha vida? Agora que vivo a morte, ela se torna minha vida e acho que a vida é minha morte. Porque eu antes sempre pensava a morte como “o lado de lá”, aquilo que é inalcançável até que se alcance. E a vida a ser aquilo que eu detinha, que eu vivia. Porém tenho a morte em minhas mãos e isso me leva a um paradoxo pois ela passa a se tornar vida e a vida vira morte. Eu vivo a morte. E depois quem sabe morro a vida. E pensar nisso me leva a perceber na efemeridade do nosso viver que num dia é morte e noutro é vida: em como são etéreas nossas percepções das coisas e pessoas e saberes. Somos egoístas. Porque moldamos todas as leis do universo a nosso modo e todas as ações de tudo tendem a um final: nós. Porque os animais silvestres são enjaulados por poderem nos machucar: culturas são cultivadas para nos alimentar: planetas explorados para fingirmos saciar. Tudo é nós e nós estamos em tudo. E depois reclamos do catastrofismo do universo que responde aos nossos chamados e acaba por nos prejudicar mas é apenas a lógica dos universos, pois se agimos de maneira que tudo tem a ver conosco, tudo haverá de ser conosco. E não entendo, não entendo no catastrofismo pseudoideológico e tampouco no pessoal, há tantos motivos para que nos abalemos, e escolhem as festas ou trabalhos ou os pais, mas em que escala há de sermos egoístas? Morri minha vida, mas penso viver minha morte em paz
Na esperança de que tudo há de se velar
Todos os teus dramas
Tuas feridas
Que agora parecem não cicatrizar
Hão de se fechar

Tua ferida é grande
Mas a do mundo
É bem maior.

07 junho 2010

Morrer não tem graça

Olhe só... Veja você... Quem diria? Eu, morrer daquele jeito! Não imaginava. Agora eles estão ali no meu enterro. Que lastimável. Ora, ora, ora, vejam só quem está ali. Aquele canalha, maldito, calhorda de uma figa! O que está fazendo aí humm? Veio rir de mim é isso? Hey, o que é isso no seu rosto? Lágrimas? Você está chorando por mim? Oww, pucha, eu não esperava por isso. Você me deixou triste agora. É como dizem, enterros mexem com as pessoas.
Hey, espera aí. Se eu estou morto como posso ainda ter sentimentos? Minha nossa! “Alaaah” eu “rapá”... Que fumacinha é essa no meu pé? Ih... "Alaaah" to flutuando! Sério, tem alguma coisa muito estranha acontecendo aqui. Eu nunca tinha morrido antes, mas acho que não deveria ter sentimentos numa hora dessas. Tão pouco consciência! Bom, de qualquer forma, morto eu estou, definitivamente. Até porque meu corpo está aqui na minha frente, tenho fumaça nos meus pés, flutuo e estou mais branco do que nunca estive. Sim, morri. E agora?
Já não era hora de eu estar me encaminhando para o juízo final ou algo do gênero? Droga. Sinto que em breve algo vai acontecer. Hey, tive uma idéia brilhante. Vou aproveitar que ainda não passaram as regras da pós-morte e vou viajar para conhecer o mundo!!! Será que eu posso? Veremos...
Ah! Que sem graça. Grande coisa a muralha da china. Eu nunca mais volto às pirâmides do Egito. Que lugar longe! Flutuando bem que eu poderia ir à velocidade da luz, ou ao menos atingir o Mach2 pocha. Vou reclamar muito no twitter do chefão do setor de pós-vida. Eles devem ter twitter aposto! Todo mundo tem. Não tenho mais nenhum motivo para olhar a aurora boreal. Não posso nem dizer mais como é bom estar vivo para assistir tamanha maravilha. Que calúnia! Sabe, cansei de morrer. Essa é a primeira e última vez que entro nessa “indiada”. Vou até avisar meus amigos que não morram. Tem a menor graça. Nem o banheiro feminino tem graça! Imagine! O banheiro feminino!
Queridos amigos...


- Você está expressamente proibido de fazer isso.
- Ai Jesus! Quem és tu José?
- Meu nome é Miguel. Devo te lembrar que tens o livre arbítrio, mas se escrever essa carta você poderá parar em um lugar muito desagradável.
- Créééédo em cruz! Meu Deus... A pomba fala!!!!!
- O que diabos você está falando homem?
- Ah quem você está chamando de homem? Nãos vês que sou um espírito agora pomba?
- Pare de me chamar de pomba!
- Mas você tem asas!
- Eu sou um anjo. Na verdade sou um arcanjo para ser mais específico.
- Caraca!!! Bom, isso explica esse seu chapeuzinho.
- Você... Você... Você... Tem noção das besteiras que fala?
- Mas é claro que sim! E você acha por acaso que eu sei o que eu falo? Ops, digo... Bom, você entendeu.
- Pai! Perdoai. Ele não sabe o que diz.
- Jesus!!!!
- NÃO! Sou Miguel. E você vem comigo agora, antes que blasfeme mais.
- E para onde nós vamos senhor São Miguel das Pombas?
- ‘¬¬
- O que foi?
- O chefe quer falar com você. Algo sobre seus textos de baixo calão que escrevia quando era vivo. Parece que ele gostou de você.
- Que bom! Tenho alguns assuntos a resolver com o chefão...
- Seu tolo! E faça o favor de me seguir.
- É claro! Qual seu twitter?