18 dezembro 2009

história sob um ângulo incomum

Oi! Eu sou um objeto inanimado e vou contar uma história louca. É, louca, tipo as histórias de um tal Clube da Escrita que tem na Fabico. Parece que mudou o nome, agora é Chá das Cinco. Volta e meia, eu observo os registros feitos na parede, com giz e canetas coloridas. O Chá/Clube é um deles, no meio de tantos outros que minha memória de objeto inanimado não deixa lembrar.
Eu observo as paredes riscadas, veja bem, quando eu posso e quando o ângulo é favorável. Sempre que querem me usar, me colocam de costas para a entrada principal do Diretório. Acho isso meio chato. O pior mesmo é o que fazem comigo depois, mas essa situação já tem tanto tempo que o mais sensato seria eu me acostumar a essa situação.
Sou branca e tenho várias irmãs, coloridonas. É, acho que agora me entreguei. Sou uma bola de sinuca, a que sempre é usada primeiro para tacar e espalhar as outras. Meio chata essa vida, mas pelo menos os humanos se divertem. Acho até que eles se divertem mais quando aprontam comigo, quando me encaçapam por acidente ou quando me atiram com o taco pra fora da mesa. Não entendo como fazem isso, a Física deve explicar. Ou não...
Apesar de tudo, não posso reclamar, porque meu "lar", eu e minhas irmãs somos elementos importantes naquela sala. Tem horas em que ficamos em paz, amontoadinhas naquelas espécies de redes que ficam nos cantos. Mas, quando entramos em ação, é legal porque parece ser sempre um momento alegre, de conversas e risadas.
Creio que ninguém nunca tenha me perdido por algum momento naquela sala. Pelo que eu observo na área verde, ninguém perdeu ainda minhas irmãs. Elas têm números... Dizem as regras que cada jogador (ou dupla de jogadores) deve encaçapar apenas as pares, enquanto o(s) adversário(s) encaçapa(m) as ímpares, ou vice-versa. Se não me confundi, deve ser isso. Enfim...
Eu vivo quase que totalmente no meu mundinho, não sei dizer ao certo se existem outras coisas inanimadas que são perdidas todos os dias naquela sala enorme e colorida. Quanto aos humanos, acho que todos eles são meio perdidos, dentro e fora do Dacom. Não tem problema. Certamente eles se encontram lá na mesa marrom e verde, de alguma forma.

Saudade:

aquele sentimento que, por mais que ele não se manifeste, estará ali, incansável, escondido e pronto a nos invadir em um momento de distração.

Etapas

Sonha. Idealiza. Planeja. Junta dinheiro. Faz uma varredura por sites de imobiliárias. Faz contatos. Prepara-se para encarar a enorme burocracia. Assina a papelada. Aguarda a liberação. Moradia nova.
Pesquisa mais, agora em sites de lojas de móveis e eletrodomésticos. Trena em mãos, verifica medidas e decide a mobília. Mais gastos, sempre eles. Pessoas desconhecidas montando coisas.
Analisa contas - o salário vai dar conta de condomínio, luz, água, gás? Lista de compras. Aventuras e desventuras na cozinha, árduas limpezas, insetos non-gratos.
O canto próprio, que tanta gente demora pra conquistar... E existem os que conquistam sozinhos, de forma independente, depois de tantos sacrifícios.
Pode parecer que não, mas enfrentar tamanha disposição e tamanho estresse requer coragem, muita coragem.

13 dezembro 2009

Disfarce

Paulo era um viciado em adrenalina desde garoto. Começou a andar de skate ainda pequeno. Com 10 anos ele já fazia as manobras mais arriscadas, e com 13 as rampas de seis metros já estavam perdendo a graça.
Na adolescência começou a surfar, mas não surfava em qualquer praia, queria as maiores ondas, e viajou o mundo inteiro atrás delas. Uma vez ele chegou a ir para o hospital, tinha ficado três minutos submerso e estava inconsciente. Voltou a surfar uma semana depois de receber alta.
Praticava todos os tipos de esportes radicais, pulava de pára-quedas em um fim de semana e de bungee jump no outro. Durante a semana ele dava aulas de vôo com asa-delta, até trocar de emprego porque esse já tinha ficado monótono.
E não parava por aí, ele também adorava animais perigosos. Alimentou tubarões na Austrália e adorou a temporada que passou na África cuidando de guepardos e leões. Seu animal de estimação era uma sucuri de quatro metros, que dormia ao lado de sua cama.
Paulo era famoso, principalmente graças às suas façanhas como pular das cataratas do Iguaçu em um barril. Alguns o chamavam de doido, outros de corajoso, e muitos não se importavam. Um dia um repórter lhe perguntou:
-Qual a sensação de fazer tudo isso?
-É maravilhoso, eu me sinto livre!
-E você não tem medo?
-Não.
Foi aí que um dia, inesperadamente, ele morreu. Os jornais sensacionalistas publicaram a manchete no dia seguinte: Paulo ficou preso em um elevador que enguiçou e teve um ataque cardíaco fulminante. Era claustrofóbico.
A coragem é o melhor disfarce do verdadeiro medo.

Frio

Respirou fundo. Sentiu o ar frio entrar pelo nariz, passar pela garganta e alargar suas costelas, enchendo os pulmões.
Respirava fundo todas as vezes agora, esperando para ver quando seria seu último suspiro.
Em seguida sentiu o ar quente saindo pela boca, esvaziando o seu corpo, levando o calor que lhe restava nas entranhas.
Olhou para o lado, viu o pote. A vista já estava embaçada. Quantas tinha tomado? 10? 20? 30 cápsulas? Desistiu de lembrar-se, o importante é que tomara o suficiente.
Olhou para a janela, o sol machucou seus olhos, mas continuou olhando pra fora, para toda a imensidão que não veria novamente. A neve caía lenta, calma, tranqüila...
Respirou novamente, o frio ficava mais intenso, sentiu um calafrio, começava pelas costas das mãos, subia os braços e as costas ao mesmo tempo, até a nuca. Tremia. Temia.
As manchas de tinta em suas mãos, de cada uma das cartas escritas. Cada uma era uma tentativa de explicar o que todos considerariam inexplicável.
Alguns flocos de neve entraram pela janela aberta. Tentou tocá-los, mas a vista embaçada não lhe permitiu.
Mais uma lufada de ar frio invadiu seu quarto e em seguida seus pulmões, mais um arrepio, e mais uma expiração quente levando um pouco de alma.
Sentia dor de cabeça agora, tontura. Ficou feliz, era um sinal de que tinha feito tudo certo.
Acomodou-se melhor na cama, puxou o cobertor, o frio agora era insuportável. Sentia que estava congelando de dentro para fora.
Respirou fundo novamente, com todas as forças, buscava ar, mesmo que fosse o ar gelado e cortante daquele inverno. Encheu os pulmões, alargou as costelas e expirou o que lhe sobrava de ar quente daquele corpo, da sua alma.
Enfim, o último suspiro.

De onde vem o Fofão?

