17 julho 2009

O começo do Fim

Os pais de Rafa tiravam uma sesta no seu quarto. O irmão dela havia saído para jogar fliperama no centro da pequena praia. Estavam enfim sozinhas no seu quarto. Manu deitada no beliche de cima e ela no de baixo. Rafa saiu do quarto, voltou em cerca de 5 minutos sorrindo. Passou pela porta e a trancou.
- Desce aqui - falou deitando-se na cama de baixo novamente.
Manu deitou ao seu lado.
- Estamos sozinhas - beijou -a.
- Eu queria perguntar uma coisa para você... - disse dando mais um beijo.
Rafa tinha a impressão que se a beijasse mais algumas vezes faria com que o seu pedido fosse visto de uma maneira mais tranquila.
- Pergunta depois - se virou ficando por cima dela. Beijou seu pescoço, descendo pelo seu colo.
- Vem cá - segurou levemente sua cabeça fazendo com que seus olhos ficassem na mesma altura - É sério, queria muito falar com você.
Cada vez que Rafa pensava nesse assunto sua barriga congelava. Sentia a ponta dos seus dedos ficarem frias também e seu coração bater forte. Queria falar isso de uma vez, simplesmente falar e pronto. Mas tinha medo. Era um passo muito grande para as duas. Pra ela era algo tão importante que fora justamente por isso que demorara tanto tempo para falar. Mas tinha medo. Na verdade talvez fosse o medo, ele sozinho, puro e cru, que a fizera com que não falasse isso antes. Esse medo que a consumia. E se ela simplesmente dissesse que não? Estaria pondo seu relacionamento no lixo por um capricho. Mas seria capricho seu pedido? Não estava mais do que na hora disso acontecer?
- Não pode ser depois? - Manu deu mais um beijo longo em sua boca, mas Rafa segurou suas mãos tentando impedi-la. Olhou-a nos olhos. Ela sorriu mordendo o canto da boca.
- Ta bom, fala - Manu por fim disse, deitando-se novamente ao seu lado.
Ela escorou sua cabeça na sua mão esquerda. Passou sua mão direita sobre o rosto de Manu. Todo aquele tempo que demorava para falar servia para tomar coragem. E se aquila não fosse a melhor hora para falar aquilo? Mas que hora seria? Já estava há muito tempo adiando aquela conversa, quanto tempo mais levaria para falar? Esperaria mais o que acontecer?
- Eu gosto muito de você Manu - deu mais um beijo.
- Eu também gosto de você, era isso? - perguntou enquanto tentava voltar ao seu posto.
Ela riu abraçando-a.
- A gente já tá ficando há bastante tempo né?! - ia fazer isso, aos poucos inserindo o assunto. Talvez estivesse aí a salvação para seu medo, quando visse já tinha falado e acabado com toda sua aflição. Respirou um pouco mais aliviada.
- Sim - Manu respondeu já imaginando qual seria sua próxima frase. Provavelmente ela gostaria de ter um relacionamento mais sério. Não que ele já não fosse, mas algo com pelo menos um nome. Queria talvez falar para mais pessoas que estavam juntas, o único que sabia era o André, o melhor amigo delas. Mas só de pensar em firmar um relacionamento sentia calafrios estranhos, um medo e uma vontade de fugir. Não gostava da ideia de ficar presa a alguém, mesmo que esse alguém fosse a Rafa, única pessoa do mundo em que ela confiava plenamente. Sentiu seu coração bater mais forte, não queria ter aquela conversa. Sentia medo. Sentia receio que aquilo que ela imaginava, em instantes sairia pela boca de Rafa, e então surgisse uma situação que ela não estava esperando. Ou pelo menos, esperava mas não desejava.
- Eu gosto de mais disso tudo que a gente tem - falou com seus olhos brilhando, em meio a um sorriso. Por trás de seu sorriso, fechado com seus dentes muito apertados, tentava não deixar escapar a pouca coragem que tinha.
- Eu também gosto do jeito que as coisas estão agora - frisou o "agora".
Ela concordou com a cabeça. Ficaram alguns instantes em silêncio. Manu percebia em seus olhos que ela queria falar alguma coisa, que estava tentando achar algum jeito de colocar tudo que tinha em mente para fora. Ela conhecia Rafa. Sentia em sua expressão que seus pensamentos estavam a mil. E isso a preocupava. Era isso mesmo que estava imaginando, logo mais ela iria falar aquilo que há tanto tempo temia, e fazia esforço para que não acontecesse.
- Fala o que você quer falar, estou aqui - falou enfim se arrependendo. No fundo ela não gostaria de ouvir o que ela tinha para falar. Se é que ela iria pedir em namoro. Fazia dias que ela tocava nesse assunto, perguntava o que achava disso, contava que não sei quem estava namorando. Um dia chegara a colocar o "também" depois de dizer que Mariana e o Nando estavam namorando. Manu fingiu não perceber nada. Não queria passar por isso, ter que se comprometer. A palavra comprometimento lhe dava náuseas. Ela não queria ficar com outras pessoas, mas só de pensar em ficar só com uma pessoa para sempre ficava angustiada. Manu gostava de ser livre, e gostava de ficar com ela quando sentia vontade. Tudo bem que desde que voltara do seu intercâmbio nunca mais haviam se desgrudado, mas em pensar que ela "deveria" ficar com Rafa pois ela era sua namorada dava vontade de nunca mais ficar com ela.Talvez Rafa tivesse percebido que ela estava pensando nisso, pois tentou cortar seus pensamentos falando um pouco devagar, como se medisse cada palavra que dizia.
- Falei com o André esses dias... - sua respiração parecia não querer sair, seus olhos mal piscavam.
- Sobre o que vocês falaram?
- Sobre um monte de coisas, sobre eu e você.
- Sobre nós duas, por quê?
- Perguntou se estávamos namorando... - seus olhos encaravam agora a janela. Os pingos de chuva batiam forte contra o vidro. De vez em quando se ouvia barulho de trovões. Ela esperou terminar o estrondo que vinha dos céus para continuar a falar. No meio do estampido tentava acalmar seu coração.
- E eu não soube o que responder – continuou.
- A gente está juntas, não está? É isso que importa ter o que a gente tem - sorriu tentando persuadí-la de que isso só bastava.
- E o que a gente tem? - perguntou voltando-se enfim para Manu, porém não ousava olhá-la nos olhos.
- Isso - beijou-a.
- E o que é isso que a gente tem?
Tentou beijá-la novamente, mas Rafa segurou sua boca gentilmente.
- Não sei, isso é realmente importante? Dar nome as coisas? - Manu já estava ficando desesperada. Rafa ia mesmo falar aquilo que temia? E se falasse, o que ela iria responder?
Rafa já não sentia mais seu coração bater, nem sua respiração. Estava perdida em meio a seus pensamentos e ao seu medo de simplesmente deixar sair pela sua boca tudo que tinha para falar.
- Você acha que não? Nem a gente sabe o que a gente tem... - seu semblante mostrava uma leve tristeza.
- Mas a gente tem uma coisa mágica, algo surreal, pós-perfeito. É isso que a gente tem. Desde quando voltei não teve um dia que a gente não se falou, que não ficamos juntas de alguma maneira.
- E que nome você dá pra isso? - ela insistia em dar nome aos bois, pensou Manu.
- Amor? - sorriu carinhosamente para ela.
- Também, mas quando as pessoas se amam... elas...
- Elas se beijam - tentou novamente uma investida. Mas Rafa manteve firme sua mão em frente a sua boca impedindo-a.
- Mas além disso elas...
Manu não queria por hipótese alguma continuar com aquela conversa. Mas os olhos de Rafa esperavam alguma reação dela. Qualquer coisa.
- Elas...? - foi o melhor que pode dizer.
- Elas têm compromissos, fazem sabe... Essas coisas que pessoas normais fazem.
- Mas a gente faz tudo que as pessoas normais fazem Rafa...
- Às vezes parece que não.
- Aonde você quer chegar com isso? - toda vez que abria a boca, tinha a certeza de que o melhor a fazer era ficar calada.
- Não sei Manu...
Manu mais uma vez ficara em silêncio, deitando-se novamente ao seu lado. Ambas olhavam para o estrado da cama de cima. Rafa tentava puxar uma felpa de madeira que não queria sair - Sabe, quando o André me perguntou se... - fez uma pausa de alguns segundos, focou seus olhos apenas na felpa - se a gente tava... sabe, namorando - seu rosto ficou levemente corado, continuou puxando a felpa - eu não soube o que responder.
Ela queria namorar. Bem, ela queria travar compromisso sério, para ela aquilo que elas tinham não bastava. Bem coisa de mulher, pensou Manu nervosa. Mas sentindo o peso daquele silêncio, resolveu falar - É, a gente não ta namorando...
- Não estamos - disse Rafa com uma voz mais fraquinha.
- E qual o problema disso?, a gente continua se gostando, continua se vendo sempre que podemos, eu não fico com ninguém, você também não fica com ninguém. Não sei que diferença faz dizer que isso é namoro ou não.
- É, vai ver que não faz mesmo... - falou conseguindo enfim retirar a felpa da madeira. Rafa pensava que talvez, vendo por esse ângulo, elas não precisassem namorar. Tava bom do jeito que tava. Tentou acalmar o seu coração, voltando-se para Manu.
- Pra você não faz diferença isso né?
- Não, eu continuo apaixonada por você - sorriu abraçando-a. Deitou sua cabeça no seu colo.
- Mas eu também sou apaixonada por você... É por isso que eu penso nessas coisas.
- Que coisas? - Manu sentia que precisava mudar de assunto. Pensou até em falar sobre o tempo e a chuva que caía lá fora.
- Namorar...
Seu coração deu um pulo. Não sabia de onde viera àquela repulsão pela palavra namoro, mas sentia. Permaneceu em silêncio. Sabia que qualquer coisa que ela dissesse poderia se voltar contra ela mesma, resolveu se calar o máximo que pode, ou que a conversa permitia.
- Manu... Eu andei pensando, eu gosto muito de você, eu gosto muito de ficar com você.
- Eu também gosto, você sabe disso... Não sei qual é o problema - sorriu suspirando, agora chegara sua vez de procurar uma felpa para puxar. Talvez ela pudesse desfazer a tensão que aquela conversa tinha. Manu conseguia sentir o peso de cada palavra que era dita, e principalmente daquele silêncio que tentava impor. Mas parecia que Rafa estava decidida a falar o que tinha para falar. E talvez nem felpa, nem o silêncio, nem os trovões lá fora a fariam se calar.
- O problema é que... Eu quero mais do que isso com você, não quero ser só uma amiga sua que você fica.
- Mas você sabe que não é só uma amiga com quem eu fico.
- Então eu sou o que?
- Você é a menina mais linda que eu conheço.
Manu sorriu para si mesma, valia qualquer coisa para impedir que Rafa falasse o que estava prestes a falar.
Ela fez que não com a cabeça. Manu teve a impressão que enfim Rafa entendera que ela sabia do que ela estava falando. As duas sabiam. Até o tempo lá fora sabia, pois naquele instante a chuva acalmara, fazendo com que o silêncio naquela sala preenchesse todas as lacunas daquela conversa.
- Manu, eu quero perguntar uma coisa... Na verdade te pedir uma coisa. - respirou forte. Pareceu que sua respiração dera mais vigor a ela, pois falou com mais força que antes, com mais convicção e coragem.
- Manu...
- Fala... - disse baixinho, quase como suplicando para que ela não falasse nada.
Rafa fechara os olhos. Suas mãos suavam geladas. Ou ela falava ou ela se calava. Porém se ficasse quieta estaria enterrando aquele assunto de vez, afinal não cabia mais adiar aquela conversa. Seu medo tomara conta de tudo, não conseguia abrir a boca. Será que ela estaria enganada de falar aquilo? Será que era precipitado de sua parte fazer o pedido?
Todas as dúvidas começaram a surgir ao mesmo tempo. E seu medo dera lugar à insegurança. E se ela simplesmente não aceitasse seu pedido, ela estragaria toda aquela coisa linda que tinham? Mas se ela não falasse, ela não conseguiria acalmar seu coração que batia aflito dentro do seu peito. Quando abriu a boca, teve receio que ele saísse pulando por ela. Mordeu os lábios mais forte, tentando tomar coragem. Seria então no três, tentou contar mentalmente.
Um.
E se ela não aceitar?
Dois.
E se for a coisa errada a se fazer? E se isso fizesse com que ela se distanciasse? Rafa conhecia Manu desde sempre, eram amigas de infância. Sabia que ela era a menina mais insegura que já conhecera. Que tinha medo de relacionamentos, mas talvez não fosse essa a hora de fazer com que Manu perdesse esse seu medo de namoro?
Três.
Respirou forte.
Não, talvez fosse melhor contar até quatro.
Um.
É fácil, é só pedir.
Dois.
Abrir a boca e falar.
Três.
O máximo que pode acontecer é ela não responder.
Três e meio.
E continuar tudo como está.
Três e quase quatro.
E se continuar tudo como está, ainda assim estará bom, afinal elas estarão juntas.
E quatro.
Respirou mais uma vez fundo. Sentiu seu coração pular com força, era chegada a hora. Era simples, repetia para si mesma. Era só falar. Já tinha contado até quatro. Já tinha perdido noites em branco pensando na melhor maneira de dizer isso à Manu. Já tinha dado início àquela conversa. Era simples, repetia para si mesma. Era só falar.
- Rafa... Eu gosto de você, não entendo pra que isso agora.
- Quer-namora-comigo? – interrompeu falando tão rápido que por alguns segundos ficou pensando se não havia falado de verdade, pois Manu simplesmente se calara.
Houve um longo silêncio. Era um silêncio tão pesado que Rafa podia ouvir ele ecoar por todo o quarto.
Por sorte, daquela posição em que estavam, Manu com a cabeça escorada no seu colo olhando para baixo, ela não conseguiu enxergar a cara de horror de Manu. Manu sabia que algum dia esse momento chegaria e ela precisaria responder alguma coisa. Qualquer coisa, mas deveria pronunciar alguma palavra. Mas não saia nada. Permaneceu um longo tempo em silêncio. Como dizer para Rafa que ela não gostava dessa idéia de compromisso, e que assim como estavam já bastava para ela sem magoá-la? Manu não queria perder aquela menina, ela gostava de ficar só com Rafa. Não duvidava de relacionamentos monogâmicos. Não era isso. Acreditava em namoros, mas com os outros. Não com ela. Namorar para Manu parecia infringir seus direitos de liberdade, de um ser único. Parecia que seriam obrigadas a serem duas pessoas em uma só. Não era isso que significava namorar? Aliás o que seria namorar se não era aquilo que elas tinham, então para que precisariam dizer, com todas as vogais e consoantes que estavam namorando? Mas ela tinha que responder aquilo, e precisava ser "sim". O não estava fora de cogitação, porque isso significaria magoá-la, significaria perdê-la por uma bobagem. Mas será que seu jeito de ser era uma bobagem a ser passada por cima? Manu aprendera desde cedo que deveria lutar pelas coisas que acreditava, porém ela simplesmente não acreditava em namoros. Ela achava lindo seus tantos heróis morrendo pelas coisas que acreditavam. E chegou a conclusão de que ou ela morria ou ela vivia. Mas ela não queria morrer, não naquele momento. Ela não estava disposta a morrer. E se para isso ela precisaria aceitar seu pedido mesmo sem acreditar nele, então ela o faria. Mesmo que para Manu soasse como uma prisão, como algo contra a sua natureza. Que se prender com outra pessoa era assinar o óbito de qualquer relacionamento pré-existente. Mas ela queria viver, então já havia feito sua opção. Ela que arcasse com as consequências.
Precisava aceitar, pensou mais uma vez. Era só dizer que sim. Era simples. Só abrir a boca e falar. O máximo que poderia acontecer era estragar aquela coisa linda que elas tinham. Mas se isso acontecesse era porque elas não deveriam continuar namorando. Era só dizer que sim e aquele suplício acabaria. Colocou seu medo, sua angústia e principalmente sua reprovação de lado. Deu lugar para o amor que sentia por Rafa. Isso era mais importante. Respirou fundo. Ficou com medo de que Rafa sentisse seu coração batendo forte. Olhou para a janela, esperando que começasse a chover novamente, que acontecesse alguma coisa, que desse um barulho lá fora para que ela não precisasse responder aquele pedido. Esperou mais alguns segundos ainda que voltasse a chover. Mas lá fora tudo estava calmo. Já seu coração continuava a bater enlouquecidamente. Era simples. Era só falar.
- Manu...
- Quero - falou muito baixo, para dentro como se quisesse fazer voltar cada letra que havia pronunciado.
Naquele instante Rafa respirou aliviada, sentindo a maior felicidade do mundo.
Naquele instante Manu parou de respirar, sentindo que tomara a pior decisão de sua vida.

08 julho 2009

Fragmentos

- Quando?
- Hoje, já falei!
- Calma!
- To calmo.
- To vendo.
- Então pára de pedir calma!
- Ta, parei, não precisa se estressar.
- Você só pode estar brincando…
- Mas me conta, como foi?
- Foi só um sonho.
- Então porque você está nervoso?
- Eu não to nervoso, mas que saco!
- To vendo.
- Eu to calmo.
- Percebi.
- Foi só um sonho.
- Sim foi só um sonho, não entendo porque você está assim.
- Porque foi só um sonho.