10 novembro 2010

Dois dias

Entrou na escura avenida aumentando a velocidade. Mãos trêmulas ao volante, suor escorrendo pelo rosto e uma desesperada vontade de não parar. Seguir em frente, aumentando a velocidade, seguir indo, sempre. Ele fechou os olhos por um segundo.
Choque – um caminhão acelerava com direito no sinal verde.

Algumas horas antes.

Finalmente foi chamado. Entrou sorrindo, aliviado por poder resolver esse assunto e ir para casa. O problema intestinal iria facilmente ser solucionado com medicamentos e boa alimentação.
- Você tem câncer. Choque.

Um dia antes.

Chegou cansado do trabalho em casa, queria tomar um bom banho, jantar com a esposa e ver alguma comédia na televisão para não pensar em nada. Logo que entrou percebeu a TV desligada e estranhou, foi procurar Cecília. Ela estava no quarto do casal, sentada na cama com as pernas cruzadas e um olhar incomum. Ele se aproximou, perguntou o que estava acontecendo.
- Estou grávida. Choque.

05 novembro 2010

Choque

Todas haviam feito o serviço, só esperavam pela última, a mais velha, aquela que ninguém acreditava. Foi então que a galinha mais nova, gaiata, cacarejou:

- E aí minha tia? Quer que eu choque pra ti?

A senhora galinha ergueu o pescoço, olhou para cima e cacarejou muito alto:

- Choqueeeeee!

Em três segundos o galinheiro estava tomado pelo batalhão de choque da brigada militar, entraram atirando. Gemas, sangue e penas se esparramaram pelo lugar. No canto, tremendo, balbuciando algo que não se entendia, estava a galinha moça. Veterinários atestaram estado de choque.

Nostalgia

Pedi uma cerveja.

Ao ver a garrafa, lembrei do guaraná frisante que todos os dias comprava no bar da esquina. O tio me dava o troco em bala.

Bons tempos do guaraná frisante.

Quando eu voltava pra casa, todos na mesa de jantar estavam esperando, a mãe sempre fazia umas comidinhas gostosas, cheirosas. A mãe também era muito cheirosa, o pai vivia dizendo isso. Jantava, fazia o tema e ia dormir.

Bons tempos do guaraná frisante.

Pedi outra cerveja.

Distante está

Distante está,
meu coração do teu.
E minha língua suplica aproximar dos teus lábios.

Distante está,
meu coração do teu.
E minha saliva implora misturar com teu suor.

Distante está,
meu coração do teu.
E minha pele roga friccionar na tua.

Distante está,
mas esqueça o maldito coração.
Como a um velho louco não daremos bola,
vamos viver de tesão.

01 novembro 2010

GOSTO

Se um gosto pudesse ser o gosto da nostalgia seria o das balinhas Xaxá.

Abacaxi era o que vinha escrito na embalagem, mas hoje quando eu penso no gosto dela, é gosto de esperar o sinal bater para o recreio, é gosto de se preocupar com questões da profundidade da tarefa que tem que ser feita para segunda-feira ou em qual poema vou declamar no dia das mães; gosto de não ter que ficar escolhendo uma roupa para sair sexta à noite, esperando que ele me ache bonita, de não ter que lavar a roupa todo domingo ou pagar a conta do celular, gosto de brincar de esconde-esconde no final da tarde, de estátua e de casamento-atrás-da-porta pela manhã, gosto de olhar o mapa e viajar para vários países em uma leitura rápida do Almanaque Abril, gosto de dançar até começar a doer do lado da barriga e de fazer competição pra ver quem come mais brigadeiro na festinha de aniversário.

O gosto é doce, a lembrança chega salgada dos olhos até a boca.

Alessandra Boos

22 outubro 2010

Poeminha nostalgico

Eu sou toda vícios
Vícios de linguagem
De saudade
De desespero
E manias de perseguição
Tenho a rotina do sofrimento
A cada pessoa que vai embora
Como se atirasse uma pedra
Naqueles dias que passarão.
É tão marcante, que até no Velho Mundo
É possível sentir saudade (daqui).
Lembranças clarinhas e sem brilho,
Iluminam o rapazinho,
Que brincava com a avó
E lembra-se do cheiro da velha morta
Alguns anos depois
No talco que a dona limpa o seu bebê.
Lembrou-se da infância e do colarinho
Manchado de batom
Do pai cretino,
E das piadas tristes dos vizinhos.
Ah!


O tempo é uma angústia sem fim.
Júlia Fraguas

18 outubro 2010

um pouco de mim, distante

Gosto de caminhar na praia e de pensar na vida e nas coisas. Quase sem querer, distancio-me da área de banho; distancio-me da área de pesca; distancio-me de casinhas, cadeiras e guarda-sóis. Prefiro andar dentro da água, ao invés da areia quente e fofa.

Essa é a forma que eu encontrei de me distanciar do mundo e também de mim. Com a imensidão do oceano (quantas distâncias são possíveis de se imaginar através dele?), fico próxima das palavras que não falo, nem escrevo. Apenas penso: resoluções de começo de ano, reflexões sobre o passado, diálogos imaginados... Tantas histórias, o dia ensolarado e a(s) praia(s) semi-deserta(s) ao longo dos quilômetros.

Minhas caminhadas na praia são, quando muito, anuais. Ah, se eu tivesse a sorte de encurtar as distâncias Porto Alegre-Mostardas e meus pensamentos-mar e areia, diariamente...  Nem poderia descrever a sensação de paz.

12 outubro 2010

É uma longa jornada

Ontem Eu decidi me afastar de Mim para procurar respostas. Eu é essência, Mim é carne. O meu fim é Eu Mesmo - a essência intocada -, sendo Mim o ponto de partida. A distância entre Eu Mesmo e Mim eu desconheço, porém este desconhecimento me fascina. É uma guerra de personalidades, e o que me destrói é que Marcel é o campo de batalha. Não sei quem vencerá, só sei que ao longo do caminho perderei pedaços, e quanto mais tempo levar, mais pedaços perderei.

(Porém temo, temo não percorrer essa distância a tempo de conseguir me postar de pé)

terceiras intenções

Eu não sei o que escrever sobre distância, porque distância é abrangente demais. Eu estou distante de uma série de coisas de que às vezes eu gostaria de estar perto. Outros países, outras pessoas, outros lugares. Mas, uma vez nesses lugares, eu me pergunto se, então, não gostaria de estar perto das coisas que estão aqui agora.

11 outubro 2010

I love the sound of you walking away

Eu te vi indo embora do baile da semana passada quando não reparasse nos meus sapatos de salto alto, nas unhas vermelhas e no meu cabelo plissado. Eu fui fumar cigarros com os outros garotos e a cada baforada eu espiava para ver onde tu estavas, mas então chegou a hora da baladinha e me perdi em delírios de bocas e mãos que se tocavam, a minha saia que escorregava pelas minhas pernas, que se prendiam às tuas e eu escutava o barulho das coisas caindo no chão enquanto tu me jantavas sobre a mesa de comer. A gente começou pelos doces beijos e foi para as salgadas bebidas que eram oferecidas pelos nossos corpos. Ah, que banquete foi aquele! Mas então tu já estavas na porta indo embora, e eu reparei como eu te adoro. Mas eu te adoro mais ainda quando tu não estás aqui.


Alessandra Boos

Amantes

Quando perguntavam há quanto tempo estavam juntos, ele prontamente respondia:

- Somos amantes a mais de vinte e cinco anos.

Não raras vezes se podia notar o suspiro de quem escutava a resposta, um casal com tanto tempo de relacionamento, ainda cultivava o fogo dos amantes.

Parece romântico caro leitor?

Pois não é.

Ele é casado com outra mulher há trinta e dois anos, tem um cachorro, quatro filhos e dois periquitos.

07 outubro 2010

Sozinha em casa

Tão longe da plenitude
Continuo procurando pela juventude do nosso romance
Vamos trazer todas as nossas memórias aqui pra dentro
Lá fora está tão frio,
O frio do desamparo pode danificar
E o ônus, vai acabar, vai acabar.

- Eu estou morrendo de saudade de te amar – o marido pelo telefone.
- Te beijar, tirar tuas roupas, te pegar pelos cabelos... – a mulher.
- Te olhar novamente, analisar o brilho dos teus dentes – a distância faz ele querer amá-la ainda mais.
- Abrir tuas pernas de repente, ir devagar, até a goela. – ela não agüenta mais esperar.
- Te fazer a janta quente, te dar carinho como se estivesse doente – imagina com afeto.
- Te enlouquecer, te fazer gemer até ouvir teus gritos de prazer... – enlouquece sozinha, e resolve se amar.

Sozinha também.


Júlia Fraguas

Te amo na distância

Pensando bem, amor, meu grande amor, isso não é amor. Um reflexo da distância, simples como o da água, distorcido com o vento, imaginário.

Essa impossibilidade de estar junto, de amar todos os dias, de ouvir a voz e de sentir o corpo dele por perto, estimula o amor. É a falta que alimenta o romance. A saudade cria histórias inexistentes. Quanto menos te vejo, mais belo pareces. A distância cresce e fermenta teus atributos. Imaginação cretina e ingrata. Faz essencial tudo que é impossível.

Amor não resiste à distância, não. Ele se enche de pó, de teias de aranha, de ontem. Amor embrutece com o vazio. Ele se distorce até apresentar outra forma, outro. Te amo na distância, mas não é amor... Ou não é tu.

04 outubro 2010

Amantes

E amava antes.

26 setembro 2010

Conversas Alheias

Todo santo dia, pego o ônibus, coloco o tocador de emepetrês nos ouvidos e mando bala no volume. Fico ali, admirando a paisagem, pensando asneiras e cantarolando refrãos, ou nos dias de cansaço, tirando soneca.

Introduzi essa rotina na minha vida depois que inventaram o emetrês e os celulares com auto-falantes, que também tocam emepetrês, maldita tecnologia. Ou maldito inventor do funk carioca, que é tocado nesses malditos celulares, diariamente, nos coletivos da cidade.

Pois bem, para não escutar canções escrotas de pessoas escrotas, sendo escutadas por outras pessoas escrotas, tampo meus tímpanos para o mundo e fico dentro da minha cabeça.

Só que hoje a bateria do meu tocador acabou, logo depois que embarquei. Pensei que era o começo do martírio, que longos vinte minutos seriam realmente longos. Engano meu, o ônibus estava meio vazio e os escrotos não se encontravam por ali, a paz reinava naquele lugar. Como era dia de cansaço, encostei o melão no vidro, fechei os olhos e esperei o soninho chegar.

Quando comecei a cochilar, a entrar no mundo de Morfeu e seus sonhos, escutei vozes ao fundo e voltei. Um papo animado rolava atrás de mim, o papo me animou também, fazia um bom tempo que eu não escutava conversas alheias no ônibus. Papo vai, papo vem, eu ali fingindo que dormia, a menina com voz mais aguda sussurrou, alto o suficiente para meus ouvidos:

- Ainda tô com teu gosto na boca.

No que a outra respondeu:

- Hoje tem mais, sua putinha gostosa...

25 setembro 2010

brilho eterno de uma mente sem lembranças

O arrependimento é sempre - sempre - a esperança de que as coisas sejam diferentes. Porque não vão ser. Há tempos se sabe que não. Há bem mais do que se gostaria. Então por quê? É igual. A mesma ausência. O mesmo abandono. Do nada. E não se sabe por quê. Nas vezes em que se tenta. Ser feliz. Fazer feliz. Qual é o problema? Por que acaba igual? Por que fazem a mesma coisa? E dói tanto. É uma coisa no fundo, não se sabe explicar, e deixa você com um vazio tão grande e você não sabe o que fazer com as mãos e então você só chora, chora, chora. Porque parece que chorando até os olhos arderem e até dar dor de cabeça e até acabar com metade da caixa da lenços aquela dor vai diminuir. Mas não vai. E talvez o problema maior não seja a dor, mas o fato de não se saber por que ela existe. E no meio do desespero você se pergunta e fica tentando achar motivos e explicações que você não tem, por mais que você queira. Aí você vai dormir e quando acorda no outro dia parece que passou, e você tenta de verdade pôr qualquer ordem na sua vida e focar em qualquer coisa que não seja o que vai cutucar aquela dor, mas não passou. Continua do mesmo jeito. E quando você chega em casa e fica sozinho tudo volta outra vez. A dor, o choro, o desespero. Você tenta saber por quê, mas não dianta. Você tenta falar, mas não adianta. Você tenta escrever, mas não adianta. Nada faz passar. Nada tira aquilo dali. Nem mesmo tempo, porque se fosse assim as pessoas não pensariam no passado quando isso só fosse trazer sofrimento. Mas elas pensam. Todo o mundo pensa. E não passa. Só dói, dói, dói. É quando tudo o que se gostaria era de poder voltar pra casa - pra casa, de verdade - e ficar lá pra sempre. Porque lá se está seguro. Pode continuar doendo pro resto da vida, mas se está em segurança. Mas não se pode voltar sempre. E aí dói mais ainda. Só aumenta. A dor, o choro, o desespero, a desilusão, a saudade. É sempre igual. E não passa. Nem isso nem raiva que se sente de si mesmo por deixar que façam isso. E por acreditar que vai ser diferente. Porque não vai.

24 setembro 2010

Erniei

Descobri que ao olhar pra ti
Naqueles três segundos que falei,
Tu sabes, aquele
Teu rosto torna-se amarelo e gasto
Tu és o rei da Bélgica
Bélico.
Que se apossua de senhoras meninas
[de pouca vida,
Cheias de vontade e subjetividade.
Loucuras invasivas,
E eu mudo-me de lugar
*oleósos os cabelos
e tanto irrita o quanto me movo
tudo para parecer a rainha da Espanha,
Joana, aquela de Bandeira,
louca e efêmera.
Com tanta gana de ser possuída
Pelo amarelo da face gasta
e imunda de sexo.
"Minha bela" não serei,
E nem me terás, tudo o que queres
Mesmo que tão Bélico sejas,
Não é do meu agrado fazer-te algum mal
Rei bósnico, com sua pulseira dourada
Fale mais gravemente para eu poder tirar,
O amarelado dos meus lençóis doentes
E o arranhar dos pêlos,
Pêlos da face que me olham e eu juro que ouço falar,
Falar e que me tiram pra dançar
Nos sonhos mais eróticos que eu pudesse imaginar.
E como eu queria me entranhar no casaco de minha irmã
Para degustar do mau gosto monárquico.
E se por ventura não puder continuar,
É porque o rei bósnico começou a tagarelar,
E seu cheiro de iodo me lembrou de novo,
O hombre de boina.
Já que parece moderno e tão ambíguo,
Eu lhe digo que sempre falo dos mesmos,
Que tanto temo estarem de mau humor ou com pressa
Para encontrar seu esquilo de estimação,
Que deve estar esperando na carroça.

a mulher, o professor, o nerd e o perneta.


Júlia Fraguas

20 setembro 2010

Na hora certa

No banco de trás:

- Pra quem tu tá dizendo oi, meu filho?
- Pra ele ali.
- Pro moço da moto?
- É.
- Mas ele não vai te ouvir daqui...
- Vai sim, eu conheço ele.
- E da onde que tu conhece ele?
- Ahn...da casa dele!
- Tu já foi na casa dele?
- Já!
- Quando?
- Ah...eu não fui não...(risos)
- (risos) Então de onde tu conhece ele?
- Ah, eu sou o Pedro Duarte e conheço todo mundo!


Do lado, um carro passando:
"...131, nosso voto é assim, sou do Rio Grande, sou Paulo Paim..."

*como será que nascem os políticos?*

15 setembro 2010

O importante é tocar.

Conversas não dizem nada, e sim o toque, o encostar-se às coxas, a mão no cabelo, o beijo no rosto,
e o roçar da barba, palavras jamais vão substituir o movimento, a sintonia, o ato, seja ele qual for.
A surpresa de encontrar-se num lugar inesperado, mesmo que tenha sido forçado.
Aquela coisa magnética de perguntar o que tu estás fazendo aqui, aquele beijo no rosto que a vontade verdadeira era de ser no pescoço,
e fica aquele caroço, aquela ânsia de que depois vai ser tornar esperança, esperança de se encontrar em outro lugar, em outro cenário,
que lembram canários cantando, ou a lareira acesa, cheiro de café e suor, que está saindo pelas costas, o outro não vê, mas está ali o tempo inteiro,
perguntando se deve descer, se entregar ou não.
A conversa só serve pra o passar, porque qualquer conversa sempre tende a mesma coisa, pro mesmo caminho. Definitivamente todos os caminhos são iguais,
sempre levam pro mesmo destino, o tocar, o ser, o juntar das palavras são tão automáticos e a única coisa a fazer é torcer pra que da boca saia algo convincente, pra realizar a única vontade que o ser humano realmente deseja.

Júlia Fraguas

13 setembro 2010

You told me to wash and clean my ears

Tem uma joaninha no meu ouvido, ela
disse que o mundo é mágico
mas que ali
por dentro de onde ele tá
é mais ainda.

Eu disse que ela parasse de falar, mas ela respondeu que era só esquizofrenia.


* O título é um trecho de Mississipi Goddam, da Nina Simone.

12 setembro 2010

Ouço conversas desvairadas
Apelos, planos e pessoas passando vergonha.
Enquanto se espera, enquanto se anda
Cada um faz a sua fama
Contando suas mentiras,
E ignorando os fatos
Que os fazem tão desinteressantes
Porquinhos alienados,
Achando sua vida o máximo.
Nunca admitindo suas perdas
E sempre se glorificando,
Há tanta besteira para se ouvir nessas
Conversas alheias

Enquanto escrevo o lixo me cerca ,
Vozes rasgadas de pelo ódio dessa gente chata,
E como reclamam de suas vidas medíocres,
Dos planos fracassados e utopias imundas.


Júlia Fraguas

08 julho 2010

qualquer coisa

Foi a primeira vez, em um dia frio de junho, que duas mentes se uniram naquela praça. Pela distância, pelos pensamentos e pela vontade de algo de que ambas não tinham conhecimento.

Pode ser qualquer coisa, eu pensei. Então para que pensar? Se pode ser qualquer coisa - qualquer coisa -, que seja qualquer coisa, então.
Ele observava de longe, sentado no banco mais afastado que pôde encontrar vago. Olhava ao redor fingindo desinteresse por tudo aquilo: as crianças encasacadas correndo, os velhos passeando, uns casais sentados sob o sol sobre mantos na grama úmida, bicicletas, cachorros e bolas passando. Ele fingia bem aquele desinteresse, enquanto bebericava o quentão no copo que segurava com as duas mãos, a fim de mantê-las temporariamente aquecidas.
Eu passeava os olhos pelas páginas de um livro já lido, fazendo anotações em um pequeno caderno, olhando para o mesmo cenário; com interesse não fingido - olhos de quem aprecia.
Ele me olhava de seu banco, longe, do outro lado da praça, e pensava se valeria a pena. Uma tentativa de aproximação, de diálogo. Achou-me bela, julgou minha beleza despretensiosa mas consciente, imaginou que livro eu tinha em mãos e o que estaria escrevendo.
Eu apoiei minha caneta sobre o livro enquanto mudava as pernas já meio dormentes de posição. Olhei para ele em seus trajes de inverno, enrolado em uma manta que escondia seu pescoço. Os cabelos sendo bagunçados pelo vento leve que soprava, o vapor saindo de sua boca enquanto ele respirava. Divaguei sobre a hipótese de conhecê-lo, sobre o que falaríamos quando estivéssemos lado a lado confortados pela intimidade - será que ele gostava de chocolate branco?
Ele pensava no dia seguinte e nas coisas que gostaria de fazer antes do início da semana. Imaginava qual seria o gosto de fazê-las em minha companhia - será que eu gostava de chocolate branco?
Eu, aqui, em meu mundo, não soube que rumo dar ao que se pronunciava. Não tive certeza de qual seria meu foco dali por diante: a observação do mesmo cenário por olhos diferentes, a eficiência ou não de aproximações e diálogos entre desconhecidos ou os temas que me foram estabelecidos anteriormente.
Pode ser qualquer coisa, ele pensou. Então para que pensar? Se pode ser qualquer coisa - qualquer coisa -, que seja qualquer coisa, então.

05 julho 2010

Junho

Acho que primeiro me apaixonei pelos dentes os dentes
são perfeitos não pode haver uma boca mais perfeita.
Te amo Max. Te amo mas em janeiro meu boneco.
As Meninas, Lygia Fagundes Telles

Ele vive no Brasil e por isso não existem bonecos-de-neve, mas ainda vai ao parque sentar nas praças e imaginar que cada árvore é um boneco que cada boneco é uma árvore - cada criança é um adulto e adulto é criança. A praça é ele, e ele é a praça. A praça se chama Camilo e ele se chama Praça das Flores. Ninguém nunca parou para pensar o que aconteceria se todos os papéis do mundo fossem invertidos, não os papéis de destino [?], mas os papéis representados - porque ele é a representação de um jovem e um jovem é a representação do ser humano: mas e se a representação dum jovem fosse um cão? E se algumas pessoas tivessem a habilidade de viver 12 segundos da vida do outro, Camilo pensa mas não sabe. Camilo, não: Praça das Flores. É em junho que a praça fica mais bonita por causa do: frio. Camilo não é feio e sai em fotografias com casacos forrados e jeans desbotados mas mesmo assim não é feio. Todos dizem que é ele quem mais chama a atenção nas fotos: mas Camilo diz que quem chama é o frio. O frio não sai em fotos, mas ele diz que sim, porque se manifesta nas feições de cada um. Cada um de nós tem uma feição para cada estação, e a feição de Camilo no inverno é a mais bonita. 

A minha feição mais bonita 
É a que não tenho pra você.
A que escondo todo dia
Pra te ver. A que cultivo todo o ano
Pra me ter
Guardando todo o santo dia
(Um dia pra
Você.)

Em junho a praça fica mais bonita, assim como Camilo. A praça mais intimista e Camilo mais hermético. Eu acho que no fundo no fundo, ser hermético é ser bonito - ser bonito é mais hermético. Eu tenho um pouco de intimismo dentro de mim, quer dizer, porque ninguém lê meus pensamentos. Mas Camilo se esquece: se esquece que a praça suga tudo, as Flores captam a luz mais ínfima e o pensamento mais retrógrado, não há como esconder-se apenas resta o conformismo de que um a um somos herméticos para um e para todos, Camilo não lê o pensamento dos outros, mas os sente: mas entre saber e sentir - esconde-se um abismo que mata tanta gente, que afoga sim quem pense em cruzá-lo. Camilo é diferente porque tenta. Camilo tem Junho dentro de sua alma, e Junho tem Camilo em sua estação: porque no inverno todos ficam mais bonitos. Não por esconderem em casacas suas gorduras e estrias, mas porque no inverno todo mundo é hermético. E ser hermético é bonito: não pros outros: mas pra si, porque Camilo sabe que a beleza está nos olhos de quem vê: e só o intimismo cria tal olhar.

Camilo corre pela praça
E esquece que pisa em folhas dumas árvores
Que antes eram ele. As árvores
Eram bonecos-de-neve.
Bonecos não falam:
Mas escutam.
Adultos não escutam:
E parecem só hablar.

Adultos em Junho.
Camilo em cada estação
(Não de trem, mas daqueles que se sente
Pela pele. Aquelas
Que os poetas tentam escrever.)
Camilo não escreve:
Camilo pensa.

(Camilo em Junho é mais bonito.)



02 julho 2010

Papel em branco

Queria ter um quarto vazio. Se eu um dia tiver um apartamento só meu, gostaria de ter um quarto extra. Um quarto que ficasse vazio, sem absolutamente nada dentro. Paredes brancas e o espaço. O vazio.
Tenho uma verdadeira paixão por páginas em branco. É o que há de mais estimulante. Imagina tudo que pode surgir, tudo que pode ser feito! É um sentimento de liberdade, de total independência. Não precisamos nos preocupar com o que vai ser feito, com como ou quando... Existe apenas a certeza que qualquer coisa pode sair dali. Transformar, criar, inventar, mudar, destruir. O que der vontade.
Tento carregar comigo essa idéia: de tudo que faço, nada precisa ser feito, tudo pode ser feito. O mesmo penso das pessoas que conheço, elas são papéis em branco, papéis apenas.
Alguns papéis vêm com linhas já desenhadas, outros são muito antigos, já meio amarelados, mas ainda sim, prontos para qualquer coisa. Alguns estão aos pedaços, rasgados, amassados, quase prontos para o lixo. Alguns são coloridos, engraçados. Alguns vivem em cadernos ou blocos, outros são avulsos, solitários. Tem papel manchado, sujo. Tem papel com coisas escritas, desenhadas e alguns ainda guardam vestígios de algo que foi apagado.
Qual é o seu papel? Deu branco?
Que ótimo, é uma oportunidade para escrever algo novo.

29 junho 2010

Morri, e agora?

As crianças brincam no outro lado da rua, na pracinha, correndo pelos pátios da escola, nos jardins das casas, nos quintais dos condomínios, no açude da vila.

Os universitários estressados com os trabalhos e provas vão se divertir na noite em busca de um “descanso” para a cabeça, sob efeito alcoólico, da cobrança da faculdade.

As mães donas de casa trabalham: em casa, cuidando dos filhos, cozinhando para o marido, fazendo a faxina semanal.

As mães que trabalham fora de casa trabalham e retornam: daí cuidam da casa, dos filhos, cozinham para o marido, fazem a faxina semanal.

Os cães correm pelos pátios, entram em suas casinhas para fugir da chuva, comem, rolam na grama, comem de novo, dormem presos em suas coleiras.

Os prédios aparecem na cidade, de repente, sem que se dêem conta, vão desbotando com o tempo, são repintados, alguns são demolidos, outros não, permanecem lá por anos.

A cidade permanece suja, imunda, os garis limpam-na de madrugada (tentam), varrem e varrem, e no outro dia, tudo igual.

As Camilas nascem, crescem, vão para a escola, aprendem a tocar algum instrumento ou entram para o coral, menstruam, se interessam pelos meninos, sonham com um grande amor, depois já não sonham mais, vão para faculdade, trabalham em lojas, ou fazem algum curso, sonham com homens novamente, algumas casam, outras não, têm filhos, outras não, buscam alguma solução para amenizar as rugas e deixar menos evidente a passagem do tempo, mas como todo ser-vivo, envelhecem e morrem.

As tecnologias evoluem, mudam, fazem tudo parecer efêmero e descartável, como a vida. Continuam sendo acessórios desejáveis e cada vez mais indispensáveis (menos acessórios, mais essenciais), acentuando a desigualdade social.

A terra gira em torno de seu eixo, demorando mais ou menos 24 horas, também ao redor do sol, aproximadamente 365 dias, (mais aquelas 6 horas que compõem o ano bissexto) definindo as estações do ano e ficando cada vez mais quente pela maldita depredação do meio ambiente que, apesar de se falar cada vez mais disso e de se criar um número cada vez maior de pessoas engajadas e realmente com uma vontade de virar este quadro, a situação só piora.

Tudo continua igual, concluo, ninguém sentiu falta, não fiz diferença.

27 junho 2010

querer é poder?

Era chegada a hora. Pensou em escrever algo marcante de sua vida. Poderia ser sobre suas viagens realizadas, sobre as ruas de paralelepípedos por onde andou, sobre as comidas que experimentou - sentiu-se mal com algumas, é verdade. Tinha tantas coisas a escrever! Os artistas de rua, os castelos de pedra, as casas antigas, os prédios pequenos, o mar, ah, como era lindo e cristalino, aquele mar. Poderia escrever também sobre as pessoas, diferentes etnias, gentes de todos os lugares. Diversidade, um belo tema.



Mas suas viagens já datavam de muitos anos, e ele já era um senhor idoso... Conhecia as limitações de sua memória. E, naquele momento em que mais desejou escrever, também sentiu a maior das frustrações e o maior dos brancos.

22 junho 2010

Esquecimento

Beijei quem não devia,
comprei o que não queria,
briguei na hora errada,
não pensei no que fazia.
Trabalhei querendo descansar,
comi querendo vomitar,
saí da cama querendo ficar,
corri querendo andar.

Esqueci de mim,
deu um branco de quem eu era.

20 junho 2010

Deu Branco?

Madrugada, algum lugar do mundo, chuva fina cai lá fora, ela acorda sacudindo o marido:

- Amor, escutou um barulho no quarto das crianças? Acho que a Juliete tossiu.
- Nêga, tu tá bem? Não temos crianças...
- Oswaldo! Como assim não temos crianças? Elas são o que então? Cachorrinhos? Vai lá ver se a Juliete tossiu.
- Temos realmente crianças? Já volto...

Passados dez minutos...

- Annn... Eles estão dormindo. E qual é mesmo o nome do menino?
- É Hudson. Tu tá brincando né?
- Claro amor. Te liga. Acha que é possível alguém acordar no meio da noite desmemoriado?
- Hehe... abobado. Vem dormir. Boa noite.
- Boa noite... Te amo...
- Também...
- Annn... Linda, temos cachorrinhos?

18 junho 2010

Nova York e Solidão

Nova York e solidão: são como sinônimos porque um remete ao outro, ao menos para quem mora em NY. Mas quem não mora lá sabe que a solidão é algo que acompanha em todos os lugares, sejam grandes cidades ou pequenos vilarejos. A diferença é que nas metrópoles há grande e real necessidade de esconder tal sentimento - porque quem é bem-resolvido não fica triste, mas sempre feliz. Ele ficava às vezes triste às vezes feliz, e nas vezes em que não se enquadravam nas vezes da felicidade, ele atuava: inaugurando todo o dia uma nova peça de teatro para qualquer novo espectador (fosse de Manhattan ou Nova Delhi - apesar de não conhecer ninguém de Nova Delhi). Em Nova York há solidão, tanto quanto em Nova Delhi. E nas ilhas também. Em certas ilhas há vulcões em erupção. Ele era um vulcão a explodir, sempre pronto, sempre a postos

A postos de uma nova máscara
máscara de uma ida
farsa de tua sobrevida.
Solidão corrói,
ainda mais
sem ser repartida.

Toma posse o presidente Obama, mas isso não faz diferença, porque solidão não sai por decretos, não adquire novos tetos - está sempre ali. Ele era uma pessoa solitária, mas a solidão lhe fazia companhia: e isso por si só tão logo lhe bastava. Basta a monotonia, viva toda a alegria. Foi visitar a Estátua da Liberdade para trocar de vida - fingir ser turista. Porém antes de pegar a fila, parou, porque de turistas todos temos um pouco, ficando só de passagem nessa estranha e viva vida. Além de turistas, também prisioneiros: duma rotina que nos segue como fantasma atrás dum alimento que nem nós sabemos. Então ele parou e depois sentou pensou que deveria voltar - a algo que não sabia mas lhe fazia bem: rotina. Que previne inseguranças e não lhe traz nada de errado. Lançou-se ao lago quando poderia ser rio: calmo quando seria agiado: parado quando em movimento.

Movimento nos sistemas
de possibilidades improváveis
mas que graças a algo
não o são.
Sem um porquê
aparentemente inexplicável.
Sem um sentido
quando não se é pra tê-lo.

Mas assim ele fez. Quando poderia lançar-se ao mar, lançou-se ao lago, limitiado mas ainda conhecido. Muitas águas rolaram, muitas águas rolariam:
pena que todas já tão conhecidas.
Voltou para casa e para uma vida que, sem Ele saber, nunca transcorreria qualquer grande emoção.
Viveu em paz para sempre.

15 junho 2010

de rua

Minha vida é diferente da sua. É, pode apostar. Eu sei que você não acredita, porque tem seus próprios problemas e, afinal de contas, quem não os tem? Não se preocupe, eu conheço bem as pessoas e os mecanismos que regem seus atos e seus pensamentos e não hei de julgar ninguém por subestimação. Sei que, para cada um, a própria vida é maior que as demais. E como pensar de outro modo? Dar-se conta de que a nossa vida é só uma no meio das outras e que ela nada tem de importante e relevante pode ser fatal. Mas não para mim. Eu disse que minha vida é diferente. Eu vivo em lugares diferentes - dia por dia. Posso voar sem ter asas. Tenho todo o conhecimento à minha disposição de graça e a qualquer hora. Tenho idéias e as escrevo na ilusão de que não se percam - mas eu as tenho. Vejo longe. Vejo dentro desse organismo que chamamos de cidade. Minha cama nunca é a mesma da noite anterior. Só minhas roupas se mantêm. Carrego a vida em uma mochila velha ao redor de um lugar que eu nunca conhecerei por inteiro - embora possa conhecê-lo sem sair da calçada. Minhas mãos tocam paredes e troncos de árvores e bancos de praça que milhões de outras já tocaram, e isso me põe em contato com aqueles que nunca conhecerei. Tenho inteligência e capacidade para muito mais, para quem sabe ser rico, mas escolhi o outro lado. Assim, as pessoas passam por mim e fingem não me ver. Algumas sentem pena, em seus caminhos de volta para casa, enquanto divagam sobre a desigualdade do mundo, mas sem saber que aquele a sentir pena sou eu. Pena da pequenez. Da falta de visão em vidas que, não fosse isso, seriam tão promissoras. Você agora pensa em quanto sou imbecil e arrogante, talvez. Mas eu repito: não hei de julgá-lo. Porque você e outros tantos seus semelhantes são a prova de que eu necessito. São meu meio de saber que estou certo. E vocês passam por mim todos os dias. Provam-me todos os dias a veridicidade do que penso sem dizer uma palavra, sem dar um passo fora da linha imaginária que seguem. Eu morri para você. E morri também para o mundo e para as outras pessoas, mas continuo vivendo. E, no dia em que eu morrer de verdade, eu ainda continuarei vivendo.

11 junho 2010

Mau da Pinga

 Xiiiiiiiii...

....
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Hickup!
Essa caipirinha....me deixa tonto...confuso...e me dá ummm........


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Hickup!

09 junho 2010

Só sei que a morte é certa.

E confusa.

Afinal, há vida ou não há? Existem espíritos bons e maus, que nos influenciam de alguma forma? Ou, depois do corpo decomposto / incinerado / qualquer outro destino, nada mais permanecerá, nem alma?

Não há mais tempo de voltar atrás para reparar os erros, embora aqueles que acreditam em reencarnação dirão que sim, é possível, mas em outro corpo, quem sabe em outro século. Outra realidade.

Estou nesse universo paralelo e ainda não sei o que definir. Deixei, ou melhor, tive que deixar tudo, abrir mão de tudo e eu, que sempre fui uma pessoa convicta em minhas atitudes e falas, agora me vejo em um emaranhado de muitas dúvidas e poucas certezas.

Tudo me parece mais uma corda bamba, uma roda-viva. Apenas tenho medo de que, quando eu encontrar a luz, seja tarde demais.

08 junho 2010

Meu viver é morte

Morri. E agora?
Vivo a minha morte como antes minha vida? Agora que vivo a morte, ela se torna minha vida e acho que a vida é minha morte. Porque eu antes sempre pensava a morte como “o lado de lá”, aquilo que é inalcançável até que se alcance. E a vida a ser aquilo que eu detinha, que eu vivia. Porém tenho a morte em minhas mãos e isso me leva a um paradoxo pois ela passa a se tornar vida e a vida vira morte. Eu vivo a morte. E depois quem sabe morro a vida. E pensar nisso me leva a perceber na efemeridade do nosso viver que num dia é morte e noutro é vida: em como são etéreas nossas percepções das coisas e pessoas e saberes. Somos egoístas. Porque moldamos todas as leis do universo a nosso modo e todas as ações de tudo tendem a um final: nós. Porque os animais silvestres são enjaulados por poderem nos machucar: culturas são cultivadas para nos alimentar: planetas explorados para fingirmos saciar. Tudo é nós e nós estamos em tudo. E depois reclamos do catastrofismo do universo que responde aos nossos chamados e acaba por nos prejudicar mas é apenas a lógica dos universos, pois se agimos de maneira que tudo tem a ver conosco, tudo haverá de ser conosco. E não entendo, não entendo no catastrofismo pseudoideológico e tampouco no pessoal, há tantos motivos para que nos abalemos, e escolhem as festas ou trabalhos ou os pais, mas em que escala há de sermos egoístas? Morri minha vida, mas penso viver minha morte em paz
Na esperança de que tudo há de se velar
Todos os teus dramas
Tuas feridas
Que agora parecem não cicatrizar
Hão de se fechar

Tua ferida é grande
Mas a do mundo
É bem maior.

07 junho 2010

Morrer não tem graça

Olhe só... Veja você... Quem diria? Eu, morrer daquele jeito! Não imaginava. Agora eles estão ali no meu enterro. Que lastimável. Ora, ora, ora, vejam só quem está ali. Aquele canalha, maldito, calhorda de uma figa! O que está fazendo aí humm? Veio rir de mim é isso? Hey, o que é isso no seu rosto? Lágrimas? Você está chorando por mim? Oww, pucha, eu não esperava por isso. Você me deixou triste agora. É como dizem, enterros mexem com as pessoas.
Hey, espera aí. Se eu estou morto como posso ainda ter sentimentos? Minha nossa! “Alaaah” eu “rapá”... Que fumacinha é essa no meu pé? Ih... "Alaaah" to flutuando! Sério, tem alguma coisa muito estranha acontecendo aqui. Eu nunca tinha morrido antes, mas acho que não deveria ter sentimentos numa hora dessas. Tão pouco consciência! Bom, de qualquer forma, morto eu estou, definitivamente. Até porque meu corpo está aqui na minha frente, tenho fumaça nos meus pés, flutuo e estou mais branco do que nunca estive. Sim, morri. E agora?
Já não era hora de eu estar me encaminhando para o juízo final ou algo do gênero? Droga. Sinto que em breve algo vai acontecer. Hey, tive uma idéia brilhante. Vou aproveitar que ainda não passaram as regras da pós-morte e vou viajar para conhecer o mundo!!! Será que eu posso? Veremos...
Ah! Que sem graça. Grande coisa a muralha da china. Eu nunca mais volto às pirâmides do Egito. Que lugar longe! Flutuando bem que eu poderia ir à velocidade da luz, ou ao menos atingir o Mach2 pocha. Vou reclamar muito no twitter do chefão do setor de pós-vida. Eles devem ter twitter aposto! Todo mundo tem. Não tenho mais nenhum motivo para olhar a aurora boreal. Não posso nem dizer mais como é bom estar vivo para assistir tamanha maravilha. Que calúnia! Sabe, cansei de morrer. Essa é a primeira e última vez que entro nessa “indiada”. Vou até avisar meus amigos que não morram. Tem a menor graça. Nem o banheiro feminino tem graça! Imagine! O banheiro feminino!
Queridos amigos...


- Você está expressamente proibido de fazer isso.
- Ai Jesus! Quem és tu José?
- Meu nome é Miguel. Devo te lembrar que tens o livre arbítrio, mas se escrever essa carta você poderá parar em um lugar muito desagradável.
- Créééédo em cruz! Meu Deus... A pomba fala!!!!!
- O que diabos você está falando homem?
- Ah quem você está chamando de homem? Nãos vês que sou um espírito agora pomba?
- Pare de me chamar de pomba!
- Mas você tem asas!
- Eu sou um anjo. Na verdade sou um arcanjo para ser mais específico.
- Caraca!!! Bom, isso explica esse seu chapeuzinho.
- Você... Você... Você... Tem noção das besteiras que fala?
- Mas é claro que sim! E você acha por acaso que eu sei o que eu falo? Ops, digo... Bom, você entendeu.
- Pai! Perdoai. Ele não sabe o que diz.
- Jesus!!!!
- NÃO! Sou Miguel. E você vem comigo agora, antes que blasfeme mais.
- E para onde nós vamos senhor São Miguel das Pombas?
- ‘¬¬
- O que foi?
- O chefe quer falar com você. Algo sobre seus textos de baixo calão que escrevia quando era vivo. Parece que ele gostou de você.
- Que bom! Tenho alguns assuntos a resolver com o chefão...
- Seu tolo! E faça o favor de me seguir.
- É claro! Qual seu twitter?



27 maio 2010

Do tempo

Lis diz:
É que eu não te contei um segredo
Dentro de mim mora outra
Que já está lá na frente

Quase formada, morando fora de casa, decidida, viajada
Pra ela não tem ruim, não
Faz tudo que quer e acha certo

Já superou o problema com comida, tirando as carnes (óbvio)
Faz dança, caminha no parque
Vê os amigos todos os fins de semana

E eu aqui, nesse marasmo
Querendo competir
Com minha própria fantasia

26 maio 2010

Te vejo acordar

Pela manhã, via como ela acordava lentamente, despreguiçando-se várias vezes, revirando a cama na busca de um sono já perdido. Não usava despertador, deixava que a luz do dia viesse acordar pela janela aberta, com um toque suave e um sussurro calmo "linda, já é dia...". Quase nunca repetia o pijama, dependendo do dia poderia dormir estampada de ursinhos e babados ou quase nua. Era de lua, a vestimenta noturna.
Sempre que olhava para aquele corpo aconchegado no cobertor macio, eu sentia prazeres intensos, inconfessáveis de tão puros. Ela era bela, clara e de cabelo escuro, tinha olhos profundos que carregavam as marcas do sono tardio. Acompanhando seus movimentos matutinos, me sentia completo, como um ser que busca na existência do outro, motivos para existir. Na realidade não era isso, era simplesmente bom ficar olhando ela acordar.
Nesta manhã, ela levantou um pouco depois das nove horas, vi quando se revirou uma e outra vez na cama, cobrindo a cabeça com o cobertor. Então começou a se esticar, estirar os músculos do corpo pra se livrar das garras do sono, levantava os braços brancos, punhos fechados. O cabelo todo bagunçado e a roupa meio revirada provavam a noite boa, hoje ela dormiu com uma regata branca e uma calça cinza, dessas de dormir. Seu corpo parecia aquecido, pele macia e descansada, como são as peles das moças ao despertar. Tocar em um corpo recém acordado é motivo de grande prazer, demonstra intimidade, abraçar alguém que acabou de acordar e ouvir assim de perto, os sussurros das primeiras palavras do dia, é simplesmente inexplicável.
Em seguida ela levantou e fechou a janela para poder se vestir. Acabou. O reflexo do espelho que vejo pela janela aberta, todos os dias, acabou. Esperarei o pijama de amanhã.

25 maio 2010

O Último dos Espelhos Mágicos

Foi quebrado e teve azar.
Sobreviveu mais sete anos,
aposentado por invalidez,
recebendo um salário mínimo.
Depois morreu.

21 maio 2010

Reflexão

Todos os caminhos me levam pra desgraça. Neste outono, mudei de rumo, adoeci. Queria poder saber um pouco de minha significância pro mundo, sendo que pra mim, não significo nada. Ou melhor, significo o nada, na sua inutilidade mais intensa de não saber nem o que dizer, preferir não dizer, pra não falar bobagem.

19 maio 2010

Eu só preciso de uma sala de espelhos

Vitória, não corre, eu ainda tenho tanto pra te dizer: sei que você não quer me dar seu tempo mas o tempo não é seu nem meu: o tempo é de todos então: dá-me tua mão e mergulha no impensado pensar que somos nós, já que não quero ver tuas mudanças, não quero tua aliança: quero ver tua esperança
Mas, Renato, se teu tempo que usas em mim e portanto meu se torna, se teu tempo fosse para ti usado, serias mais feliz porque te olharias e te reconhecerias e tornarias a olhar-te para o espelho: assim como fiz eu.


Via no espelho as raízes mortas de uma planta não-planejada,
planejada não para mim, mas para um futuro que deveria ser diferente
rente a um sonho do infinto. E estas raízes mortas meio vivas
vivas no meu ser, no meu inconsciente
ciente do perigo de uma possibilidade imperfeita
feita para não para mim, mas para nós, um em redor
(duma) dor para aprender.

Eu tinha um sonho.
E nesse sonho eu era tão feliz.
Não no cotidiano pensado de cada dia.
Mas no viver inexato em que eu sentiria
as noites minhas.

Eu tinha um plano.
E nele estava eu bem sozinha.
(Padeceu em meio a um confessar
De novos planos).

Eu tinha um sonho.
E foi tão bom.
Pena que nele eu não
te incluía.

música espelhada

Muito de mim, mas não tudo, eu vejo no meu reflexo. Ervas daninhas, vozes-Amálias, corpos que sofrem, pagam... E que, no final, gostam disso tudo. No espelho, sinto um pouco da memória que ainda não perdi. Vejo o amor, a troca entre duas almas, dois anjos da guarda - o outro, na frente do espelho, pode ser que seja hipotético, não importa. No fundo dos meus olhos, vejo a força de povos sofridos à beira do rio. Dou um olhar descrente para o vidro e recebo um olhar mais atento, mais esperançoso. Positivo, como boa parte das referências completas destas breves linhas.


Inspirado na (e - por que não? - dedicado à) arte de António Variações.

18 maio 2010

O dia em que saí do quase

Estranhamente o sentimento era de alívio, apesar da decisão não ser sua, e isso lhe impressionara. Respirou fundo, se sentiu viva. Solitária, mas viva, independente, podia agora fazer o que quisesse sem depender do consentimento, dos horários, da rotina, da opinião desse outro alguém que há tanto tempo habitava sua vida.

Voltou para casa, se sentou no sofá e foi conversar com a mãe, falar de filmes, livros, de como fora o dia – o que tanto gostavam de fazer e se repetia por todas as noites – tudo isso como se nada tivesse acontecido. O início de sua vida de conquistas, uma após a outra, era este. Sabia e precisava caminhar sozinha, sentia necessidade disso, sem temer mais o futuro, que agora dependia apenas de sua vontade e não da decisão dele sobre que rumo tomar. Chegava de incertezas quanto à durabilidade daquela história, daquele amor. Ele mesmo lhe dissera que quando se há dúvidas sobre alguma coisa é porque já se deve então colocar-se um fim nesta. Bastava, então, de quases, de proximidades, de metades! O que agora virara sua busca incansável são as conclusões, a convicção, a sensação de completude.


Fora preciso, no entanto, perder metade de si para sentir-se inteira.



meu espelho

- Mas não era para ser assim.
- Mas não era para ser assim.

- Quando vão começar a ensinar que o mundo não vale tanto esforço?
- Quando vão começar a ensinar que o mundo não vale tanto esforço?

- E os outros?
- E os outros?

- Eles estão sentindo isso também?
- Eles estão sentindo isso também?

- Meu tio disse para eu viver a minha vida. Só a minha vida.
- Meu tio disse para eu viver a minha vida. Só a minha vida.

- Eu só não sei bem como se faz.
- Eu só não sei bem como se faz.

- Eu não sou independente.
- Eu não sou independente.

- Eu não tenho dinheiro.
- Eu não tenho dinheiro.

- Eu aprendi algumas coisas, é verdade, mas há tantas outras ainda.
- Eu aprendi algumas coisas, é verdade, mas há tantas outras ainda.

- Às vezes eu queria conseguir abstrair tudo.
- Às vezes eu queria conseguir abstrair tudo.

- Tudo.
- Tudo.

- Ou sumir.
- Ou sumir.

- Quando chove.
- Quando chove.

- Tem uma arma no fundo do armário lá em casa.
- Tem uma arma no fundo do armário lá em casa.

- E daí?
- E daí?

16 maio 2010

Espelho Retorcido

Espelho espelho meu
Há alguém, mais feliz do que eu?

Tive dois níqueis, mas fui roubado
Duas moedas de mais valia
Tê-las comigo, era só o que eu queria
Um guarda-chuvas queria ter comprado

E de gotas tristes ter fugido.
Do amor, e seu gosto venenoso,
E do cupido, em seu plano ardiloso
Preferia eu, ter morrido

Nem só de amor o mundo é feito.
A depressão derruba e dá risada.
Ter esperança é meu pior defeito.

Achei vinte niqueis, logo na ida.
A frustração pode ser recompensada,
Redescobrindo o amor em nossa vida


Abrindo os olhos, vi o espelho retorcido
Abri meu coração, e tudo foi resolvido.

09 maio 2010

Quase emprego

Olha, quando eu saí do quase já nem lembrava porque tinha ido parar lá. A Judite, irmã do marido da minha prima de segundo grau foi quem inventou tudo, eu nem sabia no que estava me envolvendo. Ela era a mulher dos contatos, comunicativa, otimista, loira, peituda e intrometida. Não que ela fosse má pessoa, era só... A Judite.
Talvez você não esteja familiarizado com esse tipo de pessoa, por acaso já conviveu com alguém assim? Ainda não consegue visualizar o tipo de pessoa que era a Judite? É, isso que dá escrever, se eu mostrasse uma foto talvez pudesse ajudar, mas acho que a foto da Judite não transmite o que ela realmente é, teria que ser uma foto muito boa, feita por um profissional qualificado, ou com uma boa câmera. A minha é meio velha, digital, mas sem frescuras. Eu adoro fotografia, longe de mim criticar as novas tecnologias, mas é uma loucura ver gente com uma baita câmera tirando foto pra botar no Orkut...
Agora lembrei, a Judite tem Orkut! Sim, é bem mais fácil conhecer ela por lá, porque dá pra saber dos gostos da pessoa, e dos amigos também. Vai que você conhece a Judite e nem sabe? Se bem que o Orkut é muito superficial, e não dá pra ver, realmente ver como ela é.
Assim, a Judite gosta muito de gente, ela fala tocando nas pessoas, sabe? Segurando o braço, o ombro. Ela encosta, ela toca, ela quer sentir a outra pessoa, por isso quando fala parece que tá entrando assim, dentro dos nossos olhos, de tão intenso e próximo que é o olhar dela.
Isso não é tão incomum assim, sempre tem alguém mais intimista no grupo de conhecidos das pessoas, os mais tímidos não gostam desse tipo de pessoa, “é muita aproximação”. Mas vai falar isso pra Judite! Ela representa a aproximação...
Bom, nem tanto assim, porque eu acho que ela não se aproxima de verdade, assim, de verdade verdade, de ninguém. Se fosse assim ela não teria se separado mais de quatro vezes. É, ela é muito ativa, não pára quieta!
Foi um antigo namorado dela que me ligou pra conversar, disse que ela tinha passado meu número pra ele. Renan, eu me lembro dele, um careca, alto e meio musculoso. Não era feio, mas ela não gostava porque ele lambia a orelha dela. Eu também não gosto dessa coisa de lamber a orelha. Dizem que é bom porque a orelha é um órgão sexual, mas eu não acho. Orelha é uma coisa meio suja, com gosto ruim... Não que eu já tenha lambido a orelha de alguém. Como se eu pudesse também, meu último namorado não deixava nem eu mexer no cabelo dele pra não bagunçar, imagina lamber a orelha! Pois bem, Renan, o lambedor de orelhas, me ligou pra ver se eu estava interessada. Não na lambida, mas em um trabalho.
Ele trabalha em uma firma de computação. Nunca sei o que uma pessoa faz quando me diz que trabalha em uma firma de computação. Aliás, alguém sabe o que uma pessoa que trabalha em uma firma de computação faz, durante 8 horas, lá? Enfim, ele “trabalha” lá. Eu não conseguia entender o que poderia ter de trabalho pra mim, porque eu mal sei usar o computador, além das funções básicas. Mas ele me chamou, disse que a louca da Judite tinha me indicado pra um cargo lá no trabalho de computação dele e como nenhuma vaga pro meu perfil estava disponível ele me passou pra um contato em outra empresa.
Eu não sabia se aceitava ou não, “é história da Judite!” minha irmã dizia, mas eu achava que algo podia dar certo, e fiquei de ligar pra lá. Passou uma semana e eu ainda não sabia se ligava ou não. Era uma editora, pelo que o lambedor tinha dito. Eu não poderia trabalhar em uma editora, sou muito burra pra isso. O meu ex me disse que eu não sei ler mais que Sidney Sheldon e que eu era muito burra, por isso que ele foi embora. Mas a minha prima de segundo grau me garantiu que não tinha que ser muito inteligente pra conseguir a vaga... Foi aí que eu liguei...

Mas não consegui o emprego. Tinha que escrever o nome de cinco livros extrangeiros e falar um pouco da história. Mas não podia repetir... Quando eu disse que não sabia o que escrever e que por isso ia desistir da vaga, o moço me disse: “que pena, com esses contatos que você tem, quase conseguiu o emprego...”

Papai Rex e a cachorrinha Morango

Era uma vez uma família de cachorrinhos azuis. Eles viviam felizes e unidos na Floresta da fada Keka. O Papai Rex era muito calmo e atencioso para com sua família. A Mamãe Lupita adorava fazer o lanchinho dos seus três filhotinhos.
Os irmãos Buba, Pingo e Margarida passavam o dia inteiro correndo e brincando pela floresta, junto com seus amiguinhos.
Um dia Papai Rex saiu para o seu trabalho e conheceu uma cachorrinha vermelha chamada Morango, que vivia na floresta ao lado. Eles conversaram durante muitas horas. O dia chegou ao fim e Papai Rex voltou para casa muito contente.
No dia seguinte eles se encontraram de novo. Papai Rex percebeu que quando estava com Morango, seu coração batia mais forte. De repente, ele sentiu uma vontade muito grande de dar um abraço em Morango assim como dava em Mamãe Lupita. Eles ficaram abraçados pelo resto do dia e depois Papai Rex retornou para seu lar.
Durante muito tempo Papai Rex ia até a casa de Morango todos os dias para conversar e abraçar ela. Certo dia, Papai Rex percebeu que queria passar todo o tempo com Morango. Então, ele voltou para casa pela última vez para contar para Mamãe Lupita que tinha se apaixonado por uma outra cachorrinha e que estava indo morar com ela. Mamãe Lupita tomou um susto e ficou muito triste porque amava muito o Papai Rex. Ele deu um beijo em seus três filhotinhas e foi embora. Mamãe Lupita ficou triste por alguns dias, mas depois percebeu que a felicidade do Papai Rex era muito importante e resolveu buscar sua felicidade também.

(Cíntia P., Lis e Priscilla)

O outro jardim

Era uma vez um jardim mágico, onde viviam flores falantes. O casal mais falante de todos era o Gira-sol e a Gira-lua. Em toda primavera seu amor desabrochava. Nem mesmo no inverno, o seu amor se escondia. Nele, Gira-sol e Gira-lua se encolhiam até que o Sol aquecesse a Terra e seus corações. Nessa época, espalhavam com seu pólen a felicidade que iluminava todo seu jardim.
Num dia Gira-lua amanheceu rabugenta com o Gira-sol. Ele, muito magoado foi passear em outro jardim. Ventava forte, e seu Gira-sol sentiu um perfume no ar. Subiu até a colina e encontrou, Crisantemá, a melhor amiga de Gira-lua. Vendo as belas pétalas do Gira-sol ela se balançou mais ainda para que o vento levasse seu perfume a ele. Gira-sol ficou extasiado. De repente perdeu os sentidos. O vento mudou de direção e levou todo seu pólen para Crisantemá. Alguns momentos depois, Gira-lua apareceu, vendo Gira-sol sem pólen e sua melhor amiga com pólen que não era seu, ficou furiosa. Descontrolada arrancou todas as pétalas do Gira-sol, em seguida gritando:
- A cada pétala que nascer você se lembrará de mim. Bem me quer, mal me quer. Mas não te quererei.
Gira-lua nunca mais pensou no seu ex-marido. Gira-sol viveu infeliz até sua última pétala.

(Andiara, Marcel e Marcelo)

O vôo do Sr. Borboleta

Era uma vez um casal de borboletas, que viviam voando entre as flores. Naquele jardim não existia casal mais feliz.
Mas em um de seus passeios, Dona Borboleta machucou sua asinha no espinho de uma rosa. No dia seguinte ela não pode acompanhar o Sr. Borboleta.
Durante seu passeio solitário, o Sr. Borboleta se perdeu e foi parar no jardim vizinho. Ao voar sem rumo ele se encantou por algo diferente de tudo que ele já tinha visto. Era grande, colorido e que dançava no ar. O Sr. Borboleta ficou horas observando tamanha beleza.
Em sua casinha, a Dona Borboleta estava preocupada pois já tinha anoitecido e seu marido ainda não tinha voltado do passeio.
- Por onde andará meu querido marido? Será que ele não está voando com outra borboleta de asas mais coloridas?
Dona Borboleta adormeceu com o seu coração triste. Acordou com uma surpresa. O Sr. Borboleta estava preparando o café da manhã e disse:
- Venha, acorde, vamos rápido! Quero lhe mostrar a coisa mais maravilhosa que já vi.
Sem pensar, Dona Borboleta sai a voar com o Sr. Borboleta e se encanta ao ver um magnífico, colorido e grande catavento que girava no jardim vizinho. Os dois ficam até o anoitecer admirando aquela beleza e voltam para seu lar felizes para sempre.

(Avelino, Daniela e Natascha - e Luise)

Conversas de pai e filho

- Tu não pode fazer isso! Entendeu?
Silêncio.

- Ah, me deixa beber guri. Eu sei muito bem me cuidar. Tu que deveria começar a prestar atenção nas coisas que tu anda fazendo...
Silêncio.

- Tu tá que nem tua mãe, falando as coisas pela metade. Seja direto e pergunta se eu posso te dar uma carona, invés de perguntar se eu vou sair.
Silêncio.

- Faz isso agora pra mim.
- Por quê?
- Não faz perguntas e me obedece de uma vez!
Silêncio.

- Que exibido, pendurando todas as medalhas na parede.
- Não sou exibido, tenho orgulho do que consegui fazer na vida. É saudável ter auto-estima e se orgulhar das conquistas.
Silêncio.

...

- Tu deveria ter mais humildade e aceitar quando eu digo que tu não sabe nada da vida, porque tu é muito novo e não sabe da metade das coisas da vida.
- Pai, tu é um idiota.

07 maio 2010

quase tudo


Não lembro o primeiro dia em que alguém me perguntou o que eu queria ser quando eu crescesse.  Também não lembro o que eu respondi. Deve ter sido alguma profissão nobre - acho que todas são, por mais que não pareçam. Mas lembro dos episódios seguintes a esse pequeno diálogo. Lembro de passar horas e horas pensando e mudando de idéia constantemente. Eu já não sabia mais o que eu queria. Ou sabia, mas os caminhos eram tantos que me deixavam assim, em dúvida.
Parecia aquela situação clássica de vestibular, a indecisão e as várias opções pra se escolher. Uma profissão pro resto da vida. Lá estava eu. Eu tinha minhas aptidões no colégio, claro, mas sempre fui daquelas pessoas maravilhadas com tudo, com qualquer experiência. Um passeio no museu era sempre uma realização. Num estádio de futebol, idem.
Nunca levei a sério o teatro como modo de vida até aquela quinta-feira, quando, andando por uma rua tranquila, passei por um galpão onde um grupo ensaiava. Novamente, fiquei impressionada, mas ainda mais com o fato de que aquelas pessoas ensaiando apresentavam, aos meus olhos, algo que era uma mera diversão, entretenimento. Não era. Cara de pau, entrei no galpão e observei aquelas pessoas, que não levaram muito tempo até me notar. Mais cara de pau ainda, pedi, quase implorei para participar. Acho que, por pena, eles deixaram.
Desde então, vivo dias muito diferentes uns dos outros. Dias cheios de trabalho. Ser princesa egípcia e ser maltrapilha contemporânea, entre tantas outras facetas, sendo honesta, não tem nada de fácil ou de glamouroso. Mas não posso negar que me encontrei no que hoje é a minha ocupação. Ela corresponde, certamente, a tudo que eu fui e tudo o que eu gostaria de ser, mas quase consegui de verdade.

vida-quase

Outro dia nós estávamos na praia. Praia pequena e vazia, fora de temporada. Nós andávamos pelas ruas no domingo e aquilo tudo mais parecia um cenário antigo de filme abandonado. As lojas, mercados, restaurantes - tudo fechado, largado até o próximo verão.
Em uma esquina, uma bandeira do Inter balançava imponente com o vento. Mais adiante, uma do Grêmio pendurada na janela. Os poucos sinais de vida humana presente na principal rua da praia.
Nós caminhávamos e não se ouvia nenhum som além do que vinha de nós mesmos e do mar - as ondas quebrando na beira da praia a uma quadra de nós. E enquanto nós íamos de mãos dadas e a passos lentos em direção à praia perguntei-me quantas pessoas no mundo nunca terão a oportunidade de conhecer essa sensação. Andar por quanto tempo se desejar andar e só ouvir a si mesmo e à natureza.
A vida como ela deveria ser.
E aqui, onde a vida real acontece, eu sempre quis saber quando conheceria a vida de verdade.
A vida real e a vida de verdade.
Eu quase conheço: 'se nós pudéssemos só calar a boca por um segundo'.

O dia em que saí do quase

Todo guri sonha ser jogador de futebol, em ser levado nos braços da torcida, em conquistar a glória eterna dentro dos campos. Eu não. Eu sempre soube do meu potencial de bosta, por isso meu sonho era menor, eu só queria fazer um gol no campeonato do colégio, na frente de todo mundo.

Como os outros também sabiam do nível de intimidade que eu tinha com a bola, esse sonho era dos bem difíceis de alcançar. Só consegui participar de um campeonato na quarta série (eu vinha tentando desde o jardim de infância), quando fiquei maior que os outros e me tornei um grande zagueiro. Grande porque era alto e gordo, não pela técnica.

Como fazer um gol participando do jogo é bem mais fácil do que assistindo da arquibancada, pensei que o sonho estava perto de ser concretizado. Puro engano. Um zagueiro alto e gordo é lento, por isso não ataca, pois não voltaria a tempo de defender o contragolpe inimigo. Ou seja, longe do ataque, longe do gol.

E assim foi minha vida futebolística no ensino fundamental, sem gols. Até havia superado a barreira do peso e da lerdeza lá pela oitava série, o que me deixava ir para a grande área tentar algumas cabeçadas nos escanteios, mas mesmo sendo alto, o gol não saía.

No ensino médio me rebelei, se eu continuasse nos times principais das turmas, seria reserva, goleiro ou no máximo zagueiro, aquele que não faz gol. Resolvi então, fundar times alternativos, onde ninguém tinha a manha da bola, e quem tinha usava óculos fundo de garrafa, era hippie ou era louco. Foi a melhor idéia da minha vida. Nos times alternativos eu atacava quando bem entendia, chutava de qualquer lugar e era sempre o titular. Eu sentia o gol próximo de mim, ou não, afinal como um bom time alternativo, o meu era ruim. Foram goleadas históricas e vexames inesquecíveis. E o meu gol? Eu até chutava a bola em direção a goleira, mas nunca entrava, era bola fora, trave, goleiro, chute fraco, torto, credo! Não tinha jeito.

Então o dia em que saí do quase chegou, depois de doze anos de espera eu fiz o gol. Estávamos participando do último campeonato de 2002, era meu terceiro ano de ensino médio, o derradeiro ano de colégio. Era ali ou nunca mais.

Entrei em campo bufando, era jogo mata-mata, contra uns caras otários e bons de bola (desculpe pela redundância). Passados cinco minutos e o placar ainda estava no zero, o time adversário pressionava e nós contra-atacávamos. Um jogo parelho, ríspido, elétrico. Escanteio pra nós, alguém cobrou pra dentro da área com força, a bola espirrou e sobrou na minha frente, na minha canhota, chutei.

Gol.

Na frente de todo mundo.

No campeonato do colégio.

Contra os otários.

Naquele momento, eu realizava um sonho, o meu.


Gosto do teu complicado

Masoquismo                                               Conselho

Quase morto por você                               Faça assim:
Quase morto sem lhe ver                          resguarde teu momento ao sinal
Numa genialidade admirável                  [do universo
                                                                            captado por palavras,
Gosto de lidar com o nosso complicado      ensejado por quem traz
(é você que)                                                                                       

me faz,
só o que eu quero é mais e mais.

 
Quase-dependência de afirmações
Meio insensatas.
Só para o cotidiano insensível
(O irresistível, o inalcançável
Que é o conviver de todo o dia.)
Ontem foi o meu quase-dia
Epifania. Escute meu conselho:
Não ouve o silêncio
Que nem sempre
É seu amigo.

Quase

- Eu sei de tudo isso que tu falou. Eu já sô grande. Mas é que sempre quando tu sai e fecha a porta, me dá uma dor na barriga. Daí eu tapo a minha cabeça pra ver se passa, mas não adianta!
- Que bom que tu já sabes. Só que ao invés de ficar no teu quarto, tu foges para dormir comigo e com teu pai.
- Mas é que lá vocês dois podem me proteger.
- Proteger do quê, meu filho?
- Do escuro.
- Não precisa ter medo do escuro, ele não faz mal.
- Mas eu não tenho medo, eu sô um guri. Eu só não gosto de dormir sozinho e no escuro. É só isso, entendeu?
- Então, e se eu deixar a luz do abajur ligada?
- Não mãe, ele faz uma sombra grande na parede.
- Se colocarmos uma música bem tranquila, acho que tu consegues dormir melhor.
- Não gosto de dormir com música. Me dá mais dor na barriga.
- Quem sabe, então, se eu ficar aqui do teu lado?
- Mãe, eu não sou mais criança. Não precisa ficar aqui comigo!
- Está bem. Pelo que eu estou vendo, o Sr 'adulto' pode dormir sozinho essa noite.
- É... Vou dormir sozinho hoje, já sô grande.
- Boa noite, então. Durma bem.
- Boa noite mãe.



- Mãe. Manhê. Ô mãe!
- Hum. Que foi meu filho?
- Posso dormir aqui com vocês, só hoje?

06 maio 2010

A minha 9º Sinfonia



Rolam Boatos que Ludwig van Beethoven compôs a 9º sinfonia em homenagem a tudo que ele deveria ter feito, e não fez.. Dizem, que havia pensado incontaveis vezes em se matar, só não o fez por amor à arte. Certa vez disse: "Parecia-me impossível deixar o mundo antes de ter dado a ele tudo o que ainda germinava em mim".

Não sou, nem nunca serei como beethoven.
Talvez apenas nos sonhos de uma amada imortal.
Não sou musicista também, mas reconheço.
- A vida, o maior palco em que ja estive
Sou apenas um escritor que tenta
Compôr o poema perfeito em homenagem a ela.
Que porá fim às angustias de um coração gelado.
Aquelas palavras que ela não conhece de mim.
Sairei do quase...Sairei do quase...


08 abril 2010

Novo Blog, Clube de Sempre

Depois das férias esticadas, o Clube volta a ativa na próxima quinta-feira às 20h na sala 405 da Fabico. Para participar é muito fácil, é de graça e indolor.
Basta mandar um e-mail para clubedaescrita@hotmail.com com seu nome completo, curso e número de matrícula. Pronto, em breve receberá a confirmação.
O Clube além da mudança de blog, também deu uma reorganizada nas atividades e nos dias de encontros.
Para informações completas clique aqui.