-Odeio quando São Pedro tem mijadeira!!
-Sua delicadeza e finura me comovem Frederico...
Já era sete da noite, e a chuva que tinha começado às 4 horas ainda não havia dado trégua. Frederico, Pafúncia, Francisco Eduardo, Carlotina e Adamastor estavam presos na FABICO, mais precisamente no DACOM.
Frederico, Carlotina e Francisco Eduardo estavam terminando a partida de sinuca. Adamastor e Pafúncia estavam fofoc... digo, discutindo sobre um dos momentos de confraternização da faculdade.
-HÁ!!! Podem me idolatrar agora!! Ganhei dos dois!! – Frederico tinha acabado de ganhar na sinuca.
- Bah, desculpa Francisco Eduardo... – desculpou-se Carlotina.
- Nem esquenta, eu não joguei muito bem, não foi culpa tua - respondeu Francisco Eduardo, que culpava Carlotina e achava que teria sido melhor se tivesse jogado sozinho.
Adamastor então perguntou:
-Gente, vocês sabem qual é a história do Fofão?
-Como assim Adamastor? – perguntou Pafúncia
-Sei lá, de onde ele veio, por exemplo? Quando chegou a Fabico? Como eram suas mãos?
-Bom... Ele devia ser de alguma loja né? Manequim só se encontra em loja – Filosofou Carlotina.
- Ou ele surgiu numa noite fria e chuvosa, aparecendo na porta da frente da FABICO, como uma lembrança de nossos vetepassados! – Fantasiou Francisco Eduardo.
- Para com isso Francisco Eduardo, até parece! - Chiou Pafúncia
E a luz caiu na FABICO! O grito de Pafúncia e Carlotina ecoou nos corredores, só não foi mais alto que o de Frederico e Francisco Eduardo. Um breu absoluto se instalou ali, com o luar coberto pelas espessas nuvens do temporal. Até que Adamastor acendeu uma vela.
-Por que tu tinha uma vela na mochila? – Desconfiou Carlotina.
- São os mistérios da vida... – Respondeu Adamastor, que às vezes fazia macumbas.
-Tomara que fique assim até amanhã, pra não ter aula... – Comemorou Francisco Eduardo
- E como a gente vai pra casa sabichão? – Ironizou Pafúncia
- Que saco! Eu tenho que terminar um trabalho pra amanhã! – preocupou-se Frederico, que tinha que começar um trabalho para amanhã.
De repente um vento forte e frio invadiu o DACOM, os cinco se aproximaram, assustados, e a luz voltou em seguida.
-O FOFÃO SUMIU!! – Gritou Francisco Eduardo
- Como sumiu, ele deve ter caído em algum lugar com aquele vento – respondeu Pafúncia.
Procuraram por todos os cantos, e nem sinal do Fofão, foi então que Adamastor encontrou uma mensagem no lugar onde estava Fofão antes:
“B-I-S-C-O-I-T-O, menos quatro sobra ..........”
-Como assim? – Assustou-se Pafúncia
- Sobra oito!! Tira o B-I-S-C, sobra oito!
-Será que tem a ver com o oitavo andar? – Indagou Carlotina
Os cinco sabiam que era para lá que deveriam ir, mas nenhum tinha coragem de dar o primeiro passo. Até que Adamastor decidiu que não iria mais ficar ali, e resolveu chamar o elevador. Quando a porta se abriu perguntou quem mais iria com ele, e um a um, todos entraram. Apertaram o botão do oitavo andar.
Quando passou do quinto andar o elevador começou a tremer, e quando finalmente chegou ao oitavo começou a subir e descer rapidamente!!
-O QUE TÁ ACONTECENDO? – Gritou Frederico
-AI MEU SÃO CRISPIM, EU JURO QUE NUNCA MAIS TE DOU FAROFA VENCIDA!!! – prometeu Adamastor
-EU SABIA QUE FAZER COMUNICAÇÃO ACABARIA COM A MINHA VIDA!! MAS NÃO PENSEI QUE SERIA TÃO CEDOOOO!!! – desabafou Pafúncia
Francisco Eduardo sentou e chorou, e Carlotina tentava parar o elevador de qualquer jeito, mas não conseguiu...
Era mais uma manhã calma no dia seguinte, e todos comentavam sobre a chuva que tinha feito o elevador entrar em pane na noite anterior. A FABICO tinha sido o único lugar onde a luz havia acabado.
Quando chegaram ao DACOM os estudantes repararam que o Fofão não estava no seu lugar de sempre:
-Que bizarro! Quem será que pôs o Fofão em cima da mesa de sinuca? – Estranhou Clementina
-Sei lá, vamos tirar ele daí logo. Ah! Eu não consegui encontrar o Frederico hoje, tu viu ele por aí? – Disse Astrogildo.
-Não, a última vez que eu o vi foi ontem à tarde... Por quê?
-Nada não, é que eu tava fazendo um trabalho com ele. – Respondeu Astrogildo, que deixou pro Frederico fazer o trabalho deles.
Os dois colocaram o Fofão no lugar.
- Parece que os olhos do Fofão estão diferentes, mais brilhantes... – Observou Clementina.
- É coisa da tua cabeça Clementina. Vamos logo que eu tenho que achar o Frederico.
E os dois foram embora. Fofão estava no seu lugar de novo, com um estranho brilho no olhar, como se estivesse só esperando. Esperando pela próxima tempestade.

Surpreendo

Para o Governo: no RS:2053739773 em MT: 2012378-7. Para a UFRGS: 180765. Para minha mãe: bibi. Para o meu pai: baixinha. Para minha irmã: Cíntinha. Para minhas amigas: cici (ocasionalmente ci).
Sou indecisa, ansiosa, sempre acho que vai dar alguma coisa errada. Rio das piadas mais xexelentas (o que um tomate disse pro outro?) até as tiradas irônicas que quase ninguém entende. Aprendi a me adaptar desde cedo às situações e lugares diferentes. Costumo surpreender as pessoas, porque todos têm uma tendência a pressupor coisas ao meu respeito, talvez pelo meu tamanho, pela minha voz, pelo meu jeito. Sou forte com aquilo que seria normal eu ser fraca, e sou fraca nos momentos em que seria fácil ser forte. Pro bem ou pro mal, surpreendo.
Esses dias recebi um e-mail da minha tia, sobre o carro que eu deveria ter, que resume bem a situação: “Eu te vejo saindo, de salto, batom e seda, de um imundo e insuspeitável Jipe”.

EFRICA

A EFRICA era uma feira que acontecia em Passo Fundo todos os anos. Tinha lojas, exposições, animais, e o que mais me interessava em 1994: brinquedos!
Fomos bem felizes eu, meus pais, e minha irmã. Tudo muito bem, tudo muito bom, até que eu resolvi que queria ir num brinquedo (se não me engano um carrossel). Meus pais falaram que iríamos ali mais tarde e seguimos em frente. Mas eu não desisti da idéia, e com toda a independência e impetuosidade dos meus três aninhos de idade fui sozinha. Aproveitei um momento em que eles se distraíram e fui direto pro brinquedo que eu tinha deixado para trás.
Chegando lá, quem diria, precisava de dinheiro pra ir! Ninguém tinha me avisado desse detalhe, como eu vi que minhas eficazes técnicas de persuasão (vulgo: cara de dengo e biquinho) não dariam certo, eu resolvi voltar para os meus pais. Obviamente não os encontrei mais.
Então eu voltei numa das exposições de animais que tínhamos visitado antes. Chegando lá eu vi que tinha uma jibóia que eu não tinha visto antes, fui direto na caixa onde ela estava, meus pais que esperassem mais um pouquinho. Depois de ficar um tempo e perder a paciência com um bicho que nem fazia barulho eu fui falar com um tio dali:
-Tio! Oi tio! Aqui embaixo!
-Oi guriazinha, o que foi?
-É que eu não acho meu pai nem minha mãe.
-Qual o seu nome?
-Cíntia.
-E qual é o nome deles?
-Da minha mãe é Zeoni e do meu pai é João Carlos.
“Zeoni e João Carlos, sua filha Cíntia os aguarda no centro de informações” Foi a primeira vez que eu fiquei meio espantada, porque o cara tava falando ali na minha frente, mas eu ouvia a voz dele por todos os lados, acho que assim começou minha mania de perseguição...
Então me levaram para uma casinha lá da feira, e uma moça me levou para uma salinha com uma maca e umas poltronas, onde eu me sentei. Me ofereceu umas bolachas e eu aceitei. Estava bem distraída, saboreando minha bolachinha Maria quando olhei pra janela e vi minha mãe chegando! Fiquei bem feliz e abanei pra ela! Mas ela tava com uma cara... Nem me respondeu. Minha irmã vinha logo atrás dela, com uma cara pior ainda. Eu não entendi porque, eu tava bem feliz de termos nos reencontrado.
Depois disso, por mais que eu insistisse, nós nunca mais fomos à EFRICA.

01 dezembro 2009

Satolep noooooite...

...no meio de uma guerra civil.
Fim de junho, uma certa indecisão na vida, uma angústia inexplicável. Ilana, por hábito, liga o computador, senta-se e fica ali, o olhar fixo e sem vida. Não estava em Satolep, ops, em Pelotas; tampouco numa guerra civil. Estava numa luta interna para descobrir a que ela mesma tinha vindo.
Ilana P. era uma escritora que uns poderiam julgá-la por fracassada, mas outros, conhecendo-a melhor, diriam que não passava de uma moça esperançosa e idealista. Morava sozinha e considerava-se sortuda por contar com a ajuda financeira da avó. Seu apartamento minúsculo era um tanto sombrio e rodeado de recortes, páginas escritas, folders de centros culturais. Tudo era inspiração para Ilana, até mesmo a avó, única pessoa realmente próxima de sua vida. E claro, Vitor R.
O Vitor R. de Ilana P. não era o cantor e escritor que ela conhecia e admirava bastante. Vitor Renato foi um ex-vizinho de Ilana, envolvido com teatro amador, artes plásticas, nem ela lembrava direito. Escreveu contos, poemas, cartas, qualquer material confessando, declarando toda sua admiração, sua vontade de conhecê-lo melhor. Não era uma paixão, e sim alguma presença de espírito que Vitor tinha e que era muito diferente do mundo de Ilana, a ponto dela imaginar como seria o mundo dele, como ela viveria esse universo, caso ela viesse a integrá-lo.
Quase sem perceber, Ilana abriu o editor de texto na desktop. Pensou por alguns instantes e imaginou Vitor (o Renato) como alguém muito distante de seu passado, mas que pudesse tomar a iniciativa e aproximar-se. De ex-vizinho misterioso ligado às artes, Vitor Renato transformou-se em mendigo solitário em uma cidade grande e fria.
Ilana escrevia a história como se alguém ditasse as palavras para ela. O mendigo andarilho e sem esperanças avista uma moça do outro lado da praça. Ela caminha apressada e completamente coberta de roupas e acessórios quentes, carregando uma mala com alguns broches antigos. Impaciente, quase atropela as pessoas à sua frente e um dos broches desprende-se do tecido da mala. Ele sai correndo, despertando desconfiança em todos. recupera o broche e tenta devolvê-lo à sua dona.
- Olha pra mim!
Ela se assusta, mas vê a mão estendida com o broche perdido e agradece pelo gesto. Um pouco sem jeito, a moça dá meia volta e retoma seu caminho, não sem antes pensar:
- Não há nada mais triste que um homem morrendo de frio.

07 outubro 2009

Antes da Barriga

Minha lembrança mais antiga,
É de antes da infância, antes da barriga.
Lembro de quando Deus disse:
- Vai guri! Que um dia contarão lendas tuas,
De briga com lobos famintos e
Romance com ninfas nuas.

06 outubro 2009

quem? o quê?

Bens, pessoas, frases, imagens, lugares, impressões, sabores, cheiros, memórias. Tantas coisas...
Tantos eus. Meus eus.

30 setembro 2009

O Camaleão

Na densa selva urbana, vive o camaleão.
Sua cor ninguém sabe. Seus olhos nada dizem. Sua voz não se faz ouvir. Seu pensamento não se põe a voar. Esta sempre a se adaptar.
Nada copia. Tudo recria.
E tudo então muda, pois ele muda. Nem sempre escolhe mudar, mas já não faz mais diferença. Mudar é sua vida.
Muda pra si mesmo. Muda pelo outro. Muda por ninguém. Muda tanto que talvez nem ele mesmo saiba quem é.
Ora azul, ora vermelho, ora verde, ora invisível. Olha-se uma vez no espelho e desta vez está amarelo. Se olhar outra vez já mudou de cor.
Às vezes ri. Às vezes se cala. Às vezes busca em sua busca infinita, sem ter esperança de um dia encontrar a resposta que tanto procura.
Quem sou eu?
Mudar.
Não é uma mentira. Essa é sua verdade. A única que conhece. Não muda por querer. Muda pra sobreviver. Mudar é sua defesa. É mudando que ele vai vivendo.
Pena que quando morrer, ainda não saberá quem é.

26 setembro 2009

Um Lugar Seguro

Acordou assustado mais uma vez. O pequeno coração batia acelerado e ele suava um pouco. Olhou ao redor sem realmente enxergar e um suspiro afobado escapou de seus lábios. Levantou em um salto, jogando os cobertores para um canto qualquer e disparou de seu quarto na direção do único lugar onde ele sabia que haveria conforto para seus medos.
Ao sair do quarto, deparou-se com o corredor mergulhado na penumbra que se estendia na sua frente. Precisou passar por ele correndo, cheio do temor de que as sombras o agarrassem para envolvê-lo na escuridão.
Aproximou-se da porta do quarto dos pais e aguardou um breve instante, pensando que não queria continuar incomodando os pais com isso, mas um ruído qualquer o tirou de seus pensamentos e o fez lembrar das terríveis criaturas que o aguardavam em seu quarto, ferozes e famintas. Elas não esperariam muito mais. Logo estariam a sua procura.
Moveu a maçaneta o mais devagar que sua pressa, provocada pelo medo, permitiu. A porta estava destrancada. Suspirou de alivio. Os pais já sabiam que em certa hora da noite o filho iria até o quarto deles e preferiam deixar a porta aberta a sua espera. Tinham certeza que essa fase de pesadelos passaria logo.
Fechou a porta atrás de si e só de adentrar no aposento sentia-se mais seguro, como se todo medo não o tivesse como segui-lo ali. Era por isso que via o quarto dos pais como um tipo de templo, onde nenhum mal era permitido. Ali ele estava a salvo.
Não queria acordar os pais novamente com a velha história de ter tido um pesadelo, por isso deitou-se aos pés da cama, bem na beirada. Estava um pouco frio, mas ele sabia que iria acordar embaixo das cobertas e envolto pelo abraço aconchegante de sua mãe. Não havia com o que se preocupar.
O sono logo veio e ele adormeceu tranqüilo. Ali não havia temores, pesadelos, monstros, sombras ou qualquer coisa que pudesse devorá-lo. Ali nada o perturbava. Ali era um lugar seguro.

22 setembro 2009

Infância (des)conhecida

1991. Amália e a cidadezinha interiorana. As ruas de paralelepípedos, os canteiros de flores, os vizinhos conhecidos da família e de toda a cidade. Aquela rua específica, uma das entradas principais do município. O dia nublado, ameaçando uma chuva forte. A quadra ainda mais pacata, mais deserta. Amália fora de casa, na esquina, descobrindo o mundo. Insistente que era, queria experimentar uma nova visão além. Avançando pela calçada, vislumbrou a torre da igreja em frente à praça - não ficava muito longe dali. Contemplou por poucos segundos até que...
... o despertador toca. Mais um dos sonhos de infância-não-vivida-daquele-modo de Amália. Não se lembrava de já ter estado em uma cidade tão pequena antes. Seria uma vida passada? Seria uma inspiração para um conto? Seria uma forma de aviso, um sinal para Amália prestar atenção em detalhes que poderiam ser importantes?
Desceu ao sótão de sua casa: o atelier de pintura. Diversos quadros não acabados, a inspiração que aparecia e sumia repentinamente. Sem nem pensar muito, começou um novo quadro. Procurou reproduzir fielmente a rua, a igreja, a menina de costas, o canteiro, os paralelepípedos, a calçada. E, enquanto concluía, pensava na possibilidade do quadro representar a lembrança de alguém tão inesperado como seu sonho.

15 setembro 2009

AU-TENTE-CIDADE

Noite de forte calor em alguma grande cidade nordestina, o filho sentado na rede faz palavras-cruzadas, não sabendo a resposta de uma questão ele pergunta:
- Painho, o que é sinônimo de município e tem seis letras?
O cachorro da casa então emite um único latido, e com sotaque típico da região o pai responde:
- Tente... Cidade.

autenticidade





















11 setembro 2009

O tênis que você usa

Eu sei que não devia, mas eu lembrei da Silvia.
Ela queria ser única, autêntica. Estava cansada daquela vidinha mediana e cotidianamente frustrante que vivia. Queria se destacar. Não ser apenas mais uma no meio do comboio indo para qualquer lugar, lugar nenhum. E para mudar resolveu começar comprando um tênis. Um tênis novo, daqueles cheios de conceitos embutidos que ninguém entende. Com estampa, não poderia ser liso. Esse tênis que foi feito por alguém. O Seu Zé. Que teve uma ideia. Tinha o modelo pronto, mas podia inovar. Resolveu fazer uma costura diferente, que na sua opinião ficava bem melhor. Tinha visto isso numa revista de Moda da sua filha de quinze anos. Revista estrangeira, coisa completamente atual, quase 2.0, mesmo não sabendo direito o que significava isso. Enquanto sorria por sua genialidade, o Dr. Cláudio, dono da empresa, passou por ele. Cláudio, ou Dinho como os mais íntimos o chamavam. Ele tinha desenhado aquele tênis, com o próprio pulso, numa folha de papel qualquer e uma caneta azul. Não, me desculpe. Não era qualquer folha nem qualquer caneta. Era a caneta. Era linda, banhada a ouro. Um velho amigo seu que havia lhe dado, ou vendido, dependendo do ponto de vista, que para ele sinceramente não importava. Pois a caneta era feita a mão também, edição limitada. Única. Matt, o amigo. Já o conhecia de longa data, apesar de ser apenas um rapaz de trinta e poucos anos. E mesmo tão novo já era conhecido mundialmente por suas canetas banhadas a ouro, modelos feitos especialmente para quem fosse muito cheio da grana e lhe fizesse um pedido. Ele comprou. Queria ser único. A caneta feita por Matt. Um guri de trinta e poucos anos que adorava extrapolar em suas canetas. Era esse seu negócio, fazer de uma caneta, simples instrumento em uma obra de arte. Arte cara, afinal era única. Matt aprendeu a fazer canetas banhadas a ouro num curso em Viena. Um outro velho amigo seu que havia lhe indicado. Era caro, mas valia a pena. Pagou, e agora vende suas ideias. Diz ele que é autêntico pois suas canetas estão sempre seguindo as tendências da moda, dos renomados carinhas de Paris. Esses carinhas que pegam referências em tudo que já foi feito, para fazer algo novo e autêntico.
E foi pensando na Silvia, já de tênis novo, que enfim olhei para os meus tênis. Sorri.
Ufa!, não sou a única.

08 setembro 2009

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Não escrevo poemas: não tenho certeza
se sei escrevê-los.
O que eu escrevo é sobre e para diferentes figuras,
diferentes Andiaras
(uma tão destoante da outra!)
e diferentes “alguéns”, tão variados nas suas formas de ser.
Certo? Errado? Bom? Mau?
Apenas definições e convenções?
Ser o que se é, com suas dores, delícias
e jeitos múltiplos:
tente.
Ainda assim terá
(e sempre será)
autenticidade em sua essência.

17 julho 2009

O começo do Fim

Os pais de Rafa tiravam uma sesta no seu quarto. O irmão dela havia saído para jogar fliperama no centro da pequena praia. Estavam enfim sozinhas no seu quarto. Manu deitada no beliche de cima e ela no de baixo. Rafa saiu do quarto, voltou em cerca de 5 minutos sorrindo. Passou pela porta e a trancou.
- Desce aqui - falou deitando-se na cama de baixo novamente.
Manu deitou ao seu lado.
- Estamos sozinhas - beijou -a.
- Eu queria perguntar uma coisa para você... - disse dando mais um beijo.
Rafa tinha a impressão que se a beijasse mais algumas vezes faria com que o seu pedido fosse visto de uma maneira mais tranquila.
- Pergunta depois - se virou ficando por cima dela. Beijou seu pescoço, descendo pelo seu colo.
- Vem cá - segurou levemente sua cabeça fazendo com que seus olhos ficassem na mesma altura - É sério, queria muito falar com você.
Cada vez que Rafa pensava nesse assunto sua barriga congelava. Sentia a ponta dos seus dedos ficarem frias também e seu coração bater forte. Queria falar isso de uma vez, simplesmente falar e pronto. Mas tinha medo. Era um passo muito grande para as duas. Pra ela era algo tão importante que fora justamente por isso que demorara tanto tempo para falar. Mas tinha medo. Na verdade talvez fosse o medo, ele sozinho, puro e cru, que a fizera com que não falasse isso antes. Esse medo que a consumia. E se ela simplesmente dissesse que não? Estaria pondo seu relacionamento no lixo por um capricho. Mas seria capricho seu pedido? Não estava mais do que na hora disso acontecer?
- Não pode ser depois? - Manu deu mais um beijo longo em sua boca, mas Rafa segurou suas mãos tentando impedi-la. Olhou-a nos olhos. Ela sorriu mordendo o canto da boca.
- Ta bom, fala - Manu por fim disse, deitando-se novamente ao seu lado.
Ela escorou sua cabeça na sua mão esquerda. Passou sua mão direita sobre o rosto de Manu. Todo aquele tempo que demorava para falar servia para tomar coragem. E se aquila não fosse a melhor hora para falar aquilo? Mas que hora seria? Já estava há muito tempo adiando aquela conversa, quanto tempo mais levaria para falar? Esperaria mais o que acontecer?
- Eu gosto muito de você Manu - deu mais um beijo.
- Eu também gosto de você, era isso? - perguntou enquanto tentava voltar ao seu posto.
Ela riu abraçando-a.
- A gente já tá ficando há bastante tempo né?! - ia fazer isso, aos poucos inserindo o assunto. Talvez estivesse aí a salvação para seu medo, quando visse já tinha falado e acabado com toda sua aflição. Respirou um pouco mais aliviada.
- Sim - Manu respondeu já imaginando qual seria sua próxima frase. Provavelmente ela gostaria de ter um relacionamento mais sério. Não que ele já não fosse, mas algo com pelo menos um nome. Queria talvez falar para mais pessoas que estavam juntas, o único que sabia era o André, o melhor amigo delas. Mas só de pensar em firmar um relacionamento sentia calafrios estranhos, um medo e uma vontade de fugir. Não gostava da ideia de ficar presa a alguém, mesmo que esse alguém fosse a Rafa, única pessoa do mundo em que ela confiava plenamente. Sentiu seu coração bater mais forte, não queria ter aquela conversa. Sentia medo. Sentia receio que aquilo que ela imaginava, em instantes sairia pela boca de Rafa, e então surgisse uma situação que ela não estava esperando. Ou pelo menos, esperava mas não desejava.
- Eu gosto de mais disso tudo que a gente tem - falou com seus olhos brilhando, em meio a um sorriso. Por trás de seu sorriso, fechado com seus dentes muito apertados, tentava não deixar escapar a pouca coragem que tinha.
- Eu também gosto do jeito que as coisas estão agora - frisou o "agora".
Ela concordou com a cabeça. Ficaram alguns instantes em silêncio. Manu percebia em seus olhos que ela queria falar alguma coisa, que estava tentando achar algum jeito de colocar tudo que tinha em mente para fora. Ela conhecia Rafa. Sentia em sua expressão que seus pensamentos estavam a mil. E isso a preocupava. Era isso mesmo que estava imaginando, logo mais ela iria falar aquilo que há tanto tempo temia, e fazia esforço para que não acontecesse.
- Fala o que você quer falar, estou aqui - falou enfim se arrependendo. No fundo ela não gostaria de ouvir o que ela tinha para falar. Se é que ela iria pedir em namoro. Fazia dias que ela tocava nesse assunto, perguntava o que achava disso, contava que não sei quem estava namorando. Um dia chegara a colocar o "também" depois de dizer que Mariana e o Nando estavam namorando. Manu fingiu não perceber nada. Não queria passar por isso, ter que se comprometer. A palavra comprometimento lhe dava náuseas. Ela não queria ficar com outras pessoas, mas só de pensar em ficar só com uma pessoa para sempre ficava angustiada. Manu gostava de ser livre, e gostava de ficar com ela quando sentia vontade. Tudo bem que desde que voltara do seu intercâmbio nunca mais haviam se desgrudado, mas em pensar que ela "deveria" ficar com Rafa pois ela era sua namorada dava vontade de nunca mais ficar com ela.Talvez Rafa tivesse percebido que ela estava pensando nisso, pois tentou cortar seus pensamentos falando um pouco devagar, como se medisse cada palavra que dizia.
- Falei com o André esses dias... - sua respiração parecia não querer sair, seus olhos mal piscavam.
- Sobre o que vocês falaram?
- Sobre um monte de coisas, sobre eu e você.
- Sobre nós duas, por quê?
- Perguntou se estávamos namorando... - seus olhos encaravam agora a janela. Os pingos de chuva batiam forte contra o vidro. De vez em quando se ouvia barulho de trovões. Ela esperou terminar o estrondo que vinha dos céus para continuar a falar. No meio do estampido tentava acalmar seu coração.
- E eu não soube o que responder – continuou.
- A gente está juntas, não está? É isso que importa ter o que a gente tem - sorriu tentando persuadí-la de que isso só bastava.
- E o que a gente tem? - perguntou voltando-se enfim para Manu, porém não ousava olhá-la nos olhos.
- Isso - beijou-a.
- E o que é isso que a gente tem?
Tentou beijá-la novamente, mas Rafa segurou sua boca gentilmente.
- Não sei, isso é realmente importante? Dar nome as coisas? - Manu já estava ficando desesperada. Rafa ia mesmo falar aquilo que temia? E se falasse, o que ela iria responder?
Rafa já não sentia mais seu coração bater, nem sua respiração. Estava perdida em meio a seus pensamentos e ao seu medo de simplesmente deixar sair pela sua boca tudo que tinha para falar.
- Você acha que não? Nem a gente sabe o que a gente tem... - seu semblante mostrava uma leve tristeza.
- Mas a gente tem uma coisa mágica, algo surreal, pós-perfeito. É isso que a gente tem. Desde quando voltei não teve um dia que a gente não se falou, que não ficamos juntas de alguma maneira.
- E que nome você dá pra isso? - ela insistia em dar nome aos bois, pensou Manu.
- Amor? - sorriu carinhosamente para ela.
- Também, mas quando as pessoas se amam... elas...
- Elas se beijam - tentou novamente uma investida. Mas Rafa manteve firme sua mão em frente a sua boca impedindo-a.
- Mas além disso elas...
Manu não queria por hipótese alguma continuar com aquela conversa. Mas os olhos de Rafa esperavam alguma reação dela. Qualquer coisa.
- Elas...? - foi o melhor que pode dizer.
- Elas têm compromissos, fazem sabe... Essas coisas que pessoas normais fazem.
- Mas a gente faz tudo que as pessoas normais fazem Rafa...
- Às vezes parece que não.
- Aonde você quer chegar com isso? - toda vez que abria a boca, tinha a certeza de que o melhor a fazer era ficar calada.
- Não sei Manu...
Manu mais uma vez ficara em silêncio, deitando-se novamente ao seu lado. Ambas olhavam para o estrado da cama de cima. Rafa tentava puxar uma felpa de madeira que não queria sair - Sabe, quando o André me perguntou se... - fez uma pausa de alguns segundos, focou seus olhos apenas na felpa - se a gente tava... sabe, namorando - seu rosto ficou levemente corado, continuou puxando a felpa - eu não soube o que responder.
Ela queria namorar. Bem, ela queria travar compromisso sério, para ela aquilo que elas tinham não bastava. Bem coisa de mulher, pensou Manu nervosa. Mas sentindo o peso daquele silêncio, resolveu falar - É, a gente não ta namorando...
- Não estamos - disse Rafa com uma voz mais fraquinha.
- E qual o problema disso?, a gente continua se gostando, continua se vendo sempre que podemos, eu não fico com ninguém, você também não fica com ninguém. Não sei que diferença faz dizer que isso é namoro ou não.
- É, vai ver que não faz mesmo... - falou conseguindo enfim retirar a felpa da madeira. Rafa pensava que talvez, vendo por esse ângulo, elas não precisassem namorar. Tava bom do jeito que tava. Tentou acalmar o seu coração, voltando-se para Manu.
- Pra você não faz diferença isso né?
- Não, eu continuo apaixonada por você - sorriu abraçando-a. Deitou sua cabeça no seu colo.
- Mas eu também sou apaixonada por você... É por isso que eu penso nessas coisas.
- Que coisas? - Manu sentia que precisava mudar de assunto. Pensou até em falar sobre o tempo e a chuva que caía lá fora.
- Namorar...
Seu coração deu um pulo. Não sabia de onde viera àquela repulsão pela palavra namoro, mas sentia. Permaneceu em silêncio. Sabia que qualquer coisa que ela dissesse poderia se voltar contra ela mesma, resolveu se calar o máximo que pode, ou que a conversa permitia.
- Manu... Eu andei pensando, eu gosto muito de você, eu gosto muito de ficar com você.
- Eu também gosto, você sabe disso... Não sei qual é o problema - sorriu suspirando, agora chegara sua vez de procurar uma felpa para puxar. Talvez ela pudesse desfazer a tensão que aquela conversa tinha. Manu conseguia sentir o peso de cada palavra que era dita, e principalmente daquele silêncio que tentava impor. Mas parecia que Rafa estava decidida a falar o que tinha para falar. E talvez nem felpa, nem o silêncio, nem os trovões lá fora a fariam se calar.
- O problema é que... Eu quero mais do que isso com você, não quero ser só uma amiga sua que você fica.
- Mas você sabe que não é só uma amiga com quem eu fico.
- Então eu sou o que?
- Você é a menina mais linda que eu conheço.
Manu sorriu para si mesma, valia qualquer coisa para impedir que Rafa falasse o que estava prestes a falar.
Ela fez que não com a cabeça. Manu teve a impressão que enfim Rafa entendera que ela sabia do que ela estava falando. As duas sabiam. Até o tempo lá fora sabia, pois naquele instante a chuva acalmara, fazendo com que o silêncio naquela sala preenchesse todas as lacunas daquela conversa.
- Manu, eu quero perguntar uma coisa... Na verdade te pedir uma coisa. - respirou forte. Pareceu que sua respiração dera mais vigor a ela, pois falou com mais força que antes, com mais convicção e coragem.
- Manu...
- Fala... - disse baixinho, quase como suplicando para que ela não falasse nada.
Rafa fechara os olhos. Suas mãos suavam geladas. Ou ela falava ou ela se calava. Porém se ficasse quieta estaria enterrando aquele assunto de vez, afinal não cabia mais adiar aquela conversa. Seu medo tomara conta de tudo, não conseguia abrir a boca. Será que ela estaria enganada de falar aquilo? Será que era precipitado de sua parte fazer o pedido?
Todas as dúvidas começaram a surgir ao mesmo tempo. E seu medo dera lugar à insegurança. E se ela simplesmente não aceitasse seu pedido, ela estragaria toda aquela coisa linda que tinham? Mas se ela não falasse, ela não conseguiria acalmar seu coração que batia aflito dentro do seu peito. Quando abriu a boca, teve receio que ele saísse pulando por ela. Mordeu os lábios mais forte, tentando tomar coragem. Seria então no três, tentou contar mentalmente.
Um.
E se ela não aceitar?
Dois.
E se for a coisa errada a se fazer? E se isso fizesse com que ela se distanciasse? Rafa conhecia Manu desde sempre, eram amigas de infância. Sabia que ela era a menina mais insegura que já conhecera. Que tinha medo de relacionamentos, mas talvez não fosse essa a hora de fazer com que Manu perdesse esse seu medo de namoro?
Três.
Respirou forte.
Não, talvez fosse melhor contar até quatro.
Um.
É fácil, é só pedir.
Dois.
Abrir a boca e falar.
Três.
O máximo que pode acontecer é ela não responder.
Três e meio.
E continuar tudo como está.
Três e quase quatro.
E se continuar tudo como está, ainda assim estará bom, afinal elas estarão juntas.
E quatro.
Respirou mais uma vez fundo. Sentiu seu coração pular com força, era chegada a hora. Era simples, repetia para si mesma. Era só falar. Já tinha contado até quatro. Já tinha perdido noites em branco pensando na melhor maneira de dizer isso à Manu. Já tinha dado início àquela conversa. Era simples, repetia para si mesma. Era só falar.
- Rafa... Eu gosto de você, não entendo pra que isso agora.
- Quer-namora-comigo? – interrompeu falando tão rápido que por alguns segundos ficou pensando se não havia falado de verdade, pois Manu simplesmente se calara.
Houve um longo silêncio. Era um silêncio tão pesado que Rafa podia ouvir ele ecoar por todo o quarto.
Por sorte, daquela posição em que estavam, Manu com a cabeça escorada no seu colo olhando para baixo, ela não conseguiu enxergar a cara de horror de Manu. Manu sabia que algum dia esse momento chegaria e ela precisaria responder alguma coisa. Qualquer coisa, mas deveria pronunciar alguma palavra. Mas não saia nada. Permaneceu um longo tempo em silêncio. Como dizer para Rafa que ela não gostava dessa idéia de compromisso, e que assim como estavam já bastava para ela sem magoá-la? Manu não queria perder aquela menina, ela gostava de ficar só com Rafa. Não duvidava de relacionamentos monogâmicos. Não era isso. Acreditava em namoros, mas com os outros. Não com ela. Namorar para Manu parecia infringir seus direitos de liberdade, de um ser único. Parecia que seriam obrigadas a serem duas pessoas em uma só. Não era isso que significava namorar? Aliás o que seria namorar se não era aquilo que elas tinham, então para que precisariam dizer, com todas as vogais e consoantes que estavam namorando? Mas ela tinha que responder aquilo, e precisava ser "sim". O não estava fora de cogitação, porque isso significaria magoá-la, significaria perdê-la por uma bobagem. Mas será que seu jeito de ser era uma bobagem a ser passada por cima? Manu aprendera desde cedo que deveria lutar pelas coisas que acreditava, porém ela simplesmente não acreditava em namoros. Ela achava lindo seus tantos heróis morrendo pelas coisas que acreditavam. E chegou a conclusão de que ou ela morria ou ela vivia. Mas ela não queria morrer, não naquele momento. Ela não estava disposta a morrer. E se para isso ela precisaria aceitar seu pedido mesmo sem acreditar nele, então ela o faria. Mesmo que para Manu soasse como uma prisão, como algo contra a sua natureza. Que se prender com outra pessoa era assinar o óbito de qualquer relacionamento pré-existente. Mas ela queria viver, então já havia feito sua opção. Ela que arcasse com as consequências.
Precisava aceitar, pensou mais uma vez. Era só dizer que sim. Era simples. Só abrir a boca e falar. O máximo que poderia acontecer era estragar aquela coisa linda que elas tinham. Mas se isso acontecesse era porque elas não deveriam continuar namorando. Era só dizer que sim e aquele suplício acabaria. Colocou seu medo, sua angústia e principalmente sua reprovação de lado. Deu lugar para o amor que sentia por Rafa. Isso era mais importante. Respirou fundo. Ficou com medo de que Rafa sentisse seu coração batendo forte. Olhou para a janela, esperando que começasse a chover novamente, que acontecesse alguma coisa, que desse um barulho lá fora para que ela não precisasse responder aquele pedido. Esperou mais alguns segundos ainda que voltasse a chover. Mas lá fora tudo estava calmo. Já seu coração continuava a bater enlouquecidamente. Era simples. Era só falar.
- Manu...
- Quero - falou muito baixo, para dentro como se quisesse fazer voltar cada letra que havia pronunciado.
Naquele instante Rafa respirou aliviada, sentindo a maior felicidade do mundo.
Naquele instante Manu parou de respirar, sentindo que tomara a pior decisão de sua vida.

08 julho 2009

Fragmentos

- Quando?
- Hoje, já falei!
- Calma!
- To calmo.
- To vendo.
- Então pára de pedir calma!
- Ta, parei, não precisa se estressar.
- Você só pode estar brincando…
- Mas me conta, como foi?
- Foi só um sonho.
- Então porque você está nervoso?
- Eu não to nervoso, mas que saco!
- To vendo.
- Eu to calmo.
- Percebi.
- Foi só um sonho.
- Sim foi só um sonho, não entendo porque você está assim.
- Porque foi só um sonho.

24 junho 2009

Memórias.

“Observei o anoitecer calmamente. Era verão, mas eu não o desfrutava como a maioria. Aliás, sequer o desfrutava. Já fazia meses que eu estava naquele quarto branco de hospital, dormia numa cama alta de hospital, sentia o cheiro de comida de hospital. As pessoas, lá, eram gentis. Mas aquele não era meu lar. Nunca quis viver por muito tempo no centro da cidade, gosto da calmaria dos lugares mais afastados. Mas não tinha escolha. Aquela era uma situação difícil para mim e para todos.”
Naira, ao escrever, sentiu-se escrevendo sua autobiografia. Parou. Não queria que aquele projeto de texto tivesse um tom, talvez, banalizado. Ela precisava escrever sua história, mesmo que só ela tivesse acesso e relesse tantas e tantas vezes.
Continuou:
“Soube da doença, mas ela foi fulminante. Não deu tempo. Larguei tudo em casa para dedicar-me ao hospital por inteiro: da cama ao banheiro, volta pra cama, troca de roupa, sai a caminhar lentamente pelos corredores, chega à sala para fazer novos exames, o que será que está acontecendo? De volta ao quarto, familiares chegam, bem como os atenciosos enfermeiros, médicos aparecem para fazer suas visitas... de médico, chegam as refeições, maçã, sopa, pãozinho, leite, geleia. Alimentar-se é difícil, cada vez mais e...”
Aquelas lembranças são demais para Naira, que chora compulsivamente. Não queria guardar essas lembranças tão tristes de sua mãe. Não queria passar pela próxima etapa, a de vê-la em um caixão de madeira. Não sabia como seria seu mundo dali em diante. Apenas rezou para que sua querida mãe protetora estivesse melhor em sua nova morada, livre do sofrimento, da dor, dos remédios e de todo aquele ambiente triste de hospital.

19 junho 2009

Bom dia

Para: Joseane
Assunto: Importante, leia.

Faz tempo que eu queria te falar isso, e eu sei, juro mesmo, que essa não é a melhor maneira. Mas tem outra? Acho que não, né? Infelizmente, e hoje eu tenho certeza de que isso é muito mais infeliz do que qualquer outra coisa, é isso que temos.
Antes de mais nada quero te agradecer. Por tudo que tu me deu, por tudo que tu não me deu, por tudo que deixou eu te dar. Por tudo que criamos, por tudo que recriamos, por tudo que destruímos. Tudo feito a quatro mãos, ou como costumo pensar, a dois computadores.
E é isso que me consome, me mata, me angustia. Olhar pra essa tela quadrada, fria, suja, longe, distante, que se desliga com um simples apertar de botão (como se o amor fosse assim fácil de desligá-lo).
Essas teclas com tantas letrinhas, tantas palavras, números e códigos. Essas letrinhas que são nossa história. E me desculpe se sou grosseiro, se não tenho mais forças, esta que eu deveria ter e que tive por tanto tempo.
Nossos sonhos eram lindos, nossas expectativas também. Só que já foram. Perdi minhas esperanças, perdi a minha compulsão, a minha vontade, as minhas cores que tanto pintamos juntos.
Prefiro te ver de longe, te idolatrar e fazer de ti um monumento. Algo lindo, bem tratado, refinado, feito a mão. As minhas mãos, porque tudo que tive contigo, fui eu que criei, que cultivei segundo a segundo para que não se perdesse.
Prefiro ter a tua lembrança assim, de tudo que foi e de tudo que poderia ter sido. Assim não terei o gosto amargo dessa forte decepção, dessa coisa que tinha tanto pra ser e que nunca será. Esse nosso amor de tantos sonhos...
Não duvide por nenhum momento que eu não tentei. Eu tentei, juro. E eu te dizer tudo isso é o ápice das minhas tentativas, é o marco final.
Quero te ver feliz, linda do jeito que sempre foi. Só que eu aqui e daqui não consigo nem ao menos acordar ao teu lado te dizendo bom dia.
Um simples bom dia. Foi isso que eu sempre precisei. Nada além, apenas a possibilidade de olhar nos teus olhos logo ao acordar. O teu olhar que eu nunca senti sobre mim. Os teus olhos tão castanhos. Será que eles brilham do jeito como me parecem aqui de tão longe?
Nós que tínhamos tudo para dar certo. Todas as possibilidades agora me impossibilitam de seguir adiante. Desculpe, cansei. Não há amor no mundo que supere as tantas barreiras que ainda enfrentaremos quando não se tem a outra pessoa com quem dividir. E eu queria, sempre quis, desde a primeira vez que a vi dividir minha vida contigo. Mas você me parece dar mais importância para outras coisas. E dessas outras coisas eu não faço parte. Será que fiz em algum momento?
Às vezes eu chego a duvidar. Tantas promessas, pactos, contratos, acertos pra esse nosso desencontro no final.
Eu quero sentir o gosto, as formas, a vida, o sol das manhãs de domingo sem ter esse peso no meu coração. De tentar ver cores num quadro cinza e caído no chão. Um copo vazio, um vidro quebrado, esse computador queimado, em chamas.
Atear fogo em tudo, é disso que eu tenho vontade. Queimar até o fim esse nosso amor descompassado, e todas essas lembranças que nunca existiram.
Não te digo à deus porque nunca tive a oportunidade de olhar nos teus olhos e dizer olá.
Apenas te desejo uma vida com menos sonhos, com menos expectativas, com menos fantasias, com menos lembranças e com mais realidade.
Pinte o quadro que quiser, mas não o esconda em uma estante qualquer. Mostre ao mundo, às pessoas e se um dia assim quiser, mostre a mim, pois estarei esperando, mesmo sem esperar, o dia em que isso acontecer. O dia que então eu poderei acordar ao seu lado e não precisarei abrir os olhos para ter a certeza de que você está ao meu lado, pois sentirei o teu coração ali comigo, feito a uma só mão.
Marcelo ouviu o telefone tocar. Era Joseane. Hesitou por uma fração de segundos se atenderia ou não. Aqueles segundos que decidiriam seguir adiante ou estagnar.
Ao ouvir aquela voz tão doce que vinha do outro lado do telefone, sentiu seu vazio se preencher. De sonhos, de expectativas, de fantasias, de lembranças. Da sua realidade.

17 junho 2009

Conversa entre estrelas

- Noite bonita.
- É. Lua cheia sempre é bom.
- Não tem nenhuma nuvem...
- É... Mas tá chato.
- Por quê?
- Ora, as pessoas só correm o dia todo e, quando chegam em casa, é noite e ela fecham as janelas. De que adianta estarmos aqui?
- Estamos aqui para lembrar.
- Lembrar o quê?
- Lembrar cada sonho que alguém tem. E quem sonha sempre nos olha, mesmo que em um pequeno instante. Fique atenta e perceba.
- Tá... Não vejo nada. Todos estão dentro de casa.
- Olhe ali! Naquela janela!
- Aquela menina?
- Sim! É sempre ela... Toda noite, bem tarde, abre a janela e nos espia... O que será que pensa?
- Talvez nos problemas. Sempre a vejo correr o dia todo!
- Talvez se lembre dos seus sonhos...
No quarto, ela pensa:
- Aí estão vocês de novo. Toda noite fico aqui olhando para as estrelas: meus sonhos perdidos na imensidão do céu! Queria poder conversar... Pena que as estrelas não falam.
Sorri, fecha a janela e dorme.

28 maio 2009

O apartamento antigo

Como eu adorava aquele apartamento. Como eu adorava aquelas paredes pintadas de bege claro, como eu adorava aquele carpete cinza. A cozinha de azulejos brancos e reluzentes, o banheiro com azulejos decorados com flores. Era um lugar tão espaçoso e tão meu.
Tinha elevador e 6 andares, em uma avenida movimentada. Eu era tão pequena, mas sentia que aquele lugar sempre pertencera a mim. Sempre fizera tão parte de mim.
Dizem que tudo que é bom acaba. E era a hora de sair dali, sair do meu apartamento amado. Como podiam fazer isso? Por que aquilo estava acontecendo? Diziam que seria preciso mais espaço. Tinha até gente que perguntava se eu teria ciúmes do irmãozinho que viria. Que irmão? Eu estava alheia a tudo aquilo. Precisava dos meus pais, claro, mas mais ainda daquele apartamento.
O novo apartamento estava localizado em uma área nobre da cidade. Era bonito e era maior do que o antigo. Mas parecia frio, e não digo frio de temperatura, mas frio de ambiente. Tudo era tão sofisticado, bem acabado... eu gostava da informalidade, da simplicidade, da cara de apartamento antigo que meu antigo lar tinha.
Vivi naquele apê chique e frio de ambiente por muitos anos, eu, meus pais e o irmão que aprendi a amar. Éramos - e somos - uma família feliz. Os filhos cresceram e, nada mais natural, quiseram buscar sua independência. Meu irmão e eu fomos pra universidade, começamos a trabalhar, a conquistar nossas pequenas coisas.
Procurei muito por um apartamento. Não precisava ter muitas coisas, podia ser de um só quarto, só um cantinho para poder chamar de meu. Foram meses juntando dinheiro, meses procurando. Mas tem coisas que são ironia do destino - se não são, não sei mais o que são.
Aquele antigo apartamento no qual morei estava desocupado. Creio que tenha ficado desocupado por muitos anos, não havia nenhuma mudança radical nele - se havia, eu não lembrava, depois de umas duas, três décadas. Eu, bem mais crescidinha, via que o apartamento espaçoso só seria espaçoso de fato para uma criança que está descobrindo o mundo (e os móveis, as paredes...) ao seu redor. No entanto, ao entrar na sala, uma nostalgia inexplicável tomou conta de mim, a ponto de me emocionar. Eu estava redescobrindo a sensação de ter um canto verdadeiramente meu.
Moro neste apartamento até hoje, sozinha, e recebo visitas de vez em quando. Meus pais lembram com saudade dos tempos em que viviam apenas eles e a filha única; e meu irmão gosta do lugar, mas nenhum dos três têm tamanho apreço por este imóvel como eu. Posso dizer que, apesar de não ter estado aqui por todos os anos de minha vida, este lugar tão especial e peculiar representa o mais incomum amor que já senti.

27 maio 2009

A Dialética do Tédio pt.III: Escolha sua frase de efeito preferida

1 - Escrevo por que mentiras faladas nem sempre convencem.
2 - Escrevo para trilhar os caminhos que um dia esqueci de tomar.
3 - Escrevo por que sou esquecido; se lembrasse, não escreveria.
4 - Escrevo por que não vivo; e se vivo, moro longe.
5 - Escrevo por que tenho saudade do que não vi.
6 - Escrevo para abrir as portas que para mim estão sempre fechadas.
7 - Escrevo por que não tenho nada a dizer.
8 - Escrevo por que tenho preguiça de ser.

26 maio 2009

Criança

12 de outubro de 1998, 7 anos.
Querido Diário! Hoje foi um dia muito legal, porque é o dia das crianças!!! Também é feriado. Minha mãe disse que o feriado é por causa de uma santa, mas pra mim é porque é dia das crianças. De manhã minha mãe me deu a Barbie Rapunzel que eu queria. Ela é muito linda! No almoço teve batata frita e de sobremesa sorvete de chocolate. De tarde e tia Ana veio aqui com a Gabi, que é minha prima. Daí ela me pegou pra gente ir na Redenção e no parque. Me diverti muito! Minha vó também me deu um presente. Ela me deu o cd novo da Sandy que eu queria. Foi o melhor dia das crianças de minha vida toda!!!!!
Até amanhã!
12 de outubro de 2006, 15 anos.
Dia perfeito! Ou pelo menos o final... De manhã, a mãe veio com os papos de "dia das crianças". Será que ela não percebe que eu não sou mais criança? Dã. Ela ainda me deu dinheiro, disse que achava melhor que eu escolhesse o meu presente... De qualquer modo, saí com as gurias de tarde e depois fomos pra casa do Júlio. Acabei ficando por lá, claro. Certamente, o melhor "dia das crianças", nem tão criança.
12 de outubro de 2007, 16 anos.
Acordar com alguém chorando nem sempre é bom, a não ser quando é ela. Hoje ainda mais. E pensar que há um ano atrás eu jamais imaginaria isso. Tantos problemas, tantas lágrimas, rejeição, abandono... Mas eu jamais a abandonaria, jamais a mataria, nem adiantaria ele implorar mais! Mesmo tão pequena já ganhou tantos presentes! Só a minha mãe deu uns quantos! De repente, voltei a ter que comemorar dia das crianças, hoje é o primeiro dela. Pelo menos ainda não está pedindo Barbie. Hoje não sou mais eu que ganho presentes... só em maio.
OBS: fiz esse texto antes de ler o da Andi... coisas que acontecem!!

23 maio 2009

linha-vida e o dia 12/10

Manuela, 8 anos. Meiga, inteligente, acostumada a acompanhar os pais em tudo e a viver com conforto. Passear no shopping é um hábito para ela. Comer McLanche Feliz, olhar as vitrines... Às vezes, andava pelos corredores com um brinquedo ou uma roupa novos. Manu curtia sua infância daquele jeito. Seus pais eram bons para ela e bem-intencionados, claro, mas trabalhavam tanto que a diversão mais "ao alcance" que podiam proporcionar para a filha era essa. Até mesmo em viagens ela era quase deixada de lado, quase tratada como adulta. Ela estava e não estava com seus pais. Sentia-se sozinha. "Como, uma guria que tem tudo do bom e do melhor?"
...
Manuela, 15 anos. Sonha em fazer intercâmbio e não aceita mais a companhia dos pais superprotetores que jamais tiveram tempo para brincar com ela. Quer sua independência, embora não saiba como obtê-la e ainda seja imatura, apesar de (como todo bom jovem da idade) achar o contrário. Vive num universo paralelo, num canto só seu: seu computador, suas músicas, sua cama, suas paredes rabiscadas, suas coisas, seus desabafos no papel. Não tinha problema. Estava acostumada com a solidão. Principalmente a interna.
...
Manuela, 25 anos. Vive um dia marcante, daqueles que mudam a vida radicalmente. Pensa no seu passado de frequentadora assídua de shopping: as pessoas tão diferentes e tão iguais; os vendedores aborrecidos pelo trabalho exaustivo. Pensa nos pais, que não vê há tanto tempo. Tem saudade deles, mas ainda guarda um pouco de mágoa. Pensa em reconciliação. Pensa em mudar de vida, mas não sabe se conseguirá mudar seus valores burgueses. Pensa nos últimos meses, tão turbulentos e confusos. Pensa no agora, na serenidade que invade sua alma.
Pensa em Pedro, o serzinho que carrega em seu colo. É 12 de outubro e o bebê tem poucas horas. A jovem mãe quer que seu filho tenha o melhor futuro que uma mãe pode desejar, mas que não repita a infância de Manuela. Pedrinho merece uma infância livre, na qual ele possa tomar banhos de sol e banhos de chuva, na qual ele possa correr, cair da bicicleta, subir em árvore, brincar de esconde-esconde. Manuela se enche de esperanças e planos. Mesmo ela já tendo passado da infância há muito tempo, sabe que aquele dia 12 de outubro é o seu dia. O dia de aprender a ser feliz de verdade.

22 maio 2009

Por favor, avisem.

Que os apaixonados não me levem a mal, mas eu não acredito no amor. Isso aí, meus amigos: depois de 18 anos sem namorados e levando algumas rasteiras na vida, cheguei a esta brilhante – e conveniente – conclusão. O amor não pode existir.
Dizem que ele é cego, e que pode até mesmo demorar um pouquinho pra te encontrar. Mentira. Mesmo sem enxergar, ele já teria me achado há tempos. Eu gritei, esperneei, quase peguei ele pela mão e ensinei o caminho. Não adianta. Ninguém consegue dominar uma coisa que não existe.
Esqueçam tudo o que já disseram pra vocês sobre ele. Eu sei, um dia aquela prima mais velha contou como amava o namorado e queria ficar com ele pra sempre. Agora pulem uns dois meses no tempo. Ela chorava bastante, né? Afinal, eles terminaram. Eles quem? O casal, não os amores. Esses últimos nem chegaram a acontecer.
Em todo o caso, se algum de vocês tiver notícias dele, faça o favor de me avisar. Não sou cabeça-dura, sei aceitar que estou errada. É comum ouvirmos falar sobre o amor. Vai ver eu que sou estranha.

20 maio 2009

Isto é um email

Linda, sabe q te amo mais q tudo, tu é a mulher da minha vida, sou completamente louco por ti. Me lembro como se fosse hoje o perfume que tu tava usando no dia q a gnte se viu pela primeira vez, lembro da tua gargalhada qndo ouviu minha cantada estapafúrdia logo no começo da festa e lembro tbm do teu beijo no final da noite, doce e suculento. Assim foi nosso primeiro bju e assim foi cada bju teu ateh hoje.
As vzs me pego olhando pro horizonte, completamente apaixonado por ti, pensando no nosso futuro, nos filhos q qro ter cntigo (espero q eles tenham teu sorriso, o mais lindo do universo), nas viagens q faremos, no nosso dia-a-dia qndo morarmos juntos...
Eu te venero, te qero, te amo.
Mas naum tenha mais aqela crise de ciúmes qe tu teve hoje, por favor, era só um filme, eu nunca vou conhecer a Scarlet Johansson de verdade, ela mora nos Estados Unidos, é rica, na verdade nem sei se ela existe mesmo, acho q eh computadorizada. Para de fiasco por nada amor, só fiz um comentário bobo sobre os seios dela...
Vamos voltar, cansei de brigas bobas, nosso amor já é maduro, é pra sempre, mas não sei mais como te provar q é a única pra mim, tentei de tudo.
Eu e Tu : 4ever
P.S. Saiba q essas palavras q te disse agora, pra Scarlet eu nunca escreverei.

17 maio 2009

Oi, tem moeda?

Vermelho.
Tem moeda? Tá. Tem moeda? Brigado. Tem moeda? Tem moeda?
Verde.
Cinco moeda. A mãe me manda pegá bastante, mas me dá uma coisa. Eu disse pra ela. Ela disse pra eu pará de sê esvergonhada. Acho que é isso. Eu nem sei falá direito. Esses dias vi um cara que pedia que nem eu, só que ele não tinha uma perna, e ele tava segurando um papel com umas coisa escrita. Daí ele nem falava, só levantava o papel. Ia sê mais fácil assim. Não gosto de falá, me dá uma coisa na barriga, um nervoso. A Júlia sempre consegue mais. Ela faz mais cara de triste, fala meio chorando. Às vezes consegue até dinheiro de papel.
Vermelho.
Oi, tio, tem moeda? Brigada. Moeda? Tem uma moeda? Aham. É. Tá, pode sê um pão. Tá. Brigada. Tem moeda?
Verde.
Gosto quando dão comida. Quase nem como aqui. Não posso gastar as moeda, é tudo pro pai da Júlia. A Júlia é minha irmã. Mas o pai da Júlia não é meu pai. A mãe é mãe das duas. O meu pai eu não sei. A mãe nem fala dele. O ruim é que quando dão pão, não dão moeda junto. Tem gente que não gosta de dá moeda, eles diz: não vô te dá pra ti ficá se drogando! Mas eu nem sei. Sempre dei moeda pra mãe. Uma vez só gastei num chocolate. Daí a Júlia contou e eu apanhei do pai dela. Aquele idiota... Eu queria usá um papel que nem o cara sem perna que eu vi. Só que nem tenho papel, nem coisa de escrevê e nem sei escrevê. Nem a Júlia. Senão ela fazia pra mim.
Vermelho.
Oi, tem moeda? Oi, tem moeda? Brigada. Tem moeda? É pra comprá leite e comida. Brigada. Tem moeda? Então, me dá uma bolacha? Brigada.
Verde.
Acho que vô pedi pra Ana fazê o papel. Ela já foi na escola. Acho que não vai mais, mas deve sabê as letra. Ah! Tem também aquela moça, a Lisa, que mora ali na rua. Só que eu nunca vejo ela... Ela dá aula numa escola e tem aula de noite. Diz que ela faz faculdade, que vai sê rica um dia. Eu que tinha que sê rica. Mas parece que pra sê rica tem que fazê faculdade. Eu nem sei... Só queria escrevê num papel pra não precisá ficá falando. Quem sabe eu tenho que pará de sê esvergonhada mesmo...
Vermelho.
Oi, tem moeda?

13 maio 2009

Interrogação

Existe o risco de dizer que nunca escreverei sobre o incerto - no entanto, talvez seja uma contradição, levando em conta tudo o que eu já escrevi. Sou esperançosa, acredito em energias e em pessoas positivas. Acredito na realização de sonhos. Acredito na fé. (Não questiono meu lado ingênuo e utópico - não adiantaria.)
Ainda hoje, vários episódios de minha vida rendem a mim muitos momentos reflexivos. E se não tivéssemos dificuldades financeiras que nos levassem a sair da zona leste? E se minha mãe não ficasse doente a ponto de precisar de um transplante? E se eu estudasse em outro colégio que não o dos padres, seria eu mais feliz? E se eu tivesse mais certeza do que eu queria na hora do primeiro vestibular? Ou então, pelo menos, na hora do segundo?
São vários "e se...?" que me levam a imaginar o que eu faria, como e com quem eu me relacionaria, como pensaria, como viveria. Mas são situações imaginadas. No fundo, sou sonhadora a ponto de formular hipóteses, mas realista a ponto de não conseguir me aprofundar nelas. A ponto de não conseguir escrever o que não está intrinsecamente ligado a mim. Coisas que vivi, presenciei, vi, ouvi, li, gostei, detestei e tantas outras sensações: talvez eu dependa delas para escrever... Será